Jovem de 15 anos, atleta do Fluminense, acusa funcionário do clube de racismo
Gabriel é nadador do clube, mas não sabe se continuará a fazer esporte na sede em Laranjeiras
Luiz Felipe Ferreira da Silva, de 44 anos, pai de Gabriel Felipe dos Santos Ferreira, de 15, acusa um segurança do Fluminense de racismo. Gabriel que é nadador do clube, federado há três anos, não sabe, inclusive, se continuará a fazer esporte na sede em Laranjeiras. Ele, especialista em provas de meio fundo (200m e 400m livre), tem medo.
O caso aconteceu na última quinta-feira. Após treinar entre 4h50 e 6h na piscina do Fluminense, Gabriel pediu aos pais para continuar no clube com os amigos e não seguir para a praia com a família.
Após um lanche, ele e a turma, que estava sob supervisão de alguns dos pais, voltaram para a piscina. Como a catraca para a identificação com impressão digital não estava funcionando, os sócios podiam seguir por uma roleta ao lado, que estava liberada.
Segundo Felipe e seu filho, por três vezes, o segurança abordou apenas Gabriel com o pedido de carteirinha. Ele estava acompanhado de outras crianças, que seguiram pela roleta sem serem questionadas. Gabriel explicou que usava a digital para passar pela catraca e que não tinha em mãos a carteirinha. Na terceira vez em que só ele foi abordado, Gabriel questionou o motivo pelo qual somente ele teria de mostrar o documento. Ouviu um "abaixa a bola aí" do segurança, branco.
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"As pessoas me olham de cima a baixo. Infelizmente eu finjo que não vejo, que é normal. Porque acontece com bastante frequência esse tipo de postura, inclusive no clube. Mas, desta vez foi muito grave, na frente de todos. Me senti constrangido", conta Gabriel, que foi perseguido pelo segurança.
Quando deixou a piscina e foi para a quadra com os amigos, o profissional foi atrás dele e pediu que ele e os amigos abrissem as mãos. Depois disso, Gabriel foi para o banheiro chorar e ligou para o pai. Felipe contou que o segurança justificou a abordagem porque achava que eles "estavam fumando maconha".
"Agora estou muito melhor, mas na hora foi meio difícil. Fiquei chateado porque ele me abordou na frente de todo mundo. Fiquei mal, chorei. Tive raiva, quis ir para casa. Meus amigos e meu irmão, que é mais claro que eu e não foi abordado, (Pietro, de 13 anos) me apoiaram. Me acalmaram. Eram mais de 20 crianças."
De lá, a família foi para a delegacia, na 9ª Delegacia de Polícia, para registrar uma queixa crime, por racismo. "Meu filho foi chorar no banheiro. Quando saiu, o segurança foi atrás dele, achando que ele se dirigia à Administração para fazer alguma reclamação. Quando Gabriel me ligou, disse que o segurança estava atrás dele no clube."
Na delegacia, nova surpresa: Felipe contou que foi mal tratado e que os policiais foram agressivos com ele e com o filho. Nervoso, o menino teve dificuldades para contar todos os episódios. Contou que o menino foi chamado para depor sem a presença dele e que o policial ficou, a todo momento, amenizando os fatos relatados por Gabriel. Por conta disso, nesta segunda-feira, a família voltou a procurar a polícia, dessa vez a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), para registrar o ocorrência novamente. Procurada, a Polícia Civil se posicionou por nota:
"O caso foi registrado na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA) para apurar crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - submeter criança ou adolescente a vexame ou constragimento. O procedimento anteriormente formalizado pela vítima na 9ª DP (Catete) será anexado ao realizado na especializada. Diligências estão em andamento para esclarecer todos os fatos. No que se refere à denúncia de maus-tratos por parte dos policiais, a 9ª DP esclarece que não procede, assim como as informações prestadas pelo adolescente, que estava na companhia do responsável legal, não configuraram crime de injúria racial".
A história ganhou repercussão por causa de uma postagem em rede social do tio "de coração" de Gabriel, André Cheble, músico do grupo de pagode Bom Gosto e integrante de grupos de ativistas.
"Ele não quer mais nadar... Mas não quero que ele perca isso, essa vontade de ser atleta. Já estou em contato com o Flamengo. Tenho um filho, o João Gabriel, que é atleta de futebol (treina futebol de campo na Cabofriense e de salão no Botafogo), tem 13 anos, e não gostaria que ele perdesse esse sonho", espera André.
Felipe contou que tenta convencer o filho a manter os treinos no Fluminense mas que também se sente inseguro. Isso porque Gabriel fica boa parte do tempo no clube, faz dois treinos e ele não pode acompanhá-lo por todo este período. Felipe é funcionário público administrativo da Vigilancia Sanitaria.
"Sexta já não fui trabalhar porque não quis deixá-lo lá sozinho. O problema é que iniciou um trabalho agora com seu treinador e uma mudança o prejudicará. Com certeza vamos processar o segurança. Pelo menos ele. Meu objetivo é tirar esse segurança de lá. Meu filho só tem tamanho. É um menino", declarou Gabriel.
"Ainda tenho um outro filho menor , que também é federado pelo Fluminense em natação , que não quer sair de lá em hipótese nenhuma. Veio me perguntar se teria que sair do Fluminense.Via nota, o Fluminense informou que abriu procedimento interno para apurar os fatos administrativamente e tomar as medidas necessárias "mesmo após a autoridade policial, procurada pela família do adolescente, ter entendido não ter havido qualquer conduta do colaborador que pudesse caracterizar ilícito penal. Ainda assim, tudo será apurado".
O clube informou que "o colaborador já foi afastado de suas atividades e assim permanecerá enquanto durar a apuração por parte do clube". Como faz parte da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), o funcionário não pode ser demitido.
Acrescentou que "as acusações feitas em redes sociais merecem toda atenção. A discriminação, por qualquer razão, é intolerável. O Fluminense se orgulha de manter o lema Time de Todos como expressão de seus valores mais profundos e não transigirá com qualquer conduta que não preze pelo respeito integral a seus sócios e frequentadores".
A nota segue e afirma que "ao longo de sua história o clube foi alvo de calúnias que mancharam a sua imagem e justamente por isso não irá tolerar qualquer desvio. Mas o clube pede, em nome dos milhões de torcedores, que não haja julgamentos precipitados e não se tome a posição do clube pela conduta individual que será investigada com o rigor que o assunto pede".
O Fluminense informou ainda que "já está em contato com a família do jovem e envidará todos os esforços para acolher o atleta enquanto conclui a apuração do ocorrido".
Termina a nota dizendo que "ao longo do tempo, o Fluminense tem sido perseguido por torcedores de outros clubes que alimentam a ideia, preconceituosa e equivocada, de que o clube tolerou casos de racismo. Como vem sendo demonstrado na série Herdeiros de Chico Guanabara, em seu canal no Youtube, essa pecha é a expressão do preconceito e só poderá dar voz a isso quem não se informou ou os que estiverem mal-intencionados. Muitos falam e formam juízo sem a devida verificação dos fatos".