Dacio Campos reencontra o tênis após drama com álcool e internação
Assim como fez durante os 23 anos em que comentou tênis na televisão, Dacio Campos, 56, recorre a figuras de linguagem para falar sobre os conturbados últimos anos de sua vida e o processo de recuperação da dependência química em que se encontra atualmente. "A pior coisa que aconteceu para mim foi essa doença, mas hoje eu vejo como algo muito positivo. Se não tivesse acontecido, eu não teria visto como era feio, arrogante, egocêntrico. Precisei fazer uma regressão praticamente até o ventre da minha mãe para me autoanalisar e renascer como um ser humano melhor", ele diz em entrevista à reportagem.
Desde 2017, quando deixou o canal SporTV, as únicas informações públicas a seu respeito eram referentes a um processo que investiga desvios de cerca de R$ 400 mil em recursos públicos na organização de um torneio realizado em São Paulo em 2011. Ele e o ex-presidente da Confederação Brasileira de Tênis, Jorge Lacerda, foram condenados em primeira instância em dezembro de 2018. O recurso ainda não foi julgado em segunda instância. "Sou inocente e acredito na Justiça", afirma o ex-jogador profissional, que chegou à 82ª posição do ranking de duplas.
No fim de agosto, Dacio voltou a ser notícia ao relatar pela primeira vez, em entrevista ao podcast do jornalista José Nilton Dalcim no site TenisBrasil, os problemas relacionados à dependência química. "Eu desconhecia completamente, como todo adicto desconhece, o que era a adicção. A doença é progressiva, incurável e fatal. Com o passar do tempo, a minha compulsividade e a minha obsessão foram se acentuando. Você é crítico demais, não tem sentimento, e tudo isso vai ampliando um buraco muito grande no peito. O que você faz? Tapa com uma película, que no caso são o álcool e as drogas", descreve.
Após sair do SporTV e passar mais algum tempo em São Paulo tentando dar aulas, ele decidiu se mudar para Portugal, onde mora com uma de suas duas filhas e também tem amigos. Mais tarde, reconheceu que já estava "completamente possuído pela doença" e que buscava fugir de si mesmo ao ir para lá, mas essa ficha ainda levou algum tempo para cair.
A dependência se acentuou no período em que viveu na região do Algarve. Segundo seu relato, "bebia o dia inteiro". Ele também usou drogas ilícitas, como maconha e cocaína, mas conta que a maior compulsão era mesmo o álcool. Sem nenhum controle sobre a própria vida, chegou a dormir na rua e conheceu o tão falado fundo do poço.
"Eu sofria muito, dói demais. A pior dor que tem no mundo é a dor na alma que a doença causa. Você tem ideia suicida. Para ter uma ideia, eu não conseguia amar minha filha. Você não ama ninguém. Seu egocentrismo faz você fazer qualquer coisa, e foda-se se for prejudicar os outros. O sentimento vai para o saco." Dacio atribui à espiritualidade, independentemente de religião, grande parte do processo de recuperação, incluindo o fato de ter conseguido pedir ajuda para sua irmã, Luciana, justamente no momento em que a família debatia que medidas tomar diante do seu estado.
"Eles já tinham feito uma reunião e não sabiam como iam convencer o arrogante, prepotente, presunçoso, que sabe tudo, de que ele teria que se internar. E por coincidência eu pedi pra me internar. Aí já começa a ação do poder superior. Não era mais eu." O comentarista voltou a São Paulo em 20 de dezembro de 2019 e entrou numa clínica de reabilitação no dia seguinte. Conseguiu deixá-la há cerca de 60 dias, após um processo também doloroso em que levou três meses só para se ver livre da compulsão. "Eu queria morrer, porque a autoestima vai lá para baixo. Você tem alucinação", relata.
Morando junto com a mãe atualmente, Dacio aos poucos se reencontra com o tênis. Seja em quadra, batendo bola, ou gravando comentários para as redes sociais do TenisBrasil nas últimas semanas, durante o US Open. A experiência o fez se reencontrar com aquilo que foi sua vida durante mais de duas décadas. O ex-profissional do SporTV diz guardar praticamente só lembranças positivas do tempo em que esteve no canal –a não renovação do contrato em 2017, na sua visão, se deve a uma soma de fatores que envolvem a dependência e também o processo judicial.
Ele se orgulha de ter ajudado a popularizar o esporte no país durante a era Guga e nos anos seguintes, dominados principalmente por Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic no masculino. Seu estilo de analisar ficou famoso pelas hipérboles e metáforas, além dos apelidos que dava para os tenistas. O favorito, responde sem pensar, é o de leão da montanha criado para Federer. A inspiração foi a agilidade característica do animal, mascote da universidade de Houston, onde o brasileiro estudou e jogou o circuito universitário dos EUA.
"Acho o maior barato. Esses apelidos foram criados justamente para poder levar o tênis, um esporte complicado, cheio de termos em inglês, para os botequins. Se não o cara vai falar o que, 'slice', no boteco?". O comentário de que mais se arrepende também só poderia ser um. Em 2016, durante o Masters 1.000 de Monte Carlo, ele começou a elogiar a beleza dos espectadores do torneio em Monaco e emendou: "Preservemos os ricos. Através deles que haverá mais chances de o pobre ser menos pobre. Vai haver mais oportunidades, e isso vem dos ricos, que vão investir mais, e assim os pobres podem ingressar uma classe média [...] Viva os ricos".
Na época, ele ainda tentou se justificar, mas hoje não tem dúvidas de que errou. "Meti mal demais. Perdi uma grande oportunidade de calar a boca. Me arrependo demais por isso, peço desculpas, totalmente desnecessário um comentário daquele", declara. Dacio diz que nunca usou álcool ou drogas antes de entrar no ar, mas que ao refletir sobre momentos como esse percebe o quanto já estava alterado naquela época. "Você não está louco só quando está sob o efeito da substância, então certamente esse comentário já é parte de um sintoma de quem estava perdendo a sanidade."
Os vídeos que fez durante o US Open tiveram recepção majoritariamente positiva do público que se manifestou nas postagens. Isso o anima, claro, mas sem euforia. "Eu preciso tomar cuidado, porque a minha doença é a doença do orgulho, do ego. Então tenho que orar muito, meditar muito, porque além disso massagear o ego, as pessoas começam a ver você como um herói", pondera. Em mais uma analogia animal, ele afirma que precisa manter a compulsão do tamanho de um pinscher, para que ela não vire um rottweiler e o engula. "Lido com a minha doença o dia inteiro. Ela quer entrar, é ardilosa".
Dacio conta que vem cumprindo os 12 passos previstos para recuperação, incluindo o de se desculpar com as pessoas a quem causou danos, e agora se vê em missão no último deles: "transmitir a mensagem ao adicto que ainda sofre".
Além de dar entrevistas, algo que considera importante para fazer sua história chegar a quem precisa, o comentarista está organizando discursos sobre o que passou e pretende compartilhá-los principalmente com empresas e estudantes do ensino médio.
Ele também tem o plano de voltar a dar aulas de tênis e ajudar quem está dentro das clínicas de reabilitação, mas sairá delas sem amparo ou renda para se reinserir na sociedade. "Sai dali e faz o que, brother? 90% das pessoas perderam tudo. Quero montar um sistema em que eu possa conseguir bolsa para os adictos na clínica. Muitos saem no meio do tratamento, porque o plano não paga e é caro pra cacete. Se ele sair dali e tiver um lugar para trabalhar, vai se sentir amparado", afirma, citando que está à disposição para conversar com quem precise por meio do seu perfil daciocampos_ no Instagram.
Ao mesmo tempo em que faz grandes planos, ele logo se cobra para manter os pé nos chão. "Preciso fazer as coisas devagar, porque minha doença é obsessiva e compulsiva. Se deixar, já vou querer ter 15 quadras de tênis, com 18 professores. Meu tratamento é estar com a cabeça no lugar onde eu estou. Sentir o gosto da água, ouvir o passarinho, bater uma bola com a cabeça ali, não no que eu vou fazer depois de amanhã."