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Gabigol, Cássio... e até Pelé: por que manter idolatria é tarefa tão difícil no futebol brasileiro

Casos mais recentes, como do atacante e goleiro, não são exceção da regra no país. Exemplos demonstram que cuidado dos ídolos precisa ser atemporal para manter o respeito da torcida

Gabigol Gabigol  - Foto: Reprodução/Twitter CONMEBOL Libertadores

Qualquer relação de longa data tem suas crises. Não é diferente entre ídolos, clubes e torcida. Basta um mau momento ou alguma indisciplina para o que parecia amor eterno seja colocado em xeque.

Gabigol, do Flamengo, e Cássio, agora ex-Corinthians, que o digam. O atacante rubro-negro, idolatrado pelos gols decisivos, sobretudo os da final da Libertadores de 2019, já tinha um relacionamento estremecido com a diretoria nos últimos meses.

Azedou de vez após o vazamento da foto vestido com a camisa corintiana na quinta-feira, incluindo agora parte da torcida. O goleiro, que ganhou tudo com o clube paulista em mais de uma década, se viu no banco de reservas e decidiu partir para novos desafios — em breve, vestirá o uniforme celeste do Cruzeiro.

Ultimamente, manter a idolatria — e permanecer por anos nos clubes — tem sido mais difícil. Como reflexo da sociedade atual, o futebol também vive de relações mais volúveis, o que dificulta a manutenção de uma longa duração.

—Hoje as coisas são fluidas. Os ídolos também, assim como a torcida. O mundo hoje é feito de cliques, e a atitude do descarte anda colada no like — argumenta a professora Katia Rubio, coordenadora do grupo de estudos olímpicos da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).

Décadas atrás, até ídolos incontestáveis, que construíram carreiras longevas, tiveram seus momentos de baixa. Nem mesmo o Rei Pelé, que vestiu a camisa do Santos por 19 anos, ou Garrincha, cujo nome está intrinsecamente ligado ao Botafogo, passaram incólumes. As lesões do camisa 10 nos anos 1960 o fizeram ser contestado até mesmo na seleção brasileira, e se cogitou a hipótese de ele deixar o clube da Vila Belmiro. Já o Mané, por desavenças com a diretoria após uma cirurgia no joelho, passou meses sem entrar em campo e encerrou sua passagem pelo alvinegro de forma melancólica, sem sequer um jogo de despedida, em 1965. No ano seguinte, seguiu para o Corinthians. A idolatria, no entanto, segue intacta tanto tempo depois.

 

—Hoje é mais difícil porque o atleta passou a ser um profissional livre, que firma contratos, podendo cumpri-los até o final ou não, mediante negociação ou arcando com os custos da rescisão antecipada. Mas não só por isso. Hoje, a maior parte dos clubes tem proprietários, que precisam os financiar ou ser remunerados pelo que investiram, e mesmo entre os que não têm “dono”, já não é possível administrar os clubes como prefeituras, buscando o máximo endividamento viável. As decisões são muito mais racionais e menos passionais, e o que parece razoável para o torcedor geralmente não tem qualquer fundamento, sensatez ou responsabilidade — diz Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil.

O futebol como negócio ainda tem outro lado. É quase impossível, nos dias atuais, uma ligação construída nos moldes de antigamente, com crias fora de série das bases dos clubes, como Zico e Reinaldo (do Atlético-MG), por exemplo, tendo carreiras de mais de uma década em solo brasileiro.

—Os clubes daqui avançaram no cuidado com ex-atletas que foram vencedores nas décadas passadas, mas esse não será um problema nas próximas décadas, porque nossos clubes não terão ídolos formados por eles. Os mais qualificados sempre deixarão o Brasil quando completarem dezoito anos. Os ídolos dos clubes brasileiros serão, de agora em diante, veteranos, que regressando ao Brasil, vão conquistar títulos relevantes, como vimos com os que regressaram, por exemplo, ao Flamengo e Atlético Mineiro, recentemente, e que permaneceram por três ou quatro anos — conclui Freitas.

O ‘case’ Léo Moura
A arte da idolatria é dura de se manter no futebol brasileiro, ainda mais em tempos de redes sociais. Para além do período de clube, o pós acaba se tornando um grande desafio para os atletas que conquistaram o posto, com esforço e dedicação. No próprio Flamengo, clube envolvido com a situação de maior repercussão do momento, alguns exemplos demonstram bem a importância da preservação de imagem depois da saída.

Em 10 anos de casa, o lateral-direito Leonardo Moura marcou o seu nome na história do rubro-negro. Com duas Copas do Brasil, um Brasileiro e cinco estaduais conquistados, Léo jogou 519 vezes pelo Flamengo e se tornou o sétimo jogador da história com mais partidas pelo clube.

Ao fim do ciclo, veio a homenagem. Em maio de 2015, um amistoso do Flamengo contra o Nacional do Uruguai marcou a despedida de Léo, no Maracanã. Mais de 30 mil pessoas compareceram no estádio para dar o último adeus ao jogador.

Apesar de a despedida ter sido em clima de lua de mel, logo tudo mudou. Depois de uma rápida passagem pelo Fort Lauderdale-EUA, notícias de que ele havia acertado sua ida para o Vasco geraram muita revolta dos rubro-negros. Eurico Miranda, presidente do cruz-maltino na época, chegou a confirmar o acerto entre as partes.

Após o anúncio, o lateral desistiu do negócio. Apesar de ter voltado atrás, a ação não surtiu muito efeito e boa parte da torcida do Flamengo retirou seu status de ídolo do clube. Nove anos depois, a situação já esfriou, mas mesmo assim, a discussão sobre o posto de ídolo de Léo Moura no Flamengo ainda gera muita discordância entre os rubro-negros.

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