"Title IX": o segredo do futebol feminino americano
Com pouco mais de trinta palavras, a emenda proíbe qualquer descriminação de gênero nos programas educacionais
A seleção feminina dos Estados Unidos chegará à Copa do Mundo da França 2019, em junho, com o intuito de proteger um dos maiores domínios da história do futebol internacional. E o segredo por trás desse sucesso se esconde em uma lei promulgada em 1972 que revolucionou o sistema universitário.
Com pouco mais de trinta palavras, a emenda "Title IX" proíbe qualquer descriminação de gênero nos programas educacionais apoiados pelo Estado federal americano.
Assim, a emenda se tornou o ponto de partida para a hegemonia do "soccer" feminino, como atestam os três títulos mundiais de 1991, 1999 e 2015, assim como os ouros olímpicos de 1996, 2004, 2008 e 2012 das americanas, glórias colecionadas em apenas 34 anos.
Este texto obrigou as universidades, principais formadoras de atletas de alto rendimento nos Estados Unidos, a criar programas dedicados exclusivamente para estudantes mulheres. E o futebol foi muito beneficiado com a nova medida.
"Ter uma equipe de futebol não é muito caro. É possível usar o campo da equipe de futebol americano, não precisa de muito equipamento nem de muitos técnicos. É muito fácil", explica à AFP Karen Blumenthal, autora do livro 'Let Me Play: The Story of Title IX: The Law That Changed The Future of Girls in America' (Me deixe jogar: a história de Title IX: A lei que mudou a história das meninas na América).
Embora o basquete, o beisebol e o futebol americano sigam sendo os esportes mais praticados por crianças e adolescentes norte-americanos, o 'soccer' não tem concorrente entre as meninas.- Mais de três milhões de jogadoras -
Segundo números do National Women's Law Center (NWLC), uma associação pela defesa dos direitos das mulheres, em 1972 havia 295.000 jogadoras de futebol nas escolas americanas, um número que saltou para 3,2 milhões em 2016.
"Antes do Title IX, as jovens não podiam praticar esporte no ambiente escolar (...) Essa lei claramente se tornou uma força motriz que abriu portas do esporte para as mulheres de todo o país", insiste Neena Chaudhry, uma das responsáveis pela NWLC.
Quando a seleção feminina americana disputou seu primeiro jogo oficial em 1985, durante um torneio na Itália, a equipe era composta em grande parte por jogadoras oriundas do sistema universitário.
"Elas só tinham treinado juntas por três dias. Não tinham dinheiro, a federação pagou os gastos da viagem e deu às jogadoras 10 dólares diários para comer. As camisas enviadas eram masculinas e foi preciso costurá-las para que pudessem ser usada", lembra Blumenthal.
Entre essas pioneiras estava uma adolescente, Michelle Akers-Stahl, que, seis anos depois, conquistou a primeira Copa do Mundo feminina com o "Team USA", em 1991, se tornando também a artilheira da competição.
Desde então, todas as estrelas do futebol feminino americano, desde veteranas como Abby Wambach, Mia Hamm ou Kristine Lilly, até as atuais Carli Lloyd ou Alex Morgan, passaram pelo sistema universitário antes de se profissionalizarem.
Leia também:
Seleção feminina de futebol é convocada para a Copa
É mais difícil acalmar mulheres do que homens, diz Vadão
Alguns países já estão recuperando o campo perdido... e alguns chegaram com muito atraso. Entre 1921 e 1971, a Federação Inglesa (FA) proibiu a prática do futebol entre mulheres, lembra Stefan Szymanski, professor de economia do esporte na Universidade de Michigan.
"Nessa época, a FA tinha um certo poder e essa proibição foi imitada. Enquanto o futebol se tornava o esporte predominante no mundo, as mulheres estavam excluídas", explica.Mas esse não foi o caso nos Estados Unidos graças ao "Title IX", que "deu um enorme impulso ao esporte feminino", confirma Szymanski.
Durante a Copa do Mundo de 2019, de 7 de junho a 7 de julho, o 'Team USA' terá que tomar cuidado com rivais perigosos como Alemanha, Japão, França, mas também Inglaterra e Brasil, que sonha com seu primeiro título mundial. Já outras favoritas do passado, como a China, passaram a ocupar um segundo plano.
"É possível que, como na China, o sucesso dos Estados Unidos acabe. Mas, sem dúvida, será muito difícil de isso acontecer devido ao sistema universitário americano, que continuará produzindo jogadoras repletas de talento", reconhece Szymanski.