Álbum da Copa aflora paixão entre fãs e movimenta mercado paralelo das figurinhas
Além do hobby, hábito de colecionar ajuda a potencializar desenvolvimento de habilidades sociais
Há limites para o colecionador adquirir uma peça rara? Para alguns, certamente, não. Que o diga os amantes de álbum de figurinhas. Neste ano, o livro ilustrado da Copa do Mundo do Catar tem aflorado o sentimento dos fãs. Com o lançamento de cromos especiais nesta edição, é possível encontrar o rosto dos principais nomes do futebol mundial sendo comercializados de forma avulsa por valores que podem chegar a R$ 9 mil.
Ao todo, são 20 jogadores, entre ídolos e novos talentos, que integram as figurinhas extras. Os sortudos podem encontrá-las nas cores bordô, bronze, prata e ouro. Como não preenchem a coleção tradicional, não devem ser coladas no álbum. Os cromos se tornam especiais por causa da dificuldade em achá-los. Quanto maior a variação da figurinha, mais rara a probabilidade dela vir dentro dos pacotinhos.
Responsável pela confecção do álbum e das figurinhas, a Panini informa que “as figurinhas extras são distribuídas de forma aleatória nos envelopes, não sendo possível dimensionar a probabilidade de retirá-las”. No entanto, a editora estima que um cromo bordô pode ser encontrado a cada 190 pacotinhos; um bronze a cada 317 envelopes; um prata a cada 950 pacotes; um ouro a cada 1.900. Levando em consideração que cada pacote custa R$ 4, seria necessário gastar R$ 760, R$ 1.268, R$ 3.800 e R$ 7.600, respectivamente, para encontrar uma figurinha rara. O que não é a regra.
Colecionadores estão cautelosos
No caso do pernambucano Cássio Cavalcanti, ele não precisou de muito para achar uma figurinha bordô de Neymar. Colecionando o álbum junto com o filho Gabriel, ele relatou já ter recebido propostas. “Estou vendendo a minha por R$ 800. Tive algumas propostas, mas não estou aperreado, sei que lá na frente vai valer um pouco mais”, declarou o contador.
Na visão do empresário Victor Moraes Arruda, dificilmente alguém pagará os valores que estão sendo cobrados na internet pelas figurinhas extras. “Eu já tirei duas dessas bordôs. Acho que é um mercado que está se criando, mas sem demanda. Impressionaram-se com essa de Neymar a R$ 9 mil, mas não tem quem compre. Todo mercado depende da demanda, e acho difícil que alguém pague isso em uma figurinha. Lá na frente, pode ser que paguem algum valor alto, mas longe desses que estão pedindo”, comentou.
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Cromos mais concorridos
Camisa 10 da Seleção Brasileira, Neymar estampa as figurinhas com as maiores variações de preço. Além dos R$ 9 mil já citados, em uma rápida busca na internet é possível achar cromos do astro por R$ 8 mil, R$ 7,5 mil, R$ 6,7 mil, R$ 5 mil e R$ 2 mil.
As figurinhas Legends do francês Mbappé podem ser encontradas entre R$ 2 mil e R$ 7,2 mil. Os cromos do português Cristiano Ronaldo e do argentinio Lionel Messi são vendidos por até R$ 8 mil. À reportagem, a Panini afirmou que "não comercializa figurinhas extras individualmente e as vendas paralelas não são de responsabilidade da marca."
Cuidado com o orçamento
Já o economista Rafael Ribeiro falou dos cuidados que o colecionador deve ter para não extrapolar o orçamento comprando figurinhas. "Essa questão de coleção a gente já entende que é um item supérfluo, uma vez que você não consome isso. Aquilo vai ficar ali para você admirar. Já que é um item supérfluo, necessita colecionar aquilo? Para alguns, há o incentivo de investir", relatou.
"Falando da renda, se for uma família bem estruturada, que não sofre com a falta de dinheiro, não vejo problema nela investir na compra para um filho. Mas, uma família que está no aperto, com restrição orçamentária, fazendo substituição de itens, é algo que você facilmente consegue deixar de lado e colocar para o futuro", reforçou o economista.
Hábito ajuda a potencializar desenvolvimento de habilidades sociais
O hábito de colecionar cromos une diversas faixas-etárias e não é algo novo. Mais que as desejadas figurinhas raras, completar o álbum da Copa do Mundo pode trazer uma série de benefícios, especificamente para os mais novos. Afinal, na maioria das vezes, a criança repete na vida adulta gestos que aprendeu na infância. Aprender a trocar e doar, fazer novas amizades, negociar, lidar com frustração e, principalmente, ter paciência, são coisas que a Geração Z tem que lidar até encontrar todas as figurinhas.
Para completar o álbum deste ano, são necessárias 670 figurinhas distintas. Até por isso, requer tempo para que o objetivo seja concretizado. Ademais, como os cromos não são gratuitos, o fanático precisa comprar pacotes, além de trocar as repetidas, no intuito de achar os jogadores desejados. Especialmente no caso das crianças e adolescentes, isso se torna um exercício de paciência, que de acordo com o psicólogo especialista em orientação parental e atendimento de crianças, jovens e adultos, Filipe Colombini, pode ser benéfico para potencializar o desenvolvimento de habilidades sociais.
“O objetivo final é completar o álbum. Porém, para isso é necessário todo um processo. Isso é importante para inserir noções importantes para seu filho, como a paciência e a autorregulação. Além disso, fazer essa coleção também ajuda a criança a lidar com algumas frustrações, potencializando a inteligência emocional e outras capacidades importantes no desenvolvimento”, afirmou Colombini.
Interação entre as gerações
Nos shoppings centers, diariamente é possível ver centenas de crianças, jovens e até adultos interagindo durante as trocas de figurinhas. O ato de colecionar é capaz de aproximar grupos diferentes e construir laços de amizades em volta de um objetivo comum. Esses encontros, de acordo com Colombini, é de extrema importância para que os jovens possam aprender a ter mais convívio pessoal.
"Essas trocas também juntam pessoas que talvez nem se conhecessem em outras ocasiões. Isso é importante para ampliar as turmas de convívio social, o que ajuda a desenvolver habilidades sociais e garante mais oportunidades de lazer e diversão para o filho", explicou o especialista.
Senso de pertencimento
Em um mundo cada vez mais tecnológico, onde jovens e adultos estão conectados nas redes sociais, o resgate de tradições acaba sendo de bom grado. Principalmente para a geração mais nova, que vê o senso de pertencimento ser estimulado. É o que enfatiza a socióloga Maria Luiza Silva, formada em Ciência Sociais pela Universidade de Pernambuco (UPE) e professora da rede estadual de ensino.
"Na sociedade, há uma tendência de resgate aos costumes que promovem a sensação de pertencimento. Isso transcende gerações, o que justifica o fato de adultos e crianças manterem esta tradição do álbum de figurinhas, que são uma marca do 'ser brasileiro'. Para os adultos, a sensação é nostálgica, e para as crianças é algo que estímula a socialização face a face neste mundo cada vez mais digital", detalhou.
"A depender da idade, considerando também que passamos por uma fase da pandemia em que a socialização foi comprometida, realmente está sendo uma oportunidade inédita de crianças socializarem e criarem esse sentimento de pertencimento", completou.