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Hidrogênio verde: o combustível do futuro está no Nordeste

Região tem benefícios naturais e estrutura logística para produzir o chamado hidrogênio verde

O Nordeste, como um todo, tem forte potencial para produção do hidrogênio verde, com destaque para o Ceará O Nordeste, como um todo, tem forte potencial para produção do hidrogênio verde, com destaque para o Ceará  - Foto: Divulgação

Tratado como o combustível do futuro, o Brasil tem o grande desafio de já nos próximos anos sair em vantagem na disputa mundial pela hegemonia da produção de hidrogênio verde e seus derivados.

A missão é difícil, mas o País conta com benefícios naturais, além de uma estrutura logística que favorece o desenvolvimento pleno desse setor. 

O hidrogênio é considerado verde quando a forma de obtenção do recurso acontece sem a emissão de carbono. O H2V libera vapor de água no momento em que é consumido. Essa fonte de energia pode ser utilizada de várias formas: nos transportes, indústrias e residências a partir da geração de eletricidade.

O ponto é que para produzir o hidrogênio com baixa emissão de carbono é necessário realizar o processo de eletrólise da água, reação química provocada pela passagem de uma corrente elétrica.

Como essa atividade demanda muita energia, é fundamental que essas fontes sejam sustentáveis. E é nesse sentido que surge a oportunidade de protagonismo da Região Nordeste na produção de H2V em solo brasileiro. 

Domínio do Nordeste
Os estados nordestinos dominam a geração de energia eólica e solar fotovoltaica do Brasil. De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2023, a capacidade já instalada na região, de 28,3 gigawatts (GW), representa 82,6% da nacional ao somar as duas fontes de energia.

Além disso, 79,7% das novas instalações programadas para entrar em operação no País também estão no Nordeste. 

Outro ponto favorável da região é a logística portuária nos principais estados, que facilitaria o processo de exportação do H2V.

O Comitê Europeu já estima uma demanda de mais de 10 milhões de toneladas de hidrogênio de baixo carbono importado até 2030. 

Jurandir Picanço, consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do CearáJurandir Picanço,Consultor de Energia da Federação
das Indústrias do Estado do Ceará | Foto: Divulgação

Ceará em destaque 
Com esse grande interesse global, o Nordeste encontra no hidrogênio verde uma forma de alavancar negócios e receitas num futuro próximo.

Dos nove estados da região, o Ceará tem se destacado nesse tema e já possui 37 Memorandos de Entendimento com empresas nacionais e estrangeiras, entre países europeus, China, Estados Unidos e Austrália.

O objetivo é desenvolver uma cadeia produtiva do H2V e seus derivados no Porto do Pecém.
Alguns motivos podem explicar o destaque do Ceará na corrida pelo hidrogênio verde, no Brasil.

Desde 2021, ainda na pandemia, o estado identificou com antecedência o potencial desse combustível e a necessidade de regiões importantes da economia mundial, como a União Europeia.


A partir de uma iniciativa da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), entidades importantes do estado como o Governo Estadual, Complexo Portuário do Pecém e Universidade Federal do Ceará (UFC) passaram a unir esforços para apoiar projetos sobre o tema e, consequentemente, atrair investidores para o Hub do H2V.

 

“Além de termos o atrativo da energia renovável que é comum a todos os estados da região, com essa iniciativa diversos empreendedores vieram conhecer nossas condições e viram algumas vantagens”, analisa Jurandir Picanço, consultor de Energia da FIEC.

Diferenciais
Um dos principais diferenciais do Ceará consiste na Zona de Processamento de Exportação (ZPE), que fica localizada justamente no Porto do Pecém, onde também está o Hub do hidrogênio verde do estado.

As ZPEs são áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens, sendo considerada zona primária para efeito de controle aduaneiro. Os grupos que ficarem nesses locais terão grandes vantagens fiscais e tributárias. 

Outro fator importante para o destaque do Ceará na disputa pelo H2V é a relação do Porto do Pecém com o Porto de Roterdã, maior complexo marítimo da Europa localizado no sul da Holanda.

O porto holandês tem participação de 30% no Complexo do Pecém, que é uma “joint venture” formada com o Governo Estadual do Ceará. 

Com a ideia da União Europeia de importar grandes quantidades de hidrogênio verde e seus derivados nos próximos anos, o Porto de Roterdã quer se transformar no maior importador de H2V no continente europeu e tem esse caminho livre com o Ceará. 

Um forte indício de que a situação está progredindo é que seis das 37 empresas que assinaram o Memorando de Entendimento já alugaram áreas na ZPE cearense.

“Eles pagaram caro para poder desenvolver seus projetos de engenharia. Tudo isso nos anima muito para entender que as coisas estão avançando”, destaca o consultor da FIEC. 

Vale ressaltar que os Memorandos de Entendimento não representam nenhum compromisso formal. É apenas uma demonstração da intenção de estudar o desenvolvimento de projetos na área. 

A partir de 2028
Segundo Jurandir Picanço, as expectativas mais otimistas no Ceará são de que a produção de H2V no estado comece efetivamente a partir de 2028 com foco, desde o início, para a exportação.

Apesar do grande potencial creditado neste combustível, algumas dificuldades ainda seguem colocando dúvidas para seu funcionamento.

“O grande desafio é que tudo é muito novo. Não existem parâmetros para comparar custos e rendimento.”

O processo de eletrólise, necessário para a produção do hidrogênio sem a liberação de carbono, nunca foi utilizado em grande escala, por exemplo. O transporte, fundamental para a exportação, também demanda de avanços tecnológicos importantes para ser feito com maior eficiência e segurança. 

No Pecém, a ideia inicial é começar a produzir amônia (NH3) na combinação do hidrogênio, extraído de forma não poluente, com o nitrogênio.

A amônia é mais fácil de transportar por navio e pode ser utilizada como combustível, em processos industriais e, se for o caso, pode ser transformada de volta em hidrogênio. Um exemplo para a utilização do H2V no Brasil seria no caso dos fertilizantes.

Atualmente, o Brasil importa fertilizantes feitos com amônia produzidos com hidrogênio cinza, ou seja, poluentes. E o País tem condições de, no futuro, produzir a amônia sustentável ao menor custo do mundo, porque tem a oportunidade de desenvolver o hidrogênio verde mais barato. 

Assim, ao invés de importar o fertilizante poluente, seria exportador do fertilizante verde.

“Mas hoje o fertilizante verde vai ser mais caro. Por isso, é preciso ter políticas que estabeleçam vantagens para quem utilizar o produto sustentável. Os estudos indicam que com o desenvolvimento de tecnologia e a maturidade do mercado, os preços vão cair de maneira acentuada”, disse Jurandir Picanço. 

O senador pernambucano Fernando Dueire (MDB) participou ativamente da criação do marco legal relativo ao hidrogênio verdeO senador pernambucano Fernando Dueire (MDB) participou ativamente da criação do marco legal relativo ao hidrogênio verde | Foto: Agência Senado

Marco Legal
Como o potencial para desenvolvimento no novo mercado de H2V está espalhado pelo Brasil, com destaque para a Região Nordeste, um avanço fundamental para o País se aproximar desse “futuro” foi a conclusão do marco regulatório para a produção do hidrogênio de baixo carbono.

O Projeto de Lei 2.308/2023 passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. 

Com a experiência de ter participado no início dos anos 2000 do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que auxiliou no desenvolvimento de projetos de energia eólica e solar, o senador pernambucano Fernando Dueire (MDB) teve participação ativa na Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde (CEHV).

A comissão, que teve início em 2023, entregou o relatório para o plenário do Senado Federal em junho de 2024. Segundo o senador, o período de debates envolveu uma ampla escuta.

“Foi necessário ouvir as demandas mundiais sobre esse produto, qual seria o mercado e como se estaria pensando o marco regulatório. Esse foi um pilar importante durante esse momento”, comenta Dueire. 

O marco regulatório será fundamental para o Brasil conseguir desenvolver uma neoindustrialização a partir do hidrogênio verde.

Sem definições e regulações gerais no País, a concretização dos investimentos dificilmente seria concluída. O empreendedor precisa fazer seus cálculos baseado no que vai ter que pagar e quais benefícios terá.

“Basicamente, grande desafio era a falta de segurança. Os investidores querem uma lei que conduza e dê segurança aos investimentos deles no País. Isso precisa ser um plano nacional. O que o mundo pedia ao Brasil era o que nós concluímos agora, com o marco regulatório”, reforça o senador pernambucano. 

Uma das definições importantes do marco legal do hidrogênio verde é que o órgão regulador será a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O marco do H2V terá validade a partir de 2028. 

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