Em entrevista à Folha, Carol Santiago projeta Paris 2024: "Acho que vem muita coisa boa ainda"
Nadadora, que conquistou três ouros em Tóquio, retrata sentimento de ouvir hino nacional no topo do pódio: "maior emoção que eu tive na minha vida"
Do mar brasileiro às piscinas japonesas, as braçadas da caruaruense Maria Carolina Santiago contagiaram o torcedor nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020. Estreante na maior competição do paradesporto do planeta, a nadadora de 36 anos tornou-se a principal medalhista dos 259 atletas que compuseram a delegação brasileira, sendo a primeira nadadora a conquistar três ouros em uma única edição da competição.
Carol tem síndrome de Morning Glory, uma rara anomalia congênita que causa perda unilateral ou, em casos ainda mais raros, bilateral da visão. Enxergando apenas vultos com o olho esquerdo e sem visão periférica no direito, apenas focal, a medalhista competiu nas classes S12 e S13, reservada para atletas com pouca ou nenhuma visão.
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Subiu ao pódio em cinco oportunidades, tendo alcançado o topo em três delas. Seus ouros vieram nos 50m livre, 100m livre e 100m peito. Além desses, levou a prata no revezamento misto 4x100m livre e bronze nos 100m costa. Quebrou dois recordes paralímpicos e um jejum de quase duas décadas sem uma mulher brasileira no topo do pódio da natação.
De volta ao Brasil há alguns dias, a nadadora concedeu entrevista à Folha de Pernambuco em que aborda o sentimento de subir no lugar mais alto do pódio, sua ligação com a terra natal, início na natação, caminho até chegar na Paralimpíada e os próximos passos na carreira. Confira!
Sentimento de uma campeã
Quando eu fui campeã paralímpica nos 50m livre, perguntaram em uma entrevista: “Você sabia que faz 17 anos que uma mulher brasileira não sobe no primeiro lugar do pódio na natação?”. Eu fiquei surpresa e muito feliz, porque isso era um marco enorme para mim e abre portas para que as meninas figurem em primeiro lugar. Quando ganhamos o segundo, batemos outra meta, que foi a mulher que mais tinha ganhado medalhas de ouro em uma mesma edição de Paralimpíada.
Quando veio a terceira, foi incrível, por ter sido a prova que eu mais amo e que mais me desafia que é os 100m peito. Foi uma oportunidade de toda a comissão técnica ser premiada. Foi um trabalho excelente, tanto na preparação quanto na competição e eu fiquei extremamente agradecida a eles.
Subir ao pódio e ouvir o hino nacional tocar por conta de uma performance minha é a maior emoção que eu, como atleta, pude ter na minha vida inteira.
Ligação com a terra natal
Eu recebi mensagens de todos os cantos do Brasil, mas eu tenho que agradecer especialmente as que vieram de Pernambuco. Foram muitas e todas, sem exceção, me colocando para frente e para cima, me dizendo “você consegue”, “sua prova será muito boa”, “animou meu dia” ou até mesmo “essa medalha é de Pernambuco”.
Eu me diverti muito, acompanhei estas mensagens e me sentia cada vez mais forte à medida que lia e tiveram muitas no decorrer da competição. Recebi uma que dizia: “estava comemorando quando acordei meu vizinho, que veio brigar comigo, mas acabou se juntando a mim e torcendo por você”.
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Início na natação
Eu comecei muito cedo na natação, quando tinha mais ou menos quatro anos já nadava. Meu início teve ligação com minha síndrome, já que precisava fazer um esporte de baixo impacto e casou perfeitamente. Eu nadava no convencional, então sempre tive muita dificuldade em coisas como a aproximação das bordas, mas tirava de letra porque fazia de tudo, do meu jeito.
Tempo longe das águas
Durante toda a minha vida eu tive um acúmulo a mais de líquido na retina e por conta disso, quando tinha mais ou menos 17 anos, tive um episódio de uma cegueira temporária, acabei me afastando das piscinas e voltei vários anos depois. Sempre gostei muito de praticar esportes, era onde eu me sentia melhor. Nadar me faz feliz, então resolvi voltar por questões de saúde mesmo, e logo depois já estava competindo novamente.
Desafio em águas abertas
Essa parte foi incrível. Eu não tinha medo de nadar no mar, apesar de não ver as bóias eu sempre acompanhava algum atleta. O desafio para mim, muito mais que ganhar medalha, era sair do mar. Sempre que eu terminava uma prova eu ficava em êxtase, muito feliz. Os campeonatos nos quais eu participei eram paralelos, mais para amadores.
Início no paradesporto e estreias
Quando eu conheci o Grêmio Náutico União, que é muito forte em águas abertas e possuíam uma categoria no esporte paralímpico, tive contato com o paradesporto. Fiz a transição em 2018 e ai começaram os melhores anos da minha vida.
Eu já tinha tempos e marcas boas. Comecei a treinar no Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em São Paulo, que é onde estou até hoje. Meu clube mesmo do Rio Grande do Sul me acompanham bastante, minha técnica sempre fica me visitando, mas eu treino de verdade com Leonardo Tomasello no CPB. Como eu tinha um campo de visão muito ruim, eles se atentaram a isso tudo e me ajudaram, e assim comecei a ter acesso a coisas que poderiam me fazer nadar em alto rendimento.
Com dois recordes mundiais no Open Brasil Loterias Caixa. Conseguimos a vaga para o Parapan e o mundial, a partir daí foi excelente. Conquistamos quatro medalhas para-pan-americanas, no mundial fui campeã e conquistei a vaga para ir pra Tóquio, nos 100m nado livre.
Caminho para Tóquio
Nunca tinha competido em algo tão grande quanto o Mundial e isso foi um estresse muito grande. Percebi que iria precisar de um acompanhamento psicológico para competir em Tóquio, do jeito que eu estava não iria conseguir. Fiquei com a sensação de que eu estava muito bem preparada fisicamente, mas não psicologicamente.
Já fazia tratamentos e acompanhamentos, mas começamos a fazer um trabalho bem específico. Percebi também que eu estava precisando de um auxilio feminino por conta da variação hormonal, fazendo com que em uma semana eu nadasse de uma forma e na outra de um jeito totalmente diferente. Só descobrimos isso devido ao acompanhamento diário no comitê.
A Paralimpíada é uma competição diferente de qualquer outra coisa que a pessoa possa imaginar, é o maior evento do paradesporto. Lá, todos os atletas estarão extremamente preparados e quem lidar melhor com essa pressão psicológica vai se sair bem, e foi isso que aconteceu. Estava bem treinada e sabia o que fazer, desde o momento de espera para entrar na piscina até quando tivesse um bom resultado ou um não tão bom, isso me ajudou muito lá.
Próximos passos
Meu técnico me deu férias de um mês, para visitar Pernambuco e o Rio Grande do Sul, mas assim que a gente voltar começa a preparação para Paris 2024. Vamos nos organizar para saber qual vai ser o programa, mas com certeza todos acreditam que podemos chegar lá extremamente competitivos. Acho que vem muita coisa boa ainda.