Biomassa: eficiente, versátil e sustentável
Fonte energética renovável e ambientalmente sustentável, a biomassa impacta positivamente na indústria e no agronegócio com perspectivas de expansão no Brasil
E ficiência e sustentabilidade são conceitos que têm andado cada vez mais ligados como fator de desenvolvimento em grande parte da indústria e do agronegócio brasileiro. Em matéria de destinação dos resíduos e produção de energia, a biomassa ocupa espaço de destaque e desponta como fonte energética com enorme potencial de crescimento.
O que no passado era matéria de descarte, hoje se transformou em um produto em franca valorização. “O bagaço de cana é fundamental, pois é por meio da queima dessa biomassa que as usinas geram o valor necessário para acionar os geradores e produzirem energia elétrica para seu consumo e para venda”, lembra o diretor executivo do Grupo EQM, Marcos Henrique Clemente.
O produto é competitivo e atende uma demanda diversificada. “O bagaço [de cana] está sendo demandado não só para o mercado interno, mas também para exportação. Em 2022, foram embarcados seis navios de 25 mil a 30 mil toneladas cada um com pellets de bagaço enviados à Europa para a substituição de carvão mineral. Então, essa é uma tendência que deve se expandir também para uso de biomassa energética”, detalha o presidente e CEO da Datagro Consultoria Ltda, Plínio Nastari.
De acordo com o executivo, em breve, o bagaço de cana será comercializado na Bolsa Brasileira de Mercadorias, criando um novo mercado de balcão, o que demonstra o aumento do interesse pelo insumo tanto para a produção nacional quanto como commodity.
O QUE É BIOMASSA?
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) descreve a biomassa como “todo recurso renovável constituído principalmente de substâncias de origem orgânica (vegetal ou animal)”. Tem sido usada de forma crescente no mundo como insumo energético, muito mais para usos finais como energia térmica, mas já com destaque como geradora de energia elétrica, e de forma também crescente como origem de combustíveis líquidos.
“Como uma fonte de energia primária, a biomassa é tida como uma das principais responsáveis pela energia consumida nos países em desenvolvimento. Segundo Rosillo-Calle, Bajay e Rothman (2005), esta fonte renovável “possui escala de produção de energia suficiente para desempenhar um papel expressivo no desenvolvimento de programas de energias renováveis e na criação de uma sociedade ecologicamente mais consciente”.
ENERGIA RENOVÁVEL EM ALTA
O mais recente relatório do Balanço Energético Nacional (BEN) indica que, entre 2021 e 2022, o Brasil aumentou a renovabilidade da Oferta Interna de Energia (OIE) e da Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE). O percentual de renováveis na OIE passou de 45,0% em 2021 para 47,4% em 2022. Esse crescimento, entre outras fontes renováveis de energia, tem sido impulsionado pela ampliação do uso da biomassa na matriz energética de grandes indústrias e no agronegócio.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), cerca de 22% de toda a energia ofertada no Brasil em 2022 foi de biomassa moderna, segundo o Balanço Energético Nacional. Isso inclui o etanol, o biodiesel, o biogás, a bioeletricidade.
“Um país com a capacidade agrícola que temos deve aproveitar esse potencial para produção de energia de forma sustentável. Por isso, temos fortalecido o Programa Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, que tem metas de descarbonização e garantia de sustentabilidade”, informa o MME. “Além disso, o país tem investido em tecnologia de ponta, como novas plantas de etanol de segunda geração. E vem aí o Programa Combustível do Futuro, que vai colocar a bioenergia na fronteira tecnológica e de mercado, ajudando a descarbonizar setores que ainda têm muita dificuldade de abrir mão dos combustíveis fósseis, como na aviação”, completa o ministério.
“O Brasil tem um posicionamento excepcional no que se refere à geração limpa de energia, com aproximadamente 84% da sua matriz elétrica baseada em fontes renováveis. Além disso, o País possui uma alta diversidade de fontes de geração de energia elétrica. Hoje, existem aproximadamente 30 fontes distintas de geração de energia, divididas em 23.333 usinas, equivalentes a uma potência instalada de 193,4 GW”, apontou o gerente de Energia, Saneamento e Telecomunicações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Roberto Wagner Lima Pereira.
“Em relação à matriz energética, 48,4% provêm de fontes renováveis, o que, em termos de sustentabilidade, posiciona o País muito acima da média global, que é de 15%. Nesse cenário, a biomassa e os biocombustíveis representam cerca de 16,4% da matriz energética brasileira, sendo o etanol de cana o produto desta categoria mais utilizado no País. Portanto, podemos afirmar que o setor de energia no Brasil está entre os mais diversificados e limpos do planeta”, diz Roberto Wagner Lima Pereira.
A BIOMASSA E O AGRONEGÓCIO
Com relação à geração de energia elétrica, o setor sucroenergético também contribui para um perfil singular e positivo do Brasil em relação ao uso da bioeletricidade no mundo. Segundo a Associação da Indústria de Cogeração de Energia (COGEN), em 2019, enquanto no Brasil a bioeletricidade com biomassa sólida representou 8,4% de participação na oferta interna de energia elétrica, na média mundial essa participação foi de apenas 2,1%.
No ano passado, a geração total de energia elétrica pela biomassa sólida foi de 54.684 GWh, sendo a biomassa da cana responsável por 36.827 GWh (67,3% do total de bioeletricidade produzida no País).
Quando se fala de energia de biomassa, o leque é muito amplo. O insumo pode ser obtido a partir do corte mecânico da cana-de-açúcar e de outras fontes vegetais, como lenha de madeira plantada em reflorestamento, principalmente o eucalipto, bem como em resíduos de diferentes origens, como palha de trigo, casca de arroz e de café e uma série de outros orgânicos de origem agrícola ou agroindustrial.
ALTA DEMANDA
Lenha de reflorestamento está em alta demanda para uso energético, principalmente com o crescimento da produção do etanol de milho. A industrialização do milho requer uma fonte energética que pode ser fóssil ou renovável e a preferência tem sido de usar fonte renovável. Nesse caso, a principal biomassa é o cavaco [resíduo] de madeira.
“Na região onde o etanol está se desenvolvendo de forma mais intensa, que é o norte do Mato Grosso, está se buscando fontes de lenha de cavaco de madeira em várias regiões vizinhas, inclusive as usinas de etanol de milho já estão buscando lenha e cavaco de madeira a uma distância de até 600 km. E, por esse motivo, também estão sendo utilizados pó de serra e resíduos de várias outras atividades, a exemplo do bambu”, comenta Plínio Nastari.
A tendência, segundo o executivo, é de que a demanda de lenha de cavaco de madeira cresça, pois a expansão do etanol de milho está se dando de forma muito rápida. Em 2013 praticamente não se tinha nenhuma produção de etanol de milho, este ano serão produzidos aproximadamente 5,4 bilhões de litros de etanol de milho e estão projetados 14,6 bilhões de litros até 2032. Cenário vai requerer cavaco e lenha para uso energético. Existem reservas de lenha e cavaco de madeira ainda disponíveis em Goiás, Mato Grosso, Norte de Minas e no Pará e com disponibilidade em várias regiões do País.
Já a cana-de-açúcar tem sua produção basicamente concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste, sendo o Brasil o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, atingindo cifras em torno de 650 milhões de toneladas métricas por ano.
“A cana, dependendo da variedade, tem de 13% a 17% de fibra, que após moída resulta em bagaço, representando aproximadamente 30% do volume da cana. Esses percentuais tornam o bagaço um subproduto relevante devido à importância da energia elétrica na sua matriz de receitas”, lembra o diretor executivo do Grupo EQM, Marcos Henrique Clemente.
O bagaço é proveniente do esmagamento da cana-de-açúcar nas moendas. O caldo é extraído e encaminhado para várias destinações como a produção de açúcar ou a destilação do álcool combustível ou para fim industrial, seja na produção de alimentos, bebidas ou fármacos. A biomassa produzida com o resíduo da cana hoje representa uma parte considerável do consumo próprio de energia.
“APAGÃO” E RACIONAMENTO
O potencial energético da biomassa no setor sucroalcooleiro não é um fato recente. Há mais de duas décadas, quando o País enfrentou um “apagão” de energia elétrica, inclusive com racionamento deflagrado nos últimos dois anos do governo Fernando Henrique Cardoso, entre 2001 e 2002, a geração de eletricidade por meio da queima do bagaço de cana-de-açúcar foi apontada como uma das soluções para afastar o risco de um novo apagão.
Com a escassez de chuva na época, a falta de diversificação da matriz energética - que dependia em mais de 70% de hidrelétricas - representou um prejuízo de R$ 45,2 bilhões, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU). Foi no auge da crise que o Brasil decidiu investir com mais eficiência em termelétricas movidas a biomassa, através da cogeração de energia, tecnologia já dominada pelas usinas de cana-de-açúcar.
Além da produção de energia, esse subproduto também é aplicado na pecuária, matéria-prima para fabricação de garrafas PET, fertilizantes, aditivo para cimento na construção civil e mais recentemente na produção de álcool de segunda geração (2G).
EXCESSO DE GERAÇÃO
O Brasil atualmente já possui uma matriz limpa e diversificada. Em um horizonte próximo, até 2029, haverá excesso de geração. Nesse período, a geração de energia deverá crescer três vezes mais que o consumo.
“O setor elétrico chegou a uma situação paradoxal, em que a oferta de energia é muito maior do que a demanda, porém a tarifa continua alta. Com efeito, a evolução da matriz elétrica, com o aumento acelerado da participação de fontes renováveis e intermitentes, exigirá importantes transformações na forma de operar e de distribuir riscos e custos do setor, sobretudo no que se refere a subsídios”, avalia Roberto Wagner Lima Pereira, da CNI.
Tramitam no Congresso Nacional mais de duas dezenas de Projetos de Lei que alteram diversos parâmetros do setor elétrico, com destaque para projetos que criam subsídios e incentivos para determinadas fontes de geração ou para grupos sociais específicos, com viés de aumento tarifário.
Vencida a barreira da regulamentação, à medida em que a biomassa substitui fontes energéticas fósseis como o óleo diesel e o óleo combustível, ela poderá gerar um impacto muito positivo em termos de redução dos gases do efeito estufa. Além disso, o uso desses resíduos resolve o problema da destinação de subprodutos que ficavam às vezes largados, contaminando solos e leitos de rios.
Em suma, o uso da biomassa aponta para o futuro, promovendo mais eficiência na geração de energia e garantindo sustentabilidade e preservação dos recursos naturais.