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Da ‘quebrada’ para o mundo: Ítalo Henrique relembra trajetória no futebol e história de vida

Garoto de 21 anos foi integrado ao elenco profissional do Santa Cruz no ano passado, quando o clube era comandado por Leston Júnior e, hoje, procura se firmar entre os onze em campo

Ítalo Henrique, volante do Santa CruzÍtalo Henrique, volante do Santa Cruz - Foto: Rodrigo Baltar/Santa Cruz FC

“Sou mais um favelado que vai conquistar o mundo. Vou ser para minha mãe motivo de tanto orgulho”, o trecho é parte da música Chave de Ouro, de MC Neguinho do Kaxeta, e é um dos versos simples que poeticamente representa o desejo do volante do Santa Cruz, Ítalo Henrique, de um dia "saltar fronteiras" e ganhar o mundo através do futebol.

Humilde e tamanha gratidão que expressa, o jovem de 21 anos, morador do bairro da Cohab, em Olinda, contou à Folha de Pernambuco o início da trajetória no esporte, que, além de Santa Cruz, contou com passagens por Náutico, Sport e Salgueiro. A conversa estendeu-se ao período em que foi integrado ao profissional tricolor, às pedras no sapato encontradas pelo caminho e o que representa a identificação com a torcida coral, decifrada no paralelo entre a periferia e a frase muito ouvida e sentida pelos torcedores e torcedoras: "o morro vai descer".

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Tristemente, o cabeça de área é exceção no Brasil, que inúmeras vezes ao longo da história mostrou escancaradamente o tratamento com jovens pretos da periferia. A maioria igualmente sonhadora. Dentro do futebol, Ítalo aprendeu a sobreviver, junto à família, a qual um dia espera poder oferecer melhores condições de vida.

Na base: rodagem
Visando a possibilidade de voar mais alto no esporte, os 14 anos, Ítalo decidiu pendurar as chuteiras sem travas para viver novos desafios com a bola nos pés. Desta vez, no campo. Os dias de segunda, quarta e sexta, então, foram ressignificados pelos treinos no campo do Bueirão, na Torre.

"No começo, eu jogava somente quadra. Ainda não tinha jogado nenhuma vez no campo. Um amigo meu da comunidade, me convidou para jogar onde ele treinava, na escolinha da Torre de Arnaldo, no campo do Bueirão. Eu era muito novo ainda, primeira vez que ia para o campo, fiquei um pouco perdido, mas depois graças a Deus me adaptei. Foi Arnaldo que me lançou para o mundo do futebol, ele me ajudou bastante e me incentivou. No começo minha família não acreditava muito, mas eles abriram os olhos e viram que tem um talento dentro de mim", revela.

Quem vê a pouca idade que tem nem imagina por onde já andou o garoto da Cohab, ainda no juvenil. Passagens por Vasco, Internacional, Náutico, Sport, no próprio Santa Cruz, Salgueiro e Atlético Potiguar preenchem parte do currículo do volante.

O garoto passou pelo Timbu em 2013, mas foi dispensado sem delongas. No ano seguinte, recebeu oportunidade no Leão da Praça da Bandeira, mas por motivos financeiros não conseguiu fazer o teste cardiológico e parou de ir aos treinos. Foi justamente em 2014 que Ítalo plantou sua primeira semente no Arruda. A passagem foi rápida, mas as idas e vindas do futebol saberiam guardar com sobriedade o momento certo para o reencontro com o José do Rego Maciel, quatro anos depois.

"Apareceu a oportunidade de jogar no Santa Cruz. Cheguei bem na base, na época Dutra era o treinador (do sub-20 e sub-23). Ele me deu oportunidade e as coisas deram certo. Fui evoluindo cada vez mais, ganhando confiança, assumindo minhas responsabilidades", contou. Em 2018, Ítalo disputou 19 jogos com a camisa do Santa, entre o Campeonato Pernambucano e Copa do Nordeste sub-20.

Ano do triunfo...para o menino da Cohab
No ano seguinte, foi a vez de estrear pelo time profissional. Na ocasião, o Tricolor passava por momento delicado e isso somado a mais um ano que viria disputando a Série C, após ter caído ante o Operário/PR, no mata-mata do ano anterior. Contudo, os trilhos da caminhada do vestiário até o túnel junto à equipe profissional, chegaram ao volante, que disputou 18 partidas e fez, até então, um dos jogos mais importantes da curta carreira, contra o Fluminense, pela quarta fase da Copa do Brasil.

"As portas se abriram, passei um ano maravilhoso, com Leston (Júnior) me dando oportunidade. Fui muito feliz e ainda sou. Grato por tudo. Claro que são muitas dificuldades, minha família é humilde. Mas creio que as coisas irão mudar”, exclamou confiante. Ainda sem grandes oportunidades com Itamar Schulle em 2020, são cinco jogos disputados. Mesmo assim, Ítalo segue atento, treinando em casa temporariamente por conta da pandemia do novo coronavírus. Por isso, o pedido é simples e direto.

“Estou feliz no clube, sou o tipo de pessoa que carrega sempre a gratidão. Espero voltar a jogar e a estar sempre entre os onze, minha maior vontade no momento é essa. Só espero que essa pandemia passe logo para eu poder voltar aos treinos no Arruda, à minha rotina e voltar a fazer o que eu mais amo, e, se Deus quiser, fazer um golzinho para dar alegria a essa torcida".

“É coisa de comunidade mesmo: o morro vai descer”
Ao longo da vida, os percalços foram muitos. Dentro de casa, ao lado de sua mãe, Patrícia dos Santos, “se virar” para melhorar a situação financeira da família era quase decreto assinado por ambos. Hoje, aproveitando o tempo livre na quarentena, e num cenário diferente do que já viveu, o garoto ajuda a mãe fazendo a entrega dos lanches vendidos na lanchonete dela, na Cohab. “Meu maior sonho é dar uma vida melhor para minha mãe e para toda a minha família e, junto a isso, crescer no futebol”, dispara.

Por ser cria da favela, Ítalo recorda de momentos desestruturantes, mas que acabaram servindo de impulso e crescimento na vida. "Já recebi muitas críticas de pessoas que diziam que eu não iria chegar, que não era para as pessoas apostarem em mim, dizendo que estavam jogando dinheiro fora apostando em mim. Em relação a eu ser da "quebrada" (morador de favela), claro que tem muitas pessoas que olham de outra forma, mas estou limpo desse tipo de coisa. Eu faço o meu, eu faço o bem, ajudo as pessoas que me deram todo o suporte, pessoas que precisam também. E não desejo mal nenhum a essas pessoas que fazem isso".

Dentro de campo, ouvindo a mistura de sons que ecoam das arquibancadas, a sensação é de pertencimento, afinal, assim como a Cohab, o Arruda se transformou em sinônimo de casa para ele. Local de espelho, onde vários Ítalos se reconhecem em suas dores, angústias e alegrias.

“É uma sensação muita boa ver seus parceiros indo para o jogo e falando essas coisas. Tirando dinheiro de onde nem tem, às vezes, para comprar ingresso e assistir o jogo. Depois, as pessoas tirando foto, chamando, elogiando a gente...isso é muito gratificante para mim, eu fico muito orgulhoso. É coisa de comunidade mesmo: o morro vai descer e fazer aquela festa bonita, que a torcida sempre faz na arquibancada”.

Até que a volta do futebol seja autorizada em Pernambuco, Ítalo Henrique alimenta o desejo de fincar sua raiz, na alma e por onde quer que uma dia passe. “Quero levar minha comunidade sempre comigo. Quero representar minha comunidade no mundo”.

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