FÓRUM NORDESTE 2023

Etanol: segurança energética de baixo carbono e menor impacto ambiental

O produto derivado principalmente da cana-de-açúcar assume papel fundamental na transição energética para um modelo global de baixo carbono, com possibilidade de extração do hidrogênio, considerado o combustível do futuro

O biocombustível produzido da cana emite em  média 80% menos gases de efeito estufa quando  comparado à gasolinaO biocombustível produzido da cana emite em média 80% menos gases de efeito estufa quando comparado à gasolina - Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O etanol, por ser mais sustentável e versátil, principalmente comparado à gasolina, assumiu um papel fundamental na transição energética para um modelo de economia global de baixo carbono e menor impacto ambiental. Para se ter uma ideia, o biocombustível produzido por meio da cana-de-açúcar emite, em média, 80% menos de gases de efeito estufa (GEE) quando comparado à gasolina.



Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), mais de 515 milhões de toneladas de gases de efeito estufa deixaram de ser despejadas na atmosfera desde o início dos carros flex no Brasil, em 2003, por conta do etanol. Trata-se de um tipo de energia renovável porque sua fonte é inesgotável ou pode ser regenerada, como é o caso das plantações de cana-de-açúcar. 

Com o tratamento adequado do solo, matérias-primas vegetais - como a cana, o milho, a beterraba, a mandioca, a batata etc. - podem ser plantadas e replantadas em safras. Por isso, diz-se que elas não se esgotam. É também uma fonte de energia mais limpa. Esses são alguns motivos que explicam o interesse do mercado automotivo em contemplar o etanol nas inovações que contribuem para a descarbonização. 

“O que estamos vivendo é uma discussão muito grande no mundo quando se fala da eletrificação dos motores, uma tendência mundial que o setor vai ter que se adaptar. E nós temos um segundo movimento no mundo, motivo da eletrificação ser tendência, que é o da descarbonização dos processos produtivos do sistema de consumo”, lembra o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético e da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), Mário Campos.

HÍBRIDO FLEX

No caso do Brasil, o assunto ganha outros contornos, pois, em função da produção de etanol, tem-se alternativas muito melhores do que a da eletrificação com bateria.

“A gente tem a possiblidade de fazer no Brasil a eletrificação dos motores consociados com motores à combustão de forma a entregar ao consumidor não só um produto mais eficiente, mas que possa utilizar o biocombustível”, acrescenta Campos. 

Alguns investimentos, inclusive, já vêm sendo anunciados. Trata-se de produtos sendo lançados na direção do que passou a ser chamado de veículo híbrido flex, que tem um motor à combustão, elétrico, mas pode ser abastecido com etanol. É uma tecnologia que a Toyota já está vendendo com grande aceitação, mas outras montadoras, como a Stellantis, já anunciaram também a intenção de lançar em 2024.

Com esse modelo, as fábricas entregam ao consumidor um veículo mais barato que o elétrico, tão eficiente quanto e com um consumo de combustível produzido no Brasil. Abre-se um caminho no mundo para o etanol brasileiro, porque a molécula do biocombustível (C2H5OH) contém hidrogênio, tido como o combustível do futuro. 

“Temos a possibilidade de fornecer no futuro um hidrogênio que os sistemas de consumo de energia vão precisar para os seus processos. Então, abre-se um mundo de possibilidades para o etanol. Especificamente no sistema de aviação, já se vê muitas coisas sendo estudadas e anunciadas para que se tenha no futuro o que a gente chama de SAF (Sustainable Aviation Fuels), combustíveis de aviação sustentáveis”, diz Mário Campos.

FUTURO DA MOBILIDADE

O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE) e presidente executivo da NovaBio, Renato Cunha, lembra que o Brasil conta com valiosos recursos naturais que se completam em aptidões no empreendedorismo, nos recursos humanos e na ciência gerada na academia.

“A biomassa, o etanol, o biodiesel, biometano, biogás, hidrogênio verde, combustível marítimo e o SAF, além da energia hidráulica, solar, eólica e muitas outras fontes renováveis são ativos de uma realidade energética plural que garantirá mais segurança energética para o planeta”, afirma Cunha.

Já o presidente da Datagro, professor Plínio Nastari, conta que investimentos massivos devem ocorrer pelo reconhecimento do etanol como excelente carregador de hidrogênio. “Fala-se muito de hidrogênio verde produzido a partir de energia limpa, eólica e solar fotovoltaica, mas o grande problema do hidrogênio é a sua armazenagem, distribuição e transporte”, acrescenta Nastari.

Para o professor, o etanol e o biometano são formas eficientes de se armazenar e distribuir hidrogênio para, próximo ao ponto de consumo, realizar-se a reforma do etanol e do biometano para extração de hidrogênio, que poderá então ser utilizado em baixa pressão. “Existe um potencial muito grande para que isso ocorra e, na verdade, o Brasil já está à frente de todos os países do mundo, porque com a rede de distribuição de etanol, nós já temos, na prática, uma rede de distribuição de hidrogênio”, completa Nastari.

INVESTIMENTOS

No Brasil, a Volkswagen, a Raízen e a Shell são parceiras em um centro de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) em biocombustíveis cuja proposta é pesquisar fronteiras do uso do etanol como modelo de eletrificação via célula a combustível, com foco também na exportação. 

Junto com a Hytron e Senai CETIQT, a Shell e a Raízen estão investindo, na Universidade de São Paulo (USP), em plantas voltadas à produção de hidrogênio a partir do etanol. Um dos primeiros projetos é um posto de abastecimento para ônibus que circula na Cidade Universitária da instituição de ensino. 

As plantas serão capazes de produzir inicialmente 5 kg/h de hidrogênio, mas há planos de escalar a produção para 44,5 kg/h. O combustível substituirá o diesel em um dos ônibus utilizados pelos estudantes no campus da USP.

Em abril deste ano, a Toyota se juntou à Shell Brasil, à Raízen, Hytron, à USP, ao Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e ao Senai CETIQT e anunciou uma parceria para reduzir a emissão de carbono de seus veículos. A montadora japonesa contribui para o projeto de P&D visando também produzir hidrogênio renovável a partir do etanol. A Toyota ofereceu o Mirai, modelo movido à célula de combustível (fuel cell) para os testes. Nissan e Volkswagen também já exploram esse caminho de transporte sustentável no Brasil.

Com um investimento de cerca de R$ 50 milhões da Shell Brasil, o projeto de P&D também pretende calcular a pegada de carbono do ciclo ‘campo à roda’, mensurando as emissões de CO2 na atmosfera, desde o cultivo da cana até o consumo do hidrogênio pela célula combustível do veículo.

PRODUÇÃO DE HIDROGÊNIO

O gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell Brasil, Alexandre Breda, chegou a afirmar que o objetivo do projeto de P&D é demonstrar que o etanol pode ser vetor para produzir hidrogênio renovável, aproveitando a logística já existente da indústria de etanol. Por conta do baixo custo de transporte do etanol, a produção local de hidrogênio renovável por meio da reforma do biocombustível é uma saída eficiente, sustentável e facilmente replicável globalmente.

A plataforma BIO-ELECTRO, do grupo Stelllantis - dona de marcas como Fiat, Jeep, Ram, Peugeot e Citroën - é também um bom exemplo do papel de protagonista que o etanol ganhou na contribuição pela descarbonização do transporte brasileiro. O objetivo do BIO-ELECTRO é impulsionar o desenvolvimento no Brasil de soluções, tecnologias e componentes para veículos híbridos que combinem etanol e eletrificação. A montadora deverá investir 30 bilhões de euros até 2025 em eletrificação e desenvolvimento de softwares e soluções.
 

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