VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

"Ganhou um jogo e virou a melhor pessoa do Brasil?", questiona ex-mulher do tenista Thiago Wild

A influenciadora Thayane Lima, que denunciou o tenista por violência doméstica, fala sobre repercussão da campanha dele em Roland Garros e do processo criminal parado na Justiça

Thiago Seyboth WildThiago Seyboth Wild - Foto: Anne-Christine Poujoulat/AFP

A vitória histórica de Thiago Wild, número 172 do mundo, contra Daniil Medvedev, o número 2, na primeira rodada de Roland Garros, nesta terça-feira, trouxe de volta à tona uma acusação criminal contra o tenista paranaense. Em 2021, ele foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por violência doméstica.

O processo, movido pela ex-mulher, a influenciadora digital Thayane Lima, corre em segredo de Justiça. Até o momento, porém, os oficiais sequer conseguiram citá-lo, já que nas três vezes em que o procuraram em seu endereço, no Rio, não o encontraram.

Nesta quinta-feira, contra o argentino Guido Pella, ex-top 20 do mundo, Thiago voltou a vencer — são cinco triunfos consecutivos em Paris, começando com as disputas no qualificatório.

— Fiquei surpresa com tanta repercussão porque as pessoas esquecem. Ele estava melhorando no tênis e ninguém falava mais disso (processo). Eu não o acompanho, não me interessa, então nem sabia da vitória. Mas depois da forma grosseira como ele respondeu sobre o processo a um repórter alemão muita gente me procurou. Imagine como ele me tratava, se foi arrogante numa coletiva mundial? — fala Thayane, em entrevista exclusiva ao Globo, por telefone:

— Fiquei um pouco indignada, confesso. Porque à época fui muito clara e mostrei as coisas que ele fez comigo, via Instagram. Mostrei com aval da minha advogada a questão da violência psicológica e física. Mas também prints de colocações dele de cunho machista, racista e nazista. Gente, é muito absurdo. Tudo isso é "apagado" porque ele ganhou um jogo? Ele virou a melhor pessoa do Brasil? O Brasil o abraça?

A vitória de terça-feira foi a primeira de um brasileiro contra um top 5 em Roland Garros desde 2004. Thayane conta que, nas redes sociais, começaram a surgir questionamentos como: "Cadê a ex agora?".

— Gente, como assim? A vítima sou eu — diz: — O que mais me incomoda são comentários do tipo: "não interessa o que ele fez fora da quadra". Se for seguir esta lógica, vamos idolatrar o goleiro Bruno? (condenado em 2013 a 23 anos e um mês de prisão por homicídio, ocultação de cadáver, sequestro e cárcere privado da modelo Eliza Samúdio, mãe de seu filho) São crimes distintos, eu sei. Thiago não foi condenado, eu sei. Mas o processo existe e ele ainda não foi citado porque não o acham.
 

A influenciadora também questionou a Associação dos Tenistas Profissionais (ATP):

— Não entendo como a ATP permite que ele jogue. Tinha de ter alguma posição sobre isso. Até para ser motorista de aplicativo é preciso apresentar antecedentes criminais. E um dos alicerces do esporte não é ser contra a violência? Se ele foi denunciado em seu país, por que não o coloca na geladeira? Não estou falando em banimento, estou falando em esperar pelo processo.

Thayane explica que resolveu falar porque gostaria de expor sua versão dos fatos, uma vez que tem sido julgada. Ela conta que tinha uma união estável com o tenista, assinada por insistência da família dele, e que não era só uma namorada. Diz que, no início do relacionamento, que durou um ano e oito meses, ele se mudou para a casa dela. À época, segundo ela, pagava suas próprias contas, ajudava a família, tinha uma profissão e renda mensal compatível com sua vida.

— Morava de frente para a praia na Barra da Tijuca. Ele foi morar comigo porque tinha vergonha de onde os pais moravam. Eu podia pagar aquele aluguel. Mas, depois, ele quis morar em outro local com aluguel muito maior e passou a arcar com as despesas.

A influenciadora chegou a ser acusada pelo tenista de tentativa de extorsão, mas de acordo com sua advogada, Gabriele Lima, foi a família de Thiago quem a procurou. Thayane conta que lhe ofereceram uma compensação financeira quando o casal rompeu, em agosto de 2021. Ela estava disposta a aceitar, segundo conta, uma vez que havia vendido seus móveis para a mudança desejada pelo tenista e também porque parou de trabalhar por imposição dele.

— Eu não queria voltar para a casa da minha mãe. Antes do Thiago eu era totalmente independente financeiramente. Eu já viajava para fora do país, já usava roupa cara. Tudo com dinheiro do meu trabalho. Quando ele me conheceu eu já fazia campanhas no Instagram — diz ela, assegurando que nesta época já tinha mais de um milhão de seguidores na rede social (hoje são 1,2 milhão): — Nem fama, como alguns dizem, ganhei namorando ele. Perdi seguidores e fui humilhada. No fim das contas, eles me ofereceram ajuda financeira porque tinham medo que eu contasse podres do filho. Por isso, queriam que eu assinasse um acordo de confidencialidade. Não aceitei e também não falei nada.

Thayane, que hoje recebe uma pensão alimentícia do ex-marido, procurou uma advogada quando resolveu se separar e quase foi despejada do apartamento em que morava com ele. Ao processo criminal, anexou prints de conversas com o ex-marido, em que ele a ridicularizava e xingava. O conteúdo é sensível. Ele usa palavrões e conta a amigos sobre aventuras sexuais com garotas de programa, durante o período do relacionamento com Thayane. Algumas destas conversas foram expostas por ela, via redes sociais.

Ele mandava nudes para ex-namoradas, difamava Thayane, dizendo que dava vida de princesa a ela, mas que o sexo "deixava a desejar" e que por isso procurava diversão. Escolhia as fotos que queria que ela apagasse de seu perfil pessoal e dizia que era porque "mostrava as tetas". Sobre a violência física, Thayane explica: o episódio aconteceu em um restaurante, quando ele foi contrariado por causa de uma selfie. Segundo ela, Thiago "quase quebrou o seu dedo":

— Estávamos com os pais dele à mesa. Não podia fazer escândalo, então me agrediu embaixo da mesa. Uma pessoa que é capaz de quase quebrar o dedo de outra é capaz de dar um soco na cara também. Eu ia esperar a próxima agressão para me proteger? — pergunta Thayane, que pediu medida protetiva à Justiça (ainda em vigor) após briga em sua casa: — Chamava minha família de um bando de bandidos, estava descontrolado, chutando as portas. Estávamos todos no apartamento. Queria que eu saísse naquele momento dizendo que era para eu me virar. E se eu estivesse sozinha?

Hoje Thayane está nos EUA na casa de uma amiga e estuda a possibilidade de pedir asilo para se manter de forma definitiva no país.

— Acho válido o exemplo para que todas as mulheres vítimas de violência doméstica não se calem. Pois hoje a Justiça dispõe de meios para que, no mínimo, o acusado seja devidamente julgado e, caso haja provas materiais da violência, seja condenado — declarou a advogada da vítima Gabriela Amábile.

A advogada esclareceu que "após a veiculação de uma declaração do advogado do acusado, informando que o mesmo não foi encontrado pela Justiça devido a seus compromissos profissionais", ela pode comentar o caso, "uma vez que segue em segredo de Justiça".

— Nota-se a ciência de que há um processo criminal correndo, que carece de conclusão. Mas, diante do que foi veiculado, a Justiça já encontrou meios para conseguir citar o acusado.

O outro lado
O advogado de defesa de Thiago, Rafael Fabrício de Melo disse ao Globo que não há interesse da defesa em criar obstáculos para o prosseguimento do processo.

Ele explicou que, de fato, o tenista não foi encontrado pela Justiça em três oportunidades e por isso não foi citado ainda. Explicou que neste procedimento criminal, só é possível apresentar a defesa, após o primeiro ato, que é a citação do acusado, um ato pessoal. E que a não localização do acusado ocorreu, segundo ele, porque o tenista não reside mais no Rio de Janeiro.

O advogado contou que por causa da sequência profissional do tenista, "ele não tem um endereço definido no país". Por vezes está na residência da família, no interior do Paraná, por vezes na Argentina, onde tem treinado, além das participações em torneios pelo mundo.

— Não há nenhuma ocultação, nada nesse sentido. Tanto é que agora, nós, na condição de defesa, fomos intimados para indicar efetivamente onde ele pode ser localizado. Isso ocorreu no início da semana e o endereço que forneceremos à Justiça será o da família no Paraná e o da Argentina. Ele pode ser citado na Argentina, existe todo um procedimento especial previsto na legislação para isso — explicou Rafael.

Ele disse ainda que existe toda uma defesa pré-estabelecida para discussão do processo, "tanto em relação às afirmações feitas pela acusada, quanto do ponto de vista das provas apresentadas" mas que não poderia comentá-la. Tampouco as declarações de Thayane.

— O processo tramita em segredo de Justiça e nós, por opção neste momento, preferimos tratar o conteúdo nos autos. Não queremos também antecipar a nossa linha de defesa. A questão relacionada aos dois é muito mais ampla do que este processo que se enquadra na Lei Maria da Penha. Travou-se aí uma verdadeira batalha judicial e não apenas na esfera criminal — falou o advogado, que lembrou que os dois pedidos de medida protetiva pedidos por Thayane já foram arquivados, e que um dos boletins de ocorrência também:

— Existe também um inquérito policial que está em trâmite perante a polícia civil no qual Thiago é vítima, em que se apura a prática de tentativa de extorsão que ela teria praticado. Houve a afirmação: 'Já pensou se ela vai para a imprensa'. Ainda está em fase de investigação e o Ministério Público ainda não deu parecer.

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