FUTEBOL

MLS desafia Brasil com mercados de México e Argentina em baixa

A mudança de postura garante melhorar o nível da MLS e as margens de lucro com a eventual venda de jogadores para a Europa, recursos que as potências sul-americanas costumavam monopolizar

Foto: STEPH CHAMBERS/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP

Um novo centro ameaça destronar o Campeonato Brasileiro como protagonista do futebol da América: a Major League Soccer (MLS), que ganha terreno a passos largos ao aproveitar o declive dos mercados tradicionais de Argentina e México.

Os clubes americanos mudaram a estratégia de contratar jogadores famosos à beira da aposentadoria, com a qual buscaram durante anos atrair as atenções para seu campeonato, lançado em 1996.

Agora, disputam as joias do continente com os times brasileiros e desbancam argentinos e mexicanos, outrora grandes predadores do mercado, mas que perderam espaço devido a dificuldades financeiras e mudanças de regulamento.

A mudança de postura garante melhorar o nível da MLS e as margens de lucro com a eventual venda de jogadores para a Europa, recursos que as potências sul-americanas costumavam monopolizar.

"Tem a ver com a visão que tiveram os donos das equipes para que (a MLS) se torne uma das maiores ligas do mundo", disse à AFP Alfonso Mondelo, diretor de competições da MLS.

De "implorar" a convocar
A liga dos Estados Unidos, da qual participam três equipes canadenses, é desde 2021 a que mais gasta em contratações na América, segundo uma análise da AFP a partir de relatórios da Fifa sobre transferências entre 2018 e 2022 (exceto 2020, por conta da pandemia).

Em 2021, foram gastos US$ 159,9 milhões (R$ 827 milhões, na cotação atual), três vezes mais do que no Brasil, 11 vezes mais que na Argentina e cinco vezes mais do que no México. Na temporada passada, foram US$ 181,5 milhões (R$ 938,8 milhões), mais que o dobro de argentinos e mexicanos e 1,6 a mais do que os brasileiros.

"Nos primeiros anos da MLS, era preciso quase implorar aos jogadores para que viessem. Agora eles entram em contato conosco" devido à organização e porque depois podem ir à Europa, afirma Mondelo.

Em fevereiro de 2022, o Atlanta United deu uma mostra dessa nova estratégia: pagou ao Vélez Sarsfield (ARG) o valor recorde para esse mercado de US$ 16 milhões (R$ 82,7 milhões) por Thiago Almada, então com 20 anos e cobiçado por europeus.

"Quero fazer uma boa temporada e ter a oportunidade de ir à Europa", afirmou então Almada.

Dez meses depois, o argentino se tornou o primeiro jogador da MLS a ser campeão da Copa do Mundo. Em janelas anteriores, foram contratados outros jovens com futuro no 'Velho Continente': o argentino Alan Velasco, o uruguaio Diego Rossi e o brasileiro Talles Magno (ex-Vasco).

Salto competitivo
Contratar estrangeiros e fortalecer a base rendeu frutos: o valor dos 29 elencos da MLS (US$ 1,250 bilhão, ou R$ 6,465 bilhões) é o segundo maior em termos absolutos desde 2022, próximo ao dos 20 da Série A do Brasileirão (US$ 1,450 bilhão, ou R$ 7,5 bilhões).

Atrás aparecem os 18 da elite do Campeonato Mexicano (US$ 880,5 milhões, ou R$ 4,554 bilhões) e os 28 da Argentina (US$ 852 milhões, ou R$ 4,407 bilhões), segundo o portal especializado Transfermarkt.

"Os Estados Unidos, em termos de valor de mercado, vão acabar passando porque eles sabem fazer negócios gigantescos, estão crescendo de uma forma correta, gradual", afirma o agente de jogadores brasileiro Marcelo Mascagni.

No entanto, a liga dos EUA, uma das sedes da Copa do Mundo de 2026 ao lado de Canadá e México, ainda tem um longo caminho a percorrer.

As conquistas internacionais de seus clubes são poucas: três títulos da 'Concachampions', contra 37 do México e seis da Costa Rica.

"É importante primeiro se tornar a liga mais importante da Concacaf, nosso próximo desafio, e depois ver como podemos alcançar as melhores ligas do mundo", explica Mondelo.

Contradição brasileira
O Brasil tem o que os EUA estão buscando: domínio internacional, principalmente com os títulos de Flamengo e Palmeiras nas últimas quatro edições da Copa Libertadores.

Embora vários clubes do país estejam em crise financeira, eles exploram o status de principal produtor e exportador mundial de jogadores para montar elencos competitivos e melhorar sua estrutura.

A saída de jogadores jovens vem sendo suprida com a chegada de nomes de peso no final de suas carreiras - o uruguaio Luis Suárez, o chileno Arturo Vidal, o brasileiro Marcelo - e promessas de outros países da América do Sul.

Seja pela matéria-prima ou com a revenda de estrangeiros, o Brasil se consolidou como o país do continente que mais fatura com transferências.

Em 2022, 998 jogadores do futebol brasileiro foram vendidos por US$ 267,2 milhões (R$ 1,3 bilhão), muito à frente de Argentina (US$ 146,6 milhões, ou R$ 758,3 milhões) e EUA (US$ 135,2 milhões, ou R$ 699,3 milhões), segundo a Fifa.

Mas nem tudo é festa: embora as exportações tenham aumentado, o volume de dinheiro diminuiu. No ano passado, as receitas com vendas foram 30% menores do que em 2018, mesmo com a venda de 166 jogadores a mais

Isto se deve à "desorganização dos clubes, que deixam ir de graça os jogadores. Às vezes preferem não ganhar nada a vender barato", acredita Mascagni.

Para ele, muitas vezes os clubes perdem o 'timing' da venda e por isso acabam negociando valores menores, então "os europeus levam as promessas brasileiras cada vez mais jovens", quando custam menos.

Vitrine em crise
O fortalecimento brasileiro contrasta com a crise da maior rival: a Argentina, com escassez de dólares - usados para transações e salários -, a desvalorização do peso argentino e a inflação alta.

As promessas que surgiam em mercados emergentes agora vão para Brasil ou Estados Unidos. Dessa forma, o Campeonato Argentino envelhece: a média de idade dos jogadores é atualmente de 26,7 anos, frente aos 24 de 2018.

"A Argentina não é um mercado atrativo", exceto por River Plate e Boca Juniors, aponta Jaime Rascón, especialista em mercado com experiências no América do México e no Barcelona da Espanha.

"Tem a desvalorização da moeda, que complica muito para qualquer jogador manter seu poder aquisitivo e padrão de vida", acrescenta.

Por isso, o futebol do país perdeu figuras emblemáticas, como o meia Nacho Fernández, que deixou o River em 2021, último clube não brasileiro a vencer a Libertadores (2018), para assinar com o Atlético-MG. O talentoso jogador, de 33 anos, retornou ao clube de Buenos Aires para a temporada 2023.

Mercado que 'desapareceu'
Clubes que antes alimentavam o futebol argentino também se assustaram com as disputas judiciais com times da Argentina devido a falta de pagamento.

"Fazer negócio com os Estados Unidos se tornou o primeiro foco", diz Ramiro Ruiz, presidente do Envigado, que tem uma das categorias de base mais conceituadas da Colômbia.

O clube vendeu James Rodríguez ao Banfield (ARG) em 2008. De lá, o meia foi direto para a Europa.

Mas os argentinos ainda mantêm uma vantagem: vendem com frequência suas promessas diretamente para o futebol europeu, garantindo maior lucro, como nas transferências milionárias de Enzo Fernández ao Chelsea e de Julián Álvarez ao Manchester City, ambos do River Plate e campeões mundiais em 2022.

Historicamente conhecido por contratações envolvendo grandes valores e salários atrativos, o mercado mexicano também está em baixa.

"Existe um acordo da liga de baixar os salários dos elencos" e reduzir o número de estrangeiros, explica Rascón.

Nos últimos cinco anos, houve queda de gastos (37%) e receitas (50%) com transferências, assim como vendas (34%) e contratações (23%).

"Mas um mercado que estava sempre de olho do jogador daqui (Brasil) deu uma sumida", lamenta Mascagni.

Veja também

Recife recebe Festival Paralímpico neste sábado (21), no Geraldão
INCLUSÃO

Recife recebe Festival Paralímpico neste sábado (21), no Geraldão

Rua próxima à Allianz Arena será rebatizada em homenagem a Beckenbauer
HOMENAGEM

Rua próxima à Allianz Arena será rebatizada em homenagem a Beckenbauer

Newsletter