Os cinco erros da investigação sobre a morte de palmeirense em briga de torcidas, segundo o MP-SP
Suspeito teve a prisão revogada nesta terça-feira após promotoria indicar falhas na apuração, que agora será conduzida pelo DHPP
O flamenguista Leonardo Felipe Xavier Santiago, de 26 anos, foi solto nesta quarta-feira (12) após decisão da juíza Marcela Raia de Sant’Anna. Ele é suspeito de ter arremessado a garrafa que atingiu a palmeirense Gabriela Anelli, de 23 anos, durante um confronto entre as duas torcidas no último sábado. A torcedora acabou morrendo na segunda-feira.
A decisão da magistrada atendeu a pedido do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que apontou falhas na investigação conduzida pela Delegacia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva (DRADE). Entenda ponto a ponto os problemas identificados pela promotoria:
Contradição entre o depoimento do acusado e a versão apresentada pelo delegado
O delegado até então responsável pela investigação, César Saad, afirmou na segunda-feira que Leonardo havia admitido que arremessou garrafas contra palmeirenses, embora negasse que tinha buscado atingir Gabriela. O MP-SP destacou na manifestação à Justiça que a versão apresentada pelo suspeito no interrogatório para lavratura do auto de prisão foi diferente.
Leonardo disse no sábado, na delegacia montada dentro do Allianz Parque, que “em suas mãos tinha algumas pedras de gelo, as quais chegou a usar para revide” aos supostos rojões lançados por palmeirenses contra a torcida do Flamengo. Ainda segundo Leonardo, essas pedras de gelo “eram muito pequenas e sequer atingiram a barreira” que separava as duas torcidas.
O suspeito também negou ter “arremessado qualquer objeto de vidro para o lado dos palmeirenses” e falou que “não sabia dizer como foi reconhecido no meio da confusão”, acrescentando que estava “no lugar errado e na hora errada” e que se arrepende de seu ato.
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Divergência entre os vídeos da briga e os fatos narrados pelo delegado
“Para além da inexistência da confissão anunciada pelo delegado, as imagens que aportaram nesta Promotoria de Justiça evidenciam a necessidade de que a investigação prossiga”, escreveu o promotor Rogério Leão Zagallo ao pedir a revogação da prisão de Leonardo.
Zagallo cita duas gravações feitas com celulares no momento da briga na Rua Padre Antônio Tomás, uma delas pelo lado onde estavam os flamenguistas e a outra do lado oposto, feita a partir da sacada de um prédio. No primeiro vídeo, conforme destaca o promotor, é possível ver um homem de barba usando camiseta cinza arremessando uma garrafa em direção aos torcedores do Palmeiras.
“Nitidamente se vê que a intenção desse arremessador era fazer com que a garrafa passasse pelo vão existente naquele portão, que ainda estava bem aberto, e, seguindo sua trajetória, fosse atingir quem ali estivesse”, escreveu o promotor. “Evidentemente esse torcedor de camisa cinza assumiu o risco de matar a pessoa que recebesse o impacto de tal objeto, pelo que, desde já é possível afirmar que ele agiu com dolo eventual e é autor de um crime doloso contra a vida”, prosseguiu.
Zagallo destaca que o homem de camiseta cinza não se assemelha fisicamente com Leonardo, que não usa barba e estava vestindo uma camisa do Flamengo no momento de sua prisão — “notoriamente diferente daquela que o outro torcedor usava”, destacou o promotor.
“Não se desconsidera a possibilidade de Leonardo ter também arremessado algum objeto em direção aos torcedores do Palmeiras, sobretudo porque ele próprio admitiu, em seu formal interrogatório policial, que lançou pedras de gelo contra os adversários. (...) No entanto, a investigação policial que se seguirá demonstrará qual foi, de fato, seu comportamento e sua responsabilidade”, disse o membro do MP-SP.
Versão de testemunha não bate com imagens da briga
Um homem que indicou Leonardo como responsável pela agressão que vitimou Gabriela disse em depoimento que uma garrafa arremessada “bateu em seu peito, estilhaçou e atingiu o pescoço de sua colega”.
Zagallo diz que a versão “é confrontada pelas imagens captadas” no momento da briga, “sobretudo porque restou claro que a garrafa, apesar de ter sido arremessada em direção aos torcedores do Palmeiras, atingiu o portão daquela divisória”.
Por essas imagens, o promotor conclui que o homem que prestou testemunho “de fato foi atingido por parte considerável da garrafa, contudo, ela já estava quebrada”. “Dito de outra forma, não foi o embate da garrafa contra o corpo da testemunha que fez com que a garrafa se partisse”.
Essas divergências entre os fatos considerados no inquérito conduzido pela DRADE e o que mostram os vídeos, segundo o MP-SP, mostram ser “necessário que o trabalho policial prossiga, em especial para que possamos identificar quem foi o responsável pelo arremesso mortal”.
"Postura algo estranha" do delegado
Ao longo da manifestação do Ministério Público são tecidas diversas críticas à atuação do delegado César Saad no caso. Em entrevista a jornalistas na segunda-feira, Saad chegou a corrigir um repórter que tratou Leonardo como suspeito: “Suspeito não. Autor”, disse o delegado.
Zagallo diz que Saad agiu com uma “postura algo estranha”. Sobre a suposta admissão de culpa de Leonardo noticiada pelo delegado, o promotor escreveu: “Esse fato praticado por uma autoridade pública é assaz grave e censurável, pois, além de tipificar uma falácia, tem o poder de gerar falsas expectativas nos familiares de Gabriela, fazendo-os acreditar que a pessoa que assassinou o ente querido teria admitido o erro cometido e que sua justa e correta punição não tardará a materializar-se”.
Ao decidir pela soltura do flamenguista e mandar a investigação do caso para o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), a juíza Marcela Raia Sant’Anna também condenou a atuação de Saad. “Diante da lamentável, para dizer o mínimo, postura do delegado de polícia, que se mostrou açodado e despreparado para conduzir as investigações, de rigor é a remessa dos autos ao DHPP, órgão especializado e preparado para a condução de investigações desta espécie”, escreveu.
Procurado pelo Globo, Saad não respondeu aos pedidos de manifestação.
Guardas civis não foram interrogados
A briga entre palmeirenses e flamenguistas que resultou na morte de Gabriela se deu por volta de 18h, horário em que o policiamento responsável pela segurança da partida entre os dois times ainda não estava posicionado no entorno do estádio. A confusão foi controlada por guardas civis metropolitanos (GCM) que estavam no local.
“Esses profissionais da GCM deveriam ter sido inquiridos quando da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia, ante a relevância da informação que eles poderiam ter fornecido para o cabal deslinde dos fatos em comento”, considerou Zagallo.
O promotor pediu que o DHPP, ao assumir o caso, tome o depoimento dos guardas civis que atuaram no confronto de sábado. Também solicitou a prisão temporária do homem que aparece nas imagens usando camiseta cinza, assim que este for identificado.