Ney Silva: dos campos de várzea ao sonho olímpico do 1x1; veja entrevista
Influencer se destacou nas redes sociais narrando e divulgando partidas de futebol amador, chegando a mais de 930 mil seguidores e uma legião de fãs
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Dos campos de várzea à revolução das modalidades amadoras do futebol na internet. Da garrafa de vidro aos microfones. Do barraco de lona ao apartamento com piscina. Da Roda de Fogo para o mundo. Ney Silva tem muita história para contar e, ao que parece - e de acordo com o que ele próprio diz -, tudo está apenas começando. O influencer de 29 anos recentemente atingiu a marca de 900 mil seguidores no Instagram e conquistou boleiros de todo o Brasil, com um jeito irreverente de narrar os jogos da várzea, do Fut7 e do já famoso “um para um” (1x1), que contará com um evento de dois dias no Geraldão, em dezembro. Em entrevista à Folha de Pernambuco, Ney falou sobre suas origens, dificuldades, lutas, inspirações, realizações, desejos e sonhos.
Origens, dificuldades e esperança
Ney conta sua história com orgulho, partindo da comunidade da Roda de Fogo, na Zona Oeste do Recife, e destaca a sua criação, feita praticamente apenas por sua mãe. Com ela, viveu dificuldades de moradia, chegando a morar em barraco de lona, na comunidade do Tejucupapo. A dura realidade rapidamente alimentou em Ney o sonho de poder dar uma vida melhor à sua mãe, deixando o Recife e indo tentar a vida em São Paulo, entregando medicamentos.
“Eu disse e coloquei na minha cabeça: ‘pô, quando eu completar dezoito anos não quero dar mais essa vida à minha mãe’. Saí daqui e fui pra São Paulo, trabalhei entregando medicamentos, e o salário todo que eu recebia, entregava aqui a minha mãe. Ela é tudo para mim", contou.
Após o período de trabalho na capital paulista, Ney voltou ao Recife, onde serviu ao exército. Nesse período, conheceu sua esposa, Mirelly, com quem teve o primeiro filho, Neymar, batizado em homenagem ao camisa 10 do PSG e da Seleção Brasileira. Após sair do exército e já vivendo a necessidade da compra de um dos medicamentos para o filho, diagnosticado com autismo de primeiro grau, Ney viu no futebol uma oportunidade para garantir uma nova fonte de renda, com a organização de campeonatos de várzea.
“Saí do exército e comecei a vender CD. Como meu filho tem autismo e tem um medicamento chamado Sabril, que é muito caro, aí só vendendo CD não dava, certo? Então, busquei outras formas de ter uma outra renda para ajudar na compra do medicamento do meu filho, que era muito caro, e minha renda era pouca vendendo CD. Daí eu comecei a organizar campeonato", disse.
Redes sociais, transmissão de jogos e a resenha no futebol
Os campeonatos aconteciam como qualquer outro, sem alarde ou atrair atenção. É quando Ney passa a “entrevistar” os jogadores do campeonato, divulgando nas redes sociais. A estratégia deu certo, com um aumento de seis vezes o número de equipes, de um campeonato para outro.
"Os campeonatos terminavam, cada um ia para a sua casa e não tinha tanta ênfase. Depois comecei a fazer pequenas entrevistas, peguei uma garrafa de cerveja vazia, na resenha mesmo, e comecei a fazer entrevista. O primeiro campeonato que eu fiz foram quatro times, no segundo foram 24. Então eu vi que a entrevista, esse desejo de se sentir importante do jogador, do atleta, estava dando certo para o meu primeiro empreendimento, que era organizando um campeonato", relatou.
Para chegar ao formato que faz hoje, Ney conta que fez uma pesquisa, para entender o vasto universo que estava adentrando, o da produção de conteúdo para as redes sociais. Inicialmente, suas entrevistas eram divulgadas no Facebook, mas ao notar a queda de alcance em suas publicações, Ney migrou para o Instagram. Com suas referências fincadas nos humoristas Whindersson Nunes, Tirullipa e Carlinhos Maia, decidiu trazer o humor e a “resenha” para o futebol.
No entanto, apenas a resenha também não era suficiente, era preciso incrementar outro elemento durante as transmissões dos jogos e Ney passou a narrar as partidas.
"O brasileiro gosta de rir, de brincar, de se divertir. Então pensei: 'vou colocar resenha no futebol'. E casou, graças a Deus. Comecei a fazer a resenha do futebol. Daí já deu outra crescida no meu trabalho. Porém eu começava a fazer a resenha e na hora do jogo estava muito morno, ninguém falava nada e tal. Aí comecei a colocar minha voz, pensando no caso de sair algum lance, para ver se melhorava mais aqui o trabalho"
O primeiro viral e as primeiras conquistas
A primeira narração de Ney foi em um palco de classe, na Arena Pernambuco, durante uma partida de duas equipes de várzea, que se enfrentavam em um torneio. Durante a disputa de pênaltis, Ney desceu até o campo para registrar a cobrança do amigo Amaury, que isolou e o vídeo viralizou nas redes sociais, chegando a 55 mil visualizações.
"Amaury na bola, Amauryyyy, me ajuuude!"
"Esse vídeo viralizou. Guilherme, que na época estava aqui no Sport, subiu pra série A em 2019, compartilhou com os amigos do profissional, aí foi aquela viralização, as pessoas foram conhecendo mais meu trabalho”
Desde então, os vídeos e as transmissões não pararam mais, chamando a atenção de jogadores e fãs de futebol de todo o país, incluindo algumas estrelas como Neymar, Marcelo, David Luiz, a lenda do futsal, Falcão, e muitos outros, que passaram a acompanhar e interagir com os conteúdos do jovem narrador da Roda de Fogo. Com orgulho, Ney diz que não tem “nada que reclamar” e relatou as suas conquistas.
"Aí o negócio explodiu, Neymar acompanhando, David Luiz, Falcão, Prior (ex-BBB), artista famoso, as grandes empresas também, que graças a Deus estão ajudando aqui o trabalho. Comprei meu apartamento, comprei meu carro, dei uma casa à minha mãe, realizei todos os meus sonhos, conheci todos os meus ídolos. Então, não tenho nada do que reclamar, só agradecer, né irmão? Saí de barraco de tábua, de lona e hoje, graças a Deus, moro em um apartamento, embaixo tem uma piscina, posso levar meu filho para um colégio particular"
Revolução do 1x1
No entanto, quem se destacou entre as tantas modalidades abraçadas por Ney foi o 1x1, que, de tanta fama, ganhou um evento à parte, que acontece nos dias 7 e 8 de dezembro no Geraldão e contará com presenças ilustres, como os ex-jogadores Zé Roberto, Amaral e Negrete, além de Falcão, lenda do futsal, o francês Séan Garnier e a carioca Natalia Guitler, estrelas do Freestyle, além do cantor Dadá Boladão e o ex-BBB Felipe Prior.
Para Ney, o 1x1 se destaca porque mexe com o “ego do jogador”. Vendo a constante evolução da modalidade, tratou de trazer uma identidade e um apelo, buscando a influência em um outro esporte.
“Fui buscar uma base de 1x1 do que eu podia fazer, de uma competição, aí vi o UFC. Porque a gente tá acostumado no futebol em dar troféu, medalha, aí pensei: 'não, peraí, vou botar um cinturão aqui, e quem quiser ser o melhor vai ter que vir atrás do cinturão, vai ter que ir buscar ele e tal’. Peguei uma parte do futebol, peguei outra parte do UFC e coloquei. Agora o cinturão é o desejado", afirmou.
Com a explosão da modalidade nas redes sociais, uma dúvida ficou no ar sobre quem teria criado o 1x1. Mas Ney não quer a pecha de criador para si e sim, de quem movimentou e popularizou a prática. Para ilustrar, trouxe uma metáfora com a música.
"O um pra um é uma música. Existe o compositor que fez, criou, e existe o cantor. Há quatro anos já existia o um pra um, com o pessoal do Ipsep, os meninos lá, porém não tinha visibilidade, não tinha voz”
O que chamou a atenção de Ney foi o aumento substancial no número de visualizações, onde percebeu que havia maior interesse pelo 1x1 do que por outras modalidades.
“Em 2019, teve um jogo no Ipsep, um jogador contra o outro. Esse jogo, se não me engano, foi valendo dez ou cinco mil reais. Aí comecei a fazer stories no Instagram e vi que a quantidade de visualizações triplicou praticamente. Então o pessoal gostou, começou a assistir mais”.
Consolidação nas redes sociais; Realidade e potencial do 1x1
Passados dois anos da primeira investida de Ney Silva na modalidade 1x1, os números só cresceram com as lives e vídeos de muitas partidas narradas e divulgadas por ele, com direito a confrontos badalados, como a partida entre os cantores Dadá Boladão e Livinho, em Osasco, em junho. A transmissão da partida no Instagram de Ney passou dos 90 mil espectadores. A partida na íntegra, publicada após a transmissão, chegou a 83 mil curtidas e 376 mil visualizações.
De acordo com Ney, a modalidade está apenas no começo e possui um potencial para se tornar algo grande, por se tratar de algo que mexe como “a maior paixão do mundo”, que é o futebol.
"Acho que a gente não está nem em 1% do que o um pra um pode se transformar. A gente vê o tamanho do UFC, que é muito grande, porém é luta. A maior paixão do mundo, o maior evento que existe no mundo é o futebol. Então imagine um jogo de um jogador contra o outro, em um dos maiores esportes do mundo”
Ainda sobre o potencial de crescimento, Ney detalha fatores que justificam o potencial e revela o sonho de tornar o 1x1 uma modalidade olímpica. Entre os fatores, destaca o quanto cresceu individualmente nas redes sociais e também a chegada de empresas, que vem tornando a modalidade rentável e viável financeiramente, além do apoio de jogadores já renomados do futebol profissional.
“Vê o quanto que eu cresci em um ano praticamente. Imagine isso em três, quatro, cinco, dez anos. Veja o tanto de empresa que está apoiando o 1x1, veja quantos jogadores renomados que mudaram a vida com futebol, mudaram a vida de suas famílias, e agora acompanham um esporte amador como esse. Imagine algo mais organizado para esse esporte, que é o que a gente está querendo fazer no Geraldão, dando estrutura. Então, é um esporte que vai crescer gigantescamente. E o meu sonho é colocar um pra um com nas Olimpíadas", detalha.
Outro fator considerado importante para Ney no crescimento da modalidade é a organização, comparando com os eventos que ele produzia sozinho, tendo que se virar entre diversas funções, além de narrar e divulgar a partida.
"A chave é organização. Eu fazia muito jogo amador, certo? Muitas das vezes, muitos jogos meus não acabaram. O valor de muitos jogos vinham de aposta também. Porque tinha aposta de um bairro contra o outro, aí eu juntava esse dinheiro e tinha que organizar, transmitir, fazer tudo isso aí. Graças a Deus hoje tem uma equipe que está na organização, trazendo jogador de renome, dando premiação boa, onde o jogador não precisa se sacrificar para jogar por uma aposta. O jogo de aposta vai continuar, mas o cara que quer se profissionalizar vai ver e entender que tem uma oportunidade boa para ele ali"
Com a chegada de investimentos de empresas, a modalidade passou a se tornar mais atrativa para os jogadores, que agora enxergam uma possibilidade real de carreira no 1x1. Ney detalhou parte das premiações e comentou o atrativo visto por muitos jogadores na modalidade, comparando com os valores pagos por partida na várzea. Como exemplo, citou a seletiva para o Desafio 1x1, que está sendo realizado em Carpina.
"No evento que está ocorrendo em Carpina, o pessoal da organização deu passagem, hospedagem e cerca de R$ 50 mil de premiação. Esse valor aí para o pessoal da várzea, que ganhava R$ 50 por jogo, R$ 100 por domingo, podendo ter a possibilidade de ganhar R$ 50 mil? Isso é só o começo. Esse evento no Geraldão é o cartão de visita do que vai vir. Vem muito mais ano que vem"
Orgulho e sonhos
Para Ney, o 1x1 tem que ser motivo de orgulho para os pernambucanos, por ser algo que iniciou no Estado e reiterou o desejo de levar a modalidade aos Jogos Olímpicos.
"Primeiro que a gente como pernambucano temos que ter muito orgulho disso, porque tudo começou aqui. O um pra um é de Pernambuco, ponto. A gente está no início de uma modalidade olímpica, isso aqui foi criado em nosso Estado e na nossa cidade, Recife. Isso é um fato. Além de virar um esporte olímpico, o que eu pretendo é que o 1x1 transforme muito mais vidas, de pessoas que não tem condições financeiras e vivem perante as dificuldades da nossa sociedade"
Um pra um como oportunidade de mudança de vida
Vendo o bom momento financeiro da modalidade, Ney destaca que essa é mais uma porta que se abre para outros garotos que desejam correr atrás do sonho de ter uma carreira no futebol.
"Você sabe que eu sou de comunidade, certo? Isso foi a primeira coisa que eu pensei, porque em muitas das vezes é difícil ter uma oportunidade. Digo por mim próprio, que entreguei currículo em mais de 20 empresas e nunca fui chamado, certo? Hoje eu divulgo as empresas. O jogo virou”.
Hoje, o influencer que cresceu em meio ao turbilhão de emoções imposto pelas dificuldades do dia a dia é admirado por crianças e adolescentes de vários cantos do país. Mas Ney está ciente de sua responsabilidade, sempre com os olhos voltados para a comunidade, e deixa uma mensagem para os que agora desejam trilhar um caminho nesse novo mercado que se abre.
"Para onde eu vou, levo essa mensagem. Deixo um recado para os meninos de comunidade, que sonham em mudar de vida. Seja obediente a sua mãe. A Bíblia fala: 'honra teu pai e tua mãe, para que viva bem e prolongue seus dias na Terra'. Seja obediente a seus superiores. Muito foco, muita determinação, muita disciplina, muita fé em Deus e muito trabalho. E muito choro também, porque o choro sempre vem. Mas eu garanto uma coisa: um dia você vai chegar lá, um dia você vai conseguir e eu sou prova disso"