Futebol de mesa fortalece laços familiares e vira terapia para botonistas pernambucanos
Muito além de gols e palhetas: conheça a relação de uma família com a "botãoterapia"
Febre na década de 1980, o futebol de mesa segue vivo nos dias de hoje. Apesar de não ter mais a mesma popularidade de outrora, ainda atrai remanescentes do período de glórias dos botões. Para uma família em especial, o futmesa é uma válvula de escape para a vida cotidiana. Aos 82 anos, José Luiz de Figueiredo, o Zé Luiz, seu sobrinho Geraldo de Lima, 55, e o filho dele, Felipe Macêdo, 14, descrevem suas relações com o esporte como uma botãoterapia.
A história do futebol de mesa e da família começou a se cruzar no fim dos anos 1960, passando por um grande responsável. O pai de Geraldo, com quem compartilhava do mesmo nome e era cunhado de Zé Luiz, foi um dos grandes entusiastas do futebol de mesa em Pernambuco. Competidor assíduo e até mesmo presidente da Federação Pernambucana de Futebol de Mesa, veio a falecer durante a disputa de um torneio, em 1991, vítima de paradas cardíacas.
Em vida, introduziu seu cunhado no esporte em 1968, com quem formou uma grande parceria, disputando diversos campeonatos e viajando em nome do futebol de mesa. A paixão de Zé Luiz pelos botões é indiscutível, mas a companhia de Geraldo era o que os tornava tão especiais.
“Passei muito tempo sem jogar depois que meu cunhado faleceu. Não tinha a mesma graça de antes. Eu até tentava voltar. Tentei dez anos depois e não engatei, mais cinco depois e nada. É um esporte que necessita de prática. Precisa da mão leve, que você só adquire praticando toda semana. E eu não tinha esse estímulo mais”, disse Zé.
Retorno às mesas
A reaproximação com as mesas começou em 2015, quando convidou seu sobrinho Geraldo, e o filho, Felipe, então com oito anos, para acompanhar um torneio de futebol de mesa no Arruda. O retorno da família aos botões, no entanto, acabou por não se concretizar naquela oportunidade.
Foi em 2019 que o trio passou a frequentar semanalmente a Sala Constantino Barbosa de Futmesa, palco do departamento no clube, que possui longa tradição no esporte. Praticado no Arruda desde a década de 1970, em 1986 o Santa Cruz deu um passo a mais e formou um setor específico para o futebol de mesa. Dentre os principais clubes do Nordeste, o Tricolor foi o primeiro a possuir um departamento para a modalidade.
“Foi uma satisfação muito grande contar com Geraldo (sobrinho) nesse retorno. Ele me lembra muito meu cunhado, que era como um pai, um irmão para mim”, disse Zé Luís, emocionado.
Botãoterapia
A relação dos três com o futebol de mesa ganhou um significado além dos gols, botões e palhetas. Para Felipe, conhecido como Lipe, o esporte representa uma aproximação com o pai e o tio-avô, além de uma conexão com o avô.
Considerado um grande prodígio do futmesa, Lipe utiliza botões da equipe sérvia Estrela Vermelha, usada pelo seu avô em tempos de campeonato. As peças utilizadas são uma produção moderna em relação às que eram usadas antigamente. As idas ao Arruda representam um dos seus grandes lazeres.
“No tempo livre, jogo bastante Free Fire, no computador, com meus amigos. E agora passo a noite jogando futebol de mesa, três vezes por semana. Acabou me aproximando mais de tio Zé, e unindo bastante nós três”, comentou.
Além da aproximação com a família, Geraldo encontrou no futmesa uma válvula de escape para os problemas corriqueiros do cotidiano.
“Depois que eu cruzei a porta dessa sala, não saí mais daqui. Não disputo nada (competições), não tenho nenhuma outra pretensão. É a minha terapia. Eu venho aqui e, nessa sala, me isolo do mundo lá fora. Não tem espaço para tristeza, problema, ou nada negativo. Venho às segundas, quartas e sábados, e é a minha terapia”, contou.
Já para Zé Luiz, o retorno às mesas exerceu um papel ainda mais importante. Após perder a esposa, com quem compartilhou de mais de cinco décadas de união, o apoio dos companheiros de botão e seus encontros no Arruda foram sinônimos de força.
“É uma diversão para mim. Fiquei viúvo em agosto, depois de 55 anos de casamento. O futebol de mesa significou muito para mim de lá para cá. Quando você chega aqui, esquece o mundo lá fora. Esquece de todos os aperreios.
A relação entre jogadores aqui é excelente, todos me tratam muito bem. Foram muito importantes para mim em meu momento de perda”, revelou.
A visão psicológica
Reginaldo Neto, psicólogo de 26 anos que também frequenta o futebol de mesa do Santa Cruz, esclarece o impacto que a atividade tem na vida do trio.
“O esporte possui um grande potencial para promoção de bem estar e alívio de tensões. Parte se deve ao fator fisiológico, pois a prática esportiva promove uma grande atividade cerebral, como as vias dopaminérgicas, responsáveis pela sensação de alegria e prazer. Outro fator que favorece a este aspecto do esporte, sobretudo os coletivos, são os elementos relacionais da prática”, explicou.
“O contexto esportivo favorece os processos de socialização, tal como o aspecto recreativo do ‘jogo’. No que se trata do aspecto da saúde em si, o esporte se põe como um grande aliado para a promoção e prevenção da saúde, seja ela mental ou fisiológica”, completou.