Malefícios e benefícios das redes sociais viram foco de discussão de atletas olímpicos
Durante a Olimpíada, esportistas precisaram se blindar da internet por conta dos discursos de ódio, mas agora colhem frutos de sucesso em Paris
Um relatório publicado pela Comissão de Atletas do Comitê Olímpico Internacional (COI) logo após o fim da Olimpíada de Paris-2024 jogou luz a um problema vivido por atletas e membros de delegação que, pode ter afetado diretamente a performance de diversos esportistas brasileiros e de outros países.
Com a utilização do sistema de monitoramento da própria ferramenta de inteligência artificial (IA), o COI detectou mais de 8.500 posts de abuso e ataques virtuais contra os competidores.
Não houve um padrão em relação aos alvos. De medalhistas, como a boxeadora da Argélia Imane Khelif, que conquistou o ouro no ringue enquanto lutava também contra as notícias falsas de que seria uma mulher trans, até derrotados, como a ginasta americana Jordan Chiles, que sofreu com insultos racistas em meio à sua frustrante perda do bronze nos tribunais da modalidade, foram muitos os atletas atacados. Foi o que aconteceu com os membros do Time Brasil.
Leia também
• Conheça estádio "inovador" que será sede do basquete nas Olimpíadas de Los Angeles
• "Clitorito": apelido de mascote das Olimpíadas é elogiado por especialistas em saúde sexual
• Fernando Balotelli reflete sobre participação na Olimpíada de Paris: "Estou bastante satisfeito"
— Não importa quantas medalhas você tenha, se você perder, você vai ser xingado. Minha esposa viu o pessoal falando que eu estava velho, aposentado. Teve até um cara da minha cidade, que eu conhecia, me criticando e falando mal de mim. Às vezes até a pessoa do seu lado vai falar mal de você. Pessoas que falam que te apoiam, mas quando chega ali, torcem contra — conta ao Globo Isaquias Queiroz, dono de cinco medalhas olímpicas.
Foco no ‘mundo real’
O relato do canoísta, que conquistou uma medalha de prata em Paris-2024, foi corroborado por outros atletas. Atual número três do ranking mundial no tênis de mesa, Hugo Calderano chegou na Olimpíada como esperança de medalha para o Brasil, mas foi derrotado na semifinal e também na disputa pelo bronze.
Assim, o mesa-tenista aponta que a frustração de pessoas que teriam apostado em uma vitória ou em uma possível medalha pode ter motivado alguns desses ataques.
— O tênis de mesa é um esporte que é muito envolvido em sites de apostas, então volta e meia a gente recebe alguma mensagem quando perde um jogo de alguém que apostou e fala algumas coisas bem absurdas mesmo. É muito importante sabermos lidar com isso — diz.
Uma das formas encontradas pelos atletas para não ser tão afetado ou prejudicado pelas mensagens de ódio foi diminuir o uso de redes sociais no período final da preparação para a Olimpíada e também durante a competição. Foi o caso da dupla Ana Patrícia e Duda Lisboa, que levou o ouro no vôlei de praia. Ana, inclusive, chegou a cogitar uma precoce aposentadoria pelas graves ofensas e críticas que sofreu após os Jogos de Tóquio-2020, quando foi eliminada nas quartas de final.
— Duas semanas antes de começar a Olimpíada eu exclui o Instagram, porque achei que tinha que focar, não queria ver coisas que não preciso. Nós sabemos quem é a Duda, quem é a Ana Patrícia, então tentamos nos blindar para viver num mundo real — explica Duda.
— Se tentaram (desestabilizar), nem chegou até nós. Na última Olimpíada acompanhamos isso de uma maneira muito forte. Espero que a gente consiga falar mais sobre isso e, de alguma forma, conscientize as pessoas. O sonho de todo mundo (o ouro) também é o nosso, então o mínimo que esperamos é respeito das pessoas, da mesma forma que tentamos respeitá-las dando o nosso melhor dentro de quadra — corrobora Ana Patrícia.
Influência positiva
Por outro lado, também foi possível tirar coisas boas das redes sociais durante a Olimpíada. Um dos casos mais emblemáticos em relação ao apoio recebido por atletas no decorrer dos Jogos Olímpicos foi o de Ana Sátila. Envolvida em três categorias da canoagem slalom, a atleta disputou 15 provas em Paris-2024, o que a fez virar meme na internet. As brincadeiras foram divertidas com bom humor, mesmo sem medalha.
Ana conta que as piadas bem humoradas não só lhe deram mais energia durante a Olimpíada, como a fizeram reativar sua conta e ficar ainda mais assídua no Instagram.
— Sofri muito em outras edições. No Rio e em Tóquio, as pessoas comentavam coisas que magoavam muito. Era um ódio... Foi muito difícil. Então ver o que as pessoas estavam falando quando terminei a competição (no quarto lugar no K1) foi tão bacana. Totalmente o contrário do que eu já tinha vivido. Eram mensagens tão carinhosas, as pessoas diziam que queriam colocar os filhos para praticar esporte. Minha maior vitória foi saber que influenciei de forma positiva. Agora procuro usar o Instagram para isso, colocar minha rotina como atleta e mostrar que tem que ter disciplina, amor, educação, saúde e bem-estar — afirma.
Sucesso publicitário
Além do apoio para o decorrer das competições, outro ponto positivo do contato dos atletas com o público através das redes sociais é o aumento da visibilidade e, consequentemente, da procura de patrocinadores. Ana Sátila, por exemplo, saiu de 16 mil seguidores para mais de 240 mil. Além da renovação de patrocínios anteriores, a canoísta agora estrela campanha publicitária de uma rede de fast food.
Outro caso notório é o da judoca Bia Souza, medalhista de ouro na disputa individual e bronze na por equipes. Bia não só conseguiu fechar contrato com uma empresa de apostas esportivas — junto de Ana Patrícia e Duda Lisboa —, como o marido da atleta também foi contratado por um banco para uma campanha em homenagem à esposa.
— Desde que eu saí da luta, eu não parei. Estou sempre fazendo algum evento, participando de alguma ação. Temos (Bia e o marido) achado tudo muito divertido. Levamos na tranquilidade, paz e amor. Tem sido muito legal receber esse carinho de todo mundo — conta Bia.