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Esportes

Clube-empresa: complexo e sem convergência

Consolidado na Europa, modelo promete revolucionar estrutura do futebol brasileiro, mas apresenta desafios. Clubes locais pregam cautela

Dirigentes mostram cautela: "Temos de ter cuidado"Dirigentes mostram cautela: "Temos de ter cuidado" - Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

Revolução: uma mudança abrupta no poder político ou na organização estrutural, ocasionando alterações profundas na sociedade. Talvez esse seja o melhor termo para caracterizar o que pode acontecer em breve com o futebol brasileiro. Tudo por conta da possibilidade de o modelo “clube-empresa”, comum na Europa, ser adotado no País. Dois projetos de lei sobre o assunto já tramitam no Congresso Nacional, mas são outros dois novos que estão capitaneando o debate. No lugar da associação sem fins lucrativos, as instituições virariam sociedades anônimas ou limitadas. Uma complexa empreitada ainda sem convergência entre todas as partes.

O assunto ganhou força em julho deste ano, durante visita do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na apresentação da técnica Pia Sundhage como nova comandante da seleção brasileira feminina. Na ocasião, o parlamentar conversou com dirigentes sobre o Projeto de Lei 5082/16, ou “Lei das SAF - Sociedade Anônima do Futebol”, do deputado federal Otavio Leite (PSDB), que visa obrigar que os clubes de futebol se tornem sociedades anônimas. Há também outra PL, a 68/2017, ou 'Lei Geral do Esporte', que tramita no Senado Federal desde março de 2017 e busca regulamentar o modelo em todos os esportes. A meta, de acordo com Maia, é ajudar na diminuição do passivo das agremiações e estimular o investimento de capital privado.

Nos últimos meses, dois novos modelos foram propostos. O primeiro, ainda em fase de finalização, é do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). Diferente da PL 68/2017, esse foca apenas no futebol. Os clubes passariam a pagar impostos - atualmente eles são isentos do pagamento de Confins, Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CLSS), PIS e Imposto de Renda (IR). Em compensação, poderiam renegociar as dívidas trabalhistas com desconto superior ao dado pelo Profut. As agremiações deverão pagar antecipadamente cinco parcelas, equivalentes a 15% da dívida consolidada por meio do refinanciamento e poderão transferir todos os débitos da associação para a empresa. As instituições terão todos os bloqueios e penhoras suspensos por seis meses.

O segundo é do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Enquanto a PL de Pedro Paulo pretende estimular a migração dos clubes para a sociedade anônima convencional, como de qualquer empresa, a de Pacheco cita a criação de uma estrutura societária específica para o futebol (SAF). O texto não prevê refinanciamento de dívidas com o Governo Federal. A SAF proíbe que o mesmo investidor tenha participação em mais de um clube-empresa, evitando conflitos de interesse. Sobre a cobrança de impostos, a ideia é criar um período de transição tributária. Os clubes-empresas perderiam a isenção gradativamente, com tempo para organizar as contas.

A Folha de Pernambuco ouviu representantes dos três clubes do Estado sobre o assunto. O presidente do Sport, Milton Bivar, preferiu não opinar sobre o tema. "O que eu falar agora pode ser precipitado", citou. "O sonho de qualquer clube brasileiro é receber investimento externo para competir de igual para igual com os grandes times do País. Mas temos de ter cuidado, pois estamos falando de clubes com passíveis gigantescos. Isso não quer dizer que não podemos já, de imediato, ir implementando os processos administrativos de maneira empresarial, como tem acontecido no Náutico”, afirmou o presidente do Timbu, Edno Melo. “Antes de virar clube-empresa, a instituição precisa se reestruturar. No Santa Cruz, por exemplo, estamos organizando o Centro de Treinamento e resolvendo passivos para ajudar nas contas do clube”, apontou o Executivo de futebol coral, Nei Pandolfo.

De acordo com o coordenador acadêmico do Programa Executivo FGV/FIFA/CIES em Gestão do Esporte, Pedro Trengrouse, o modelo clube-empresa pode ajudar na geração de empregos no Brasil. “O futebol pode trazer mais renda aos brasileiros, saindo de 300 mil vagas de trabalho para quase três milhões. O patrimônio dos sócios está em jogo e esse é o maior incentivo para eficiência. Associações civis sem fins lucrativos não possuem nenhum instrumento jurídico para receber investimento. Além disso, há dificuldade no planejamento de médio e longo prazo porque existem eleições periódicas e os compromissos da gestão anterior muitas vezes são descumpridos. Se o gestor de uma empresa não vai bem, demite-se. Se o presidente de um clube não vai bem, é preciso esperar anos para trocar”, argumentou.

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ENTENDA O MODELO CLUBE-EMPRESA

PROJETOS DE LEI EM DESTAQUE:
Sociedade Anônima do Futebol - Senado Federal
Autoria: Senador Rodrigo Pacheco (DEM-RJ)
Principais propostas:
- Criação de modelo societário específico, a SAF. A escolha é facultativa e a proposta não inclui plano de refinanciamento de dívida.
- Transição tributária, com graduação de cobrança de impostos e proibição de um mesmo investidor em mais de um clube-empresa.
Projeto Clube-empresa (em elaboração) - Câmara dos Deputados

Autoria: Deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ)
Principais propostas:

- Dívidas fiscais não poderão ser incluídas em processos de recuperação judicial.
- Clubes poderão transferir todas as suas dívidas da associação para a empresa. Instituições terão todos os bloqueios e penhoras suspensos por seis meses.
- Atletas com salários acima de R$ 10 mil poderão assinar um contrato sem que tenha direitos trabalhistas garantidos pelo clube.
- Fim da isenção de impostos como Confins, Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CLSS), PIS e Imposto de Renda (IR), contando ainda com a duplicação do mecanismo de solidariedade.

Modelo clube-empresa

Não há um dono, embora exista a figura do presidente, escolhido por conselheiros e sócios. No clube-empresa, a instituição teria um Conselho de Administração e CEO. Clube permaneceria com o mandatário do Executivo, mas o CEO, apoiado por dirigentes remunerados, ficaria responsável pelo futebol.

Vantagens:
- Recuperação judicial;
- Refinanciamento de dívidas;
- Captação de investidores privados nacionais/estrangeiros;
- Folha de pagamento menos onerosa;
Desvantagens
- Pagamentos de impostos;
- Fim da independência do Executivo e associados envolvendo decisões no futebol;
- Atletas poderão ter salários menores, saindo do regime de CLT;

Como funciona na Europa:

Alemanha e Itália


Na Alemanha, as associações precisam ter pelo menos 50% mais um das ações. Porém, há algumas exceções. Casos da companhia farmacêutica Bayer, que criou o Bayer Leverkusen, e da Volkswagen, dona do Wolfsburg. A Red Bull fundou o RB Leipzig. O Bayern de Munique é dono de 75% de suas ações. O restante é dividido de forma igualitária para Adidas, Allianz e Audi. Na Itália, o Milan estava nas mãos do empresário chinês Li Yonghong e hoje está à venda. A Juventus, desde sua fundação, pertence à família Agnelli, uma das mais ricas do país.


Inglaterra e França

Para ter um clube na Inglaterra, a empresa precisa possuir acionista que anteriormente foi diretor de futebol e não ter declarado falência em empresas anteriores. No total, 25 instituições são de propriedade estrangeira no futebol inglês.
O Manchester City, por exemplo, se tornou uma potência mundial após ser comprado pelo fundo de investimentos Abu Dhabi United. Na França, desde 2004, após a Lei Bosman, os clubes passaram de associações sem fins lucrativos para sociedades anônimas. O Paris Saint-Germain, por exemplo, vendeu 70% de suas ações por 50 milhões de euros para a Qatar Airways.

Espanha e Portugal

A criação da 'Lei do Esporte' na Espanha, em 1990, impôs que todos os clubes virassem sociedades anônimas. O Atlético de Madrid, por exemplo, vendeu parte de suas ações para o conglomerado chinês Wanda Group, responsável por financiar o estádio. No futebol português, as associações civis continuam a ser donas marjoritárias dos clubes, mas passaram a vender participações na estrutura societária para empresas no modelo de Sociedade Anônima Desportiva (SAD).

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