Clubes brasileiros dominam a Libertadores, mas crise pode ser uma ameaça à hegemonia
Nas últimas dez edições do torneio, brasileiros conquistaram seis títulos
Os clubes brasileiros conquistaram seis das últimas dez Libertadores - Palmeiras e Flamengo são as faces mais recentes desse domínio - mas uma das causas de sua hegemonia pode ser, ao mesmo tempo, sua queda: o dinheiro.
Embora as vitórias do Brasil não surpreendam, desde que Pelé e sua corte, no final dos anos 50 e início dos 60, conquistaram seu lugar no Olimpo, a recente força dos brasileiros na Libertadores, cuja fase de grupos começa nesta terça-feira, só parece ameaçada pelo River Plate de Marcelo Gallardo.
Nas últimas dez edições do torneio os brasileiros conquistaram seis títulos - com times diferentes - contra três obtidos pelos argentinos (dois do River) e um pelos colombianos.
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O Flamengo em 2019 e o Palmeiras em 2020 garantiram o 'bicampeonato' para o Brasil, que neste século abalou o domínio histórico dos clubes argentinos.
As razões que podem explicar a supremacia são variadas: uma liga muito competitiva, semelhante à Premier League, na qual um grande número de candidatos luta temporada após temporada pelo título; matéria-prima privilegiada e renda acima de seus rivais continentais.
"Hoje os clubes brasileiros têm maior potencial de investimento financeiro do que seus vizinhos, eles podem até contratar jogadores de outros times sul-americanos", disse o comentarista da ESPN Leonardo Bertozzi à AFP.
"As diferenças nos valores dos direitos de transmissão da liga brasileira em relação a outros torneios sul-americanos ajudam a acentuar essas diferenças, além dos contratos de marketing e publicidade", acrescenta.
Em 2019, a televisão distribuiu 1,052 bilhão de reais (253 milhões de dólares pelo câmbio médio daquele ano) aos clubes da primeira divisão no Brasil, segundo o portal Globo Esporte. Na Argentina, nesse mesmo ano, foram entregues quase 91 milhões de dólares, segundo o jornal La Nación.
A isso se soma o fato que os brasileiros têm mais participantes na Libertadores (sete para a edição de 2021: Palmeiras, Flamengo, Fluminense, São Paulo, Internacional, Atlético Mineiro e Santos) e na Copa Sul-Americana, que pagam 229 milhões de dólares em premiação.
Talento abundante
Apesar da queda do real frente ao dólar no ano passado, a receita milionária permite aos brasileiros contratar e até manter jogadores de nível internacional como o paraguaio Gustavo Gómez, o uruguaio Giorgian de Arrascaeta, o chileno Mauricio Isla e o peruano Paolo Guerrero, destaques de suas respectivas seleções, ou ultimamente o ex-astro do River, Ignacio 'Nacho' Fernández, pelo Atlético Mineiro.
Também atraem treinadores renomados que tendem a atualizar o futebol e a levá-lo a níveis mais competitivos. Depois de trabalhar no Brasil, os argentinos Eduardo Coudet e Jorge Sampaoli voaram rumo à Europa. O mesmo aconteceu com o português Jorge Jesus.
"Graças [ao fator monetário] bons técnicos podem ser importados", aponta Bertozzi. Jesus, com o Flamengo, e seu compatriota Abel Ferreira, com o Palmeiras, são os últimos campeões da Libertadores. E o técnico argentino Hernán Crespo, último vencedor da Copa Sul-Americana com o modesto Defensa y Justicia, também migrou para o Brasil - onde foi contratado pelo São Paulo.
Além da 'matéria-prima' tirada de outros países há também as categorias de base, que além de contribuírem com talentos, também são fontes consideráveis de receita. No ano passado, com um mercado tímido por conta da pandemia, o Benfica pagou 28 milhões de euros ao Grêmio por Everton e 18 milhões ao Corinthians por Pedrinho.
O Brasil (2.742) é o país que mais exporta jogadores, seguido da Argentina (2.330) e da França (1.740), segundo relatório publicado em maio de 2020 pelo Observatório do Futebol CIES.
Dívidas milionárias
As categorias de base são um salva-vidas para muitos, como o Santos, vice-campeão da Libertadores, mergulhado em dívidas e sem a permissão de contratar jogadores devido a uma proibição imposta pela Fifa.
Alimentado pelos 'Meninos da Vila', base de onde saíram Pelé e Neymar, o Peixe é um exemplo do paradoxo vivido por muitos clubes brasileiros: sucessos em campo, problemas nos escritórios.
O Santos não pagou pelo passe do venezuelano Yeferson Soteldo ao Huachipato do Chile e por isso não pode contratar jogadores. Outras equipes brasileiras passaram pela mesma experiência, ganhando reputação de maus pagadores a jogadores e elenco, e diminuindo seu desempenho em campo.
A pandemia atingiu a todos, com menos contundência para Palmeiras ou Flamengo, mas aprofundou os problemas daqueles que caminhavam pelo mau caminho. O coronavírus acabou com a receita de bilheteria e afugentou alguns patrocinadores.
As dívidas de alguns - como Inter e Atlético Mineiro - se aproximam de um bilhão de reais, segundo o jornal O Estado de São Paulo.
"O futebol, o Brasil e o mundo devem mudar depois da pandemia. Quase todo mundo vai ficar mais pobre e haverá novas regras. Equipes com dívidas grandes, mesmo bastante populares (...), terão muito mais dificuldades de se reerguer", adverte Tostão, campeão do mundo na Copa do México-1970, no jornal Folha de S.Paulo.