Caratê

Dojô mais antigo de Pernambuco, Federação Kawamura resiste ao tempo

Há 55 anos na Rua do Sossego, academia de luta é um exemplo de adaptação

Dojô Fundação Kawamura é um dos mais importantes símbolos das tradições nipônicas no RecifeDojô Fundação Kawamura é um dos mais importantes símbolos das tradições nipônicas no Recife - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

É no casarão de número 107, na Rua do Sossego, no bairro da Boa Vista, que ao longo dos último 55 anos uma importante parte da história do caratê em Pernambuco vem sendo escrita. Fundado pelo japonês Hayashi Kawamura, o dojô Fundação Kawamura é um dos mais importantes símbolos das tradições nipônicas no Recife e um belo exemplo de resiliência frente às mais diferentes épocas.  

Como parte de uma política de desenvolvimento econômico nos primeiros atos da república velha, o Estado brasileiro criou programas de incentivo à vinda de imigrantes. Um dos povos que mais se fizeram presentes nesse fluxo foram os japoneses, que segundo números da Fundação Getúlio Vargas, de todos os imigrantes que desembarcaram no Brasil nos primeiros anos do século XX, cerca de 3,5% vieram do país asiático.

Ao decorrer das décadas, esses cidadãos vindos da "Terra do Sol Nascente" passaram a compor espaços importantes na sociedade brasileira e a compartilhar das culturas dos seus locais de origem. Já mais perto do fim do grande fluxo imigratório, Hayashi Kawamura chegou ao Brasil em 1960 com o objetivo de ensinar e ganhar a vida com as artes marciais. 

"Ele estudou na universidade em Tóquio. Após a conclusão do curso universitário, resolveu sair do Japão e se aventurar. Essa universidade promovia e estimulava os alunos a irem para outros países. Aí ainda era época da imigração para o Brasil, o governo que financiava as passagens de navio", começou Raul Kawamura, filho do sensei. 

"Ele chegou em São Paulo em 1960. E de lá, foi para o Rio de Janeiro tentar a sorte, mas não deu muito certo, até que recebeu um convite para ensinar judô em João Pessoa. Ele aproveitou esse convite e foi introduzir o judô lá no início dos anos 1960. E entre 1965 e 1967, veio para Recife porque aqui tinha um campo de trabalho melhor para artes marciais. Era a época que estava começando a moda do judô e do caratê", contou.  

Pandemia forçou mudanças 

Fundada em 1967, a academia de lutas é a mais antiga em atividade em Pernambuco e o sensei Hayashi passou a ser um das maiores referências locais no caratê, judô e em técnicas de defesa pessoal. Mas desde o início da pandemia da Covid-19, Raul passou a tocar o barco sem a presença do pai. 

"Meu pai já está com 88 anos, está bem cansado, mas estava assumindo a academia até a pandemia chegar. Quando tudo começou, eu tive que levar as aulas para o online e, naturalmente, passei a assumir as responsabilidades", iniciou o novo líder da Kawamura.  

"Já dou aula há 40 anos aqui, mas era meu pai que administrava. Aí nesse período de pandemia, fiquei tocando o negócio à frente, para sobreviver, e fui assumindo naturalmente". O período pandêmico foi um verdadeiro desafio para o dojô permanecer aberto, mas também foi um momento propício para mudanças. Durante os momentos mais duros do coronavírus, o dojô precisou se adaptar. 

"Foi um ano e meio sem aulas aqui, a gente fazia só no online com alguns alunos. Seguramos esse período com aulas remotas. Quando passou esse período pior, retomamos as aulas pouco a pouco. Quando liberaram as aulas, um distante do outro, com máscara, a gente estava com uma turma com cinco, dez alunos".

Já de volta a um cenário normal, o sensei afirma que o número de alunos chegou ao do período pré-pandemia. "Hoje a gente tem duas turmas, uma de iniciantes e outra de avançados, porque uma turma só não cabia mais", contou.  

Desde o início da pandemia da Covid-19, Raul passou a tocar o barco sem a presença do pai. Foto: Paullo Allmeida

Reforma do espaço 

Bem localizada na Rua do Sossego, a casa que abriga o dojô ainda conta com a fachada histórica no estilo português, mas com cores e adornos que remetem ao Japão. O período após o isolamento social se mostrou o bom momento para algumas reformas.

“O meu pai inaugurou a academia nesse endereço, em 1969, então são 55 anos aqui. Como é uma casa histórica, passou 30 anos sem passar por uma reforma. Durante a pandemia, quando a gente quase fecha as portas, nos reunimos, fizemos um esforço maior com uma reforma na parte da frente. E no mês passado, concluimos a reforma da parte de trás", detalhou. 

No final do último mês de janeiro, os integrantes do dojô reinauguraram o espaço que agora está todo completo. "Foi uma reforma profunda, mexemos em tudo. A gente fez uma inauguração simbólica do espaço, preparando o ambiente para os próximos anos ou décadas”. 

Estilo Shotokan e a receptividade do público  

O caratê é um esporte complexo e com muitas variáveis. A arte marcial conta com algumas dezenas de estilos diferentes de luta. Na Federação Kawamura se pratica o estilo Shotokan, que surgiu pelos senseis Gichin e Yoshitaka Funakoshi, há 100 anos.  

As escolas modernas de caratê contam com três didáticas de ensino das técnicas, formado por kihon, kata e kumite. "O caratê na sua origem são três partes: se divide no kata - luta simulada; o kihon, que são os fundamentos; e o kumite, que é a luta em si. A gente treina os três na mesma intensidade", detalhou Raul. 

Por muitos anos, os alunos buscavam o caratê pela veia competitiva do esporte. Mas segundo Raul, nas últimas décadas o perfil do aluno está mudando, e a procura se dando por outros motivos. "Mudou muito o perfil de aluno. Durante os anos 1970, 1980 e 1990 era muito direcionado para a competição aqui, mas mudou o perfil. Hoje se procura menos o caratê competitivo e mais como uma ferramenta de vida, treinamento como promoção de saúde", refletiu.

Mesmo com a necessidade de mudança, quem viveu os mais diferentes momentos garante que a qualidade do treinamento se manteve ao longo dos anos, como é que testemunha Fernando Brito, que há 28 anos está no dojô.

"O método de ensino, passando de pai para filho, continuou com a mesma qualidade. O Raul tenta manter a tradição, mesmo passando de uma geração mais moderna, mas ambos rezam pela mesma cartilha. Inclusive, ele está sempre fazendo intercâmbio com o Japão, trazendo qualquer coisa de renovação para nós", disse Brito, que é faixa preta quinto dan.  

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