Decisão da tenista Ashleigh Barty aponta novo paradigma no esporte de alto rendimento
As 120 semanas no topo, os 15 títulos de simples e os US$ 23,8 milhões (cerca de R$115 milhões) foram suficientes para a jovem
O anúncio da aposentadoria da tenista número 1 do mundo, a australiana Ashleigh Barty, de apenas 25 anos, pegou o mundo do esporte de surpresa. Dona de três Grand Slams, sendo o último em janeiro no Australian Open, a atleta decidiu encerrar a carreira no auge e seguir novos desafios.
As 120 semanas no topo, os 15 títulos de simples e os US$ 23,8 milhões (cerca de R$115 milhões) foram suficientes para a jovem que corre o circuito desde a adolescência.
“Houve uma mudança de perspectiva na segunda fase da minha carreira de que minha felicidade não dependia dos resultados e o sucesso para mim é saber que dei absolutamente tudo, tudo o que posso”, disse Barty na mensagem de vídeo divulgada na terça-feira com sua amiga e ex-parceira de duplas Casey Dellacqua. “Estou realizada. Eu estou feliz.”
Antes da decisão de agora, Barty já havia se afastado do tênis profissional em duas oportunidades. Ainda adolescente, quando já era uma das melhores duplas aos 17 anos, ela fez uma pausa de 17 meses por estar deprimida e cansada das viagens e da pressão. Chegou a jogar críquete profissionalmente. Durante a pandemia, ela também deu um tempo por quase um ano.
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A postura de Barty conversa com outras atletas contemporâneas a ela e indica uma mudança de paradigmas na sociedade. A multi campeã da ginástica Simone Biles, de 26 anos, que decidiu não competir em quase todas as provas em Tóquio no ano passado, disse em entrevistas que só continuaria no esporte se tudo o que o envolve ainda fizesse sentido para ela.
No início deste ano, a ex-número 1 do mundo do tênis Naomi Osaka, de 24 anos, retornou às quadras, em Melbourne, após uma parada de quatro meses depois de ser eliminada no US Open e se recusar a dar entrevistas pós-jogo. A japonesa, no seu discurso de retorno, afirmou que seus principais objetivos em 2022 são redescobrir seu amor pelo tênis e não focar em resultados e rankings.
— As pessoas estão se aproximando mais delas, investindo mais no que é importante para elas, cuidando mais de si. Não só esse modelo do alto rendimento, mas o sistema geral da sociedade, tira das pessoas todo o seu tempo, exige entrega total, sem balanço entre vida e trabalho. É algo maior que também circunscreve o esporte — analisa a psicóloga do COB, Aline Wolff.
A psicóloga aponta a nova geração como protagonista na mudança. No esporte de alto rendimento, o atleta tem uma vida repleta de estressores desde muito cedo — algumas modalidades mais que outras — que não é sustentável.
O ideal do atleta que respira esporte 24 horas por dia, com ritmo de treino incessante e sem outros objetivos de vida já é visto como algo ultrapassado.
— Essa geração está mais ligada sim no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, com a saúde mental. As grandes empresas já estão trabalhando nisso e o esporte precisa estar ligado também a um conceito de performance sustentável, de um ambiente mais seguro e promotor de resiliência. Aquilo que chamamos de foco só no esporte, não é foco, é desequilíbrio — acrescenta Aline, que trabalha com a equipe brasileira de ginástica.
Esse novo olhar sobre o alto rendimento não compromete o resultado. Pelo contrário, na opinião de Aline, o indivíduo mais inteiro e feliz, com outros objetivos, vai render mais também:
— Esses dias ouvi uma atleta olímpica dizer: “Não consigo pensar em convencer um jovem hoje a entrar no alto rendimento” . Isso está errado. Se o atleta olímpico tem essa visão é porque tem algo errado na estrutura.