Títulos sem taças: com sala de troféus vazia, torcedores do América/PE temem apagamento da história
Clube centenário perdeu todos os seus troféus na década passada
A história de um clube multicampeão, que marcou o futebol pernambucano na primeira metade do século 20, sofre com constantes ameaças de apagamento. Campeão em seis oportunidades, o América é o quarto clube com mais títulos estaduais em Pernambuco, atrás somente do trio de ferro. Em 1923, o Mequinha conquistou o título do Troféu Nordeste, um dos primeiros campeonatos interestaduais disputados entre clubes da região.
Apesar das conquistas, que marcaram uma era de ouro para o clube alviverde, a sala de troféus do clube encontra-se temporariamente vazia. Um grupo de torcedores tem denunciado um “desaparecimento” dos troféus conquistados ao longo da história centenária do Mequinha.
Allan Lemos, torcedor e administrador do Blog do Mequinha (um dos poucos veículos dedicados a acompanhar o clube e preservar sua história na internet), conta que o “sumiço” das taças começou a acontecer entre 2014 e 2015, quando a sede do clube - o tradicional casarão verde da Estrada do Arraial, na Zona Norte do Recife - sofreu com a ameaça de um possível leilão.
“Uma parte dos troféus desapareceu ali, a outra parte no processo de mudança”, explica Allan. “É um atentado ao legado do América e do futebol pernambucano. Trata-se do quarto maior clube no quesito títulos [estaduais], é tão grande que vai demorar décadas para um outro clube ultrapassar. Os troféus são o último resquício da época vitoriosa da equipe”.
Não há uma quantidade precisa de quantos itens estavam armazenados na sala de troféus do clube. Allan, que frequentava a sede assiduamente, estima que havia entre 50 e 100 troféus. A dificuldade que se tem para obter informações acerca do inventário está relacionada ao fato de que não havia um catálogo que registrasse os itens que ficavam guardados no casarão da Estrada do Arraial.
Allan explica que ele ficou à par da situação a partir do momento em que um projeto de catalogação começou a ser preparado por um grupo de torcedores. “Tentei obter respostas da direção, mas não obtive esclarecimento algum até o momento. É como se eles quisessem esconder, mas isso não pode ser escondido”, reclama o torcedor.
A verdade sobre as taças
A versão apresentada por representantes da atual direção do América converge, em alguns pontos, com o relato de Allan Lemos e dos torcedores responsáveis pela manutenção do Blog do Mequinha.
De acordo com o presidente da agremiação, João Antônio Moreira, as taças foram roubadas da sede do clube em 2017. Moreira conta que, na época, a sede do clube sofreu uma série de invasões nas quais alguns troféus foram roubados e outros destruídos pelos invasores.
“Roubaram taças, quebraram outras coisas e causaram um estrago na sede”, explica o presidente, afirmando terem sido registrados boletins de ocorrência.
“Restaram pedaços como uma base, uma bola que caiu de um troféu. Não tinha porque guardar aquilo. Levaram placas, como a inauguração da sede e danificaram os móveis, mas conseguimos recuperar uma parte”, conta Moreira, que cita a suspeita de que os troféus tenham tido o mesmo fim da taça Jules Rimet. Entregue aos vencedores da Copa do Mundo entre 1930 e 1970, o troféu foi roubado em 1983. Acredita-se que a Jules Rimet foi derretida e vendida a um ourives.
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Sandro Sérgio da Silva, ex-funcionário do América, corrobora a versão oficial. Sandro afirma, categoricamente, que “todos os troféus foram roubados ou destruídos”. A versão contada por João e Sandro não relaciona a perda do inventário à ameaça de despejo sofrida em 2015.
Naquele ano, uma determinação judicial fez com que o casarão da Estrada do Arraial fosse a leilão por causa de uma dívida relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) avaliada em R$ 109.919. Meses depois, em julho do mesmo ano, a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC) - órgão ligado à Secretaria de Planejamento Urbano do Recife - classificou a sede do América como Imóvel Especial de Preservação (IEP).
O ex-funcionário conta que a invasão à sede, em maio de 2017, ocorreu depois que os troféus já haviam sido levados de volta ao casarão depois de terem sido removidos no despejo, ocorrido anos antes do crime. “Na época não tinha vigilante. Eu ficava lá, mas em um final de semana em que não dormi na sede; na segunda, quando cheguei, estava tudo revirado”, disse Sandro.
Sandro, que morava na sede na época do crime, diz que as “cinco ou seis” taças que restaram foram quebradas na ação. “O que ficou eu amarrei guardei, amarrei num saquinho, mas não prestava mais pra nada”, afirmou.
Apesar de reconhecer que não havia segurança na sede, ele crê que não se trata de um descaso com a história do clube. “Foi uma infelicidade. Alguns dos maiores patrimônios se perderam por causa da ação de vândalos”, comenta o ex-funcionário, que chegou a procurar os troféus em ferros-velhos da região.
Torcedor do América há décadas, o analista de sistemas Washington Vaz se diz “indignado, triste e frustrado” com o descaso relacionado à história centenária do clube. Washington, também faz parte do Blog do Mequinha, um trabalho que, segundo ele, envolve um “resgate da identidade” do Periquito.
"O clube não dá nenhum posicionamento a respeito de um legado, de uma história. Perder esses registros materiais do futebol pernambucano é algo irreparável, porque o América é um dos poucos clubes do estado que têm um patrimônio a ser mostrado”, afirma Washington. “Se desfazer disso de forma irresponsável e não correr atrás é revoltante”.
Para o atual presidente do América, João Antônio Moreira, uma alternativa a ser discutida no futuro é a elaboração de réplicas a partir das imagens de arquivo.