Setor sucroenergético: eficiência e desenvolvimento sustentável
Empresas ligadas à cadeia produtiva do açúcar e álcool aliam questões ambientais e sociais ao desenvolvimento econômico e ganham protagonismo mundial na questão dos biocombustíveis
No Brasil, quando o assunto é sustentabilidade e desenvolvimento aliados à oportunidade de empregos, por uma série de razões o setor sucroenergético - que engloba as empresas que produzem açúcar e álcool ou atuam em algum elo da cadeia produtiva desses elementos - aparece não só como destaque, mas como o mais promissor. No caso da sustentabilidade, a justificativa está, por exemplo, no que se convencionou chamar de economia circular, ou seja, utiliza-se tudo que a matéria-prima, no caso a cana-de-açúcar, tem a oferecer na fabricação dos produtos. Praticamente não se perde nada.
Com o caldo da cana, fabrica-se o etanol e o açúcar; com o bagaço, produz-se energia para tocar a fábrica, e o excedente é vendido para o sistema elétrico. Além disso, subprodutos como a torta de filtro (filtragem do caldo da cana) e a vinhaça (subproduto da produção do etanol) retornam ao campo como adubo. Sem falar que em 1% da área do território brasileiro produz-se cerca de 20% de toda a energia consumida no Brasil.
O setor sucroenergético brasileiro está diretamente relacionado às culturas de cana-de-açúcar, uma vez que este é o principal insumo para os processos produtivos já explicados. Muitas usinas trabalham com açúcar e álcool, variando a proporção de cana dedicada à cada linha de produção de acordo com as oscilações e tendências do mercado.
O álcool tem duas variantes básicas, em função da proporção de água presente na mistura final: o anidro (utilizado como aditivo à gasolina) e o hidratado (pode ser utilizado como combustível diretamente nos motores a álcool ou flex). O álcool pode ser destinado a diferentes finalidades, como indústria farmacêutica ou química, mas a sua aplicação no setor de transportes vem sendo o fator impulsionador do crescimento do negócio sucroenergético.
EMPREGOS DIRETOS
O setor sucroenergético é responsável por quase 800 mil empregos diretos divididos entre as mais de 330 usinas espalhadas pelo País.
“O setor alia duas coisas: as questões ambiental e social de forma muito interessante, criando oportunidades de desenvolvimento econômico, principalmente para o interior do Brasil, em pequenas e médias cidades, onde se têm maiores dificuldades”, explica o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético e da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), Mário Campos.
Sabe-se, ainda, que um megawatt de energia - o equivalente à produzida por dez motores de automóveis - gerado numa usina de biomassa de cana gera muito mais empregos do que um megawatt de energia produzida por uma hidrelétrica, uma eólica ou solar. No caso da cana-de-açúcar, o processo inclui plantar, cuidar, colher, processar, ou seja, há todo um sistema associado.
“Na hidrelétrica, tem-se a construção e depois ela opera com quatro ou cinco funcionários. Todo o sistema é automatizado. A solar tem autonomia, depois terá gente para organizar a produção e limpar o terreno para tirar o mato daquela área. A eólica, da mesma forma. O megawatt de energia gerado no setor sucroenergético tem um componente social de empregabilidade muito maior. Por isso, digo que o ESG precisa trazer também esse conceito de forma muito forte junto com o de meio ambiente”, ensina.
RELEVÂNCIA SOCIAL
Com o processo de descarbonização da matriz energética brasileira, o crescimento do setor vai levar a uma empregabilidade ainda maior. “Apesar do alto índice de mecanização implementado, por exemplo, no Centro-Sul, há ali em torno de 700 mil colaboradores diretos há muitos anos. Quando a gente considera os empregos indiretos, fala-se em 2 milhões de brasileiros”, contabiliza Campos. “A gente tem que pensar em todo o sistema produtivo, o quanto ele é importante para o processo de empregabilidade”, afirma.
Para o presidente da Siamig, o sistema da agroindústria canavieira é relevante, principalmente quando lincado à busca do mundo por atividades sustentáveis e que alie a questão do meio ambiente com o social. “A gente não pode esquecer nunca do social. As pessoas precisam ter oportunidades, emprego, renda, senão não adianta ficar falando de meio ambiente”, diz.
Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo no uso de tecnologias no setor. Novas variedades foram lançadas e incorporadas pelas usinas e produtores rurais que plantam cana-de-açúcar, além das trocas de informações ‘da porteira para dentro’ das usinas, uma característica inerente ao setor. “Somos muito abertos no sentido de trocar informações quando a gente fala ‘da porteira para dentro’. Isso é muito importante porque a gente começa a evitar o que dá errado e buscar coisas que dão certo. O Nordeste é um exemplo disso. Viu sua produtividade ter uma recuperação impressionante nos últimos anos por meio da incorporação de novas tecnologias, novas variedades”, afirma.
No caso do etanol, tem-se no Brasil um sistema produtivo importante não só a partir da cana-de-açúcar, mas também do milho, que cresce regionalmente. O biocombustível a partir do milho, que hoje representa 20% do total produzido no País, também tende a crescer e de forma rápida, segundo Campos.
“O setor de grãos no Brasil cresceu muito rápido e de forma muito eficiente nos últimos anos porque embarcou muita tecnologia nesse processo. É claro que é um segmento mais fácil. A gente trabalha com ciclos curtos, com safras curtas. Você chega lá, compra a semente e planta. Em três ou quatro meses, está colhendo”, acrescenta.
No caso da cana-de-açúcar, o processo é mais lento, pelas tentativas de experimento, busca de variedades e práticas agrícolas mais adequadas à cada região. O debate em torno do tema combustível versus alimento, como ocorre nos EUA, quando o assunto é o destino do milho, não tem sentido no Brasil, de acordo com Campos.
“O milho no Brasil é uma cultura que a gente chama de segunda safra - primeiro se produz a soja e de depois o milho na mesma área ao longo do ano. Então, aquilo que nos EUA é uma escolha que o produtor tem que fazer - plantar soja ou milho - no Brasil essa escolha em muitas regiões não existe por conta da segunda safra. A gente tem um potencial enorme para ofertar esses produtos”, justifica.
“O Nordeste, principalmente a Zona da Mata, é uma região forte na produção; o Sudeste, com Minas Gerais e São Paulo, também é uma região forte; o Centro-Oeste aparece hoje como o grande ofertante de etanol para o Brasil e o mundo. Mas ainda temos no Brasil o consumo de etanol hidratado muito concentrado em poucos estados”, analisa.
INVESTIMENTOS
Nesse cenário, surge um grande desafio para o futuro: levar a oportunidade a todos os brasileiros de abastecerem seus veículos não só de forma sustentável, mas também econômica. “Há uma reforma tributária sendo discutida no Congresso que em tese levará à unificação desses sistemas tributários no qual a gente pode ter a oportunidade de levar à essa economicidade que hoje estados como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás têm no abastecimento de etanol para o Brasil todo”, detalha Mário Campos.
Quanto à cana-de-açúcar, em termos regionais, o Brasil apresenta dois períodos distintos de safra: de setembro a março no Norte-Nordeste, e de abril a novembro no Centro-Sul. Assim, o País produz etanol durante praticamente o ano todo. As últimas três safras de cana-de-açúcar foram de resultados econômicos relevantes. Todos os custos foram cobertos, incluindo os juros sobre o capital próprio, graças a preços altos do açúcar e petróleo.
Como consequência, o setor está capitalizado e com investimentos na renovação da lavoura, em tratos culturais adequados e a otimização das operações industriais estão acontecendo. Investimentos em aumento de capacidade também ocorrem, preferencialmente voltados ao açúcar. Porém, quem atua no setor de commodities sabe que existe um ciclo de preços altos e baixos. Esta condição faz o negócio se viabilizar no médio e longo prazos com preços acima de custos.
O Brasil é o pioneiro em produção de cana-de-açúcar e derivados, setor de altíssima relevância sendo protagonista fundamental no mercado agrícola e na economia. Devido ao grande potencial de produção de etanol e todos os seus subprodutos, a cultura da cana-de-açúcar é uma alternativa valiosa quando se trata de biocombustíveis. No que diz respeito às questões que envolvem sustentabilidade, diferentemente de outros países, o setor no Brasil opera em uma sistemática cada vez mais envolvida de forma positiva com o tema.