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Tóquio 2021

Torcida silenciosa no futebol japonês mostra o que esperar do público na Olimpíada

A cem dias do início da Olimpíada, repórter foi a partida do Campeonato Japonês observar como tem funcionado o protocolo de cuidados sanitários

Público já começa a frequentar eventos-teste, como a partida da seleção olímpica do Japão contra a Argentina, na última sexta-feira (26)Público já começa a frequentar eventos-teste, como a partida da seleção olímpica do Japão contra a Argentina, na última sexta-feira (26) - Foto: Kazuhiro Nogi/AFP

Em razão da Covid-19, a volta dos torcedores aos estádios ainda é uma incógnita no Brasil. Já no Japão, o futebol ficou interrompido por quatro meses, de março a julho de 2020, mas logo o público voltou a frequentar as arquibancadas, ainda que com algumas restrições.

A expectativa é que, caso os Jogos Olímpicos de Tóquio tenham presença de público autorizada -isso deve ser definido ainda neste mês-, as regras atualmente aplicadas nos estádios de futebol e beisebol sejam reproduzidas nas arenas. O país já registrou 517 mil casos da doença e 9.471 mortes em decorrência dela.

A exatos cem dias do início da Olimpíada, na noite desta quarta-feira (14), fui ao estádio de Toyota (província de Aichi) para assistir à partida entre Nagoya Grampus e Hiroshima Sanfrecce, válida pela 10ª rodada da J-League, a primeira divisão do futebol japonês.

O principal objetivo não era acompanhar a partida em si, e sim observar como tem funcionado o protocolo de cuidados sanitários e como o público local tem se comportado em um evento de grande porte. A presença de turistas estrangeiros foi vetada nos Jogos de Tóquio.

Com capacidade para 45 mil pessoas, o estádio de Toyota é o segundo maior do Japão -foi lá que o Corinthians derrotou os egípcios do Al Ahly, em 12 de dezembro de 2012, pela semifinal do Mundial de Clubes que viria a conquistar quatro dias depois.

Apesar de estar na área central da cidade de 421,3 mil habitantes, dentre os quais 6.580 são brasileiros, localiza-se em espaço amplo e aberto, rodeado de vegetação, à beira do rio Yahagi.

Cheguei às suas cercanias às 18h28, 62 minutos antes do início da partida. À frente do estádio, em área equivalente a umas dez quadras esportivas, 12 food trucks vendiam comidas e bebidas. Por regras sanitárias, todos tinham frascos de álcool em gel, ainda que quase ninguém os utilizasse. Todos os funcionários usavam luvas de borracha.

Mesmo sem haver demarcações no chão, as pessoas respeitavam o distanciamento nas filas para comprar os alimentos mais concorridos -espetinhos yakitori e kebabs.

O público era formado por uma mistura de famílias inteiras, estudantes uniformizados e até executivos engravatados, alguns com pastas estilo "James Bond". A olho, não chegava a 20% o número de pessoas paramentadas com a camisa rubra ou qualquer outro item referente ao time da casa, o Nagoya Grampus.

Devidamente organizadas por estafes, havia poucas filas para adentrar o estádio. Mais tarde, fui saber que o público pagante da noite foi de 7.986 torcedores.

Às 19h17, entrei em uma das filas, exibi o ingresso (por QR Code) na tela do meu celular e, em apenas dois minutos, já me encontrava dentro do estádio -depois de uma funcionária apontar um "revólver–termômetro" para a minha testa e aferir minha temperatura em 36,7 graus, inferior aos 37,5 que poderiam barrar minha entrada.

Perdi os 12 minutos iniciais do jogo devido a um fato raro e incomum em país tão organizado: o mesmo assento reservado a mim tinha sido vendido para outro torcedor. Depois de fazer alguns telefonemas e obter autorização para tal, Nakata, um dos chefes da segurança, providenciou-me outro assento.

Curioso foi observar que, apesar de o público não chegar a 18% da capacidade total, sua distribuição pelas arquibancadas não era homogênea. À minha direita, atrás de um dos gols, a torcida organizada Ultras Nagoya era bastante numerosa, ocupando praticamente 50% dos assentos daquele setor.

À minha frente, do outro lado do campo, vi fileiras e mais fileiras de cadeiras totalmente vazias. Questionei isso a Nakata e a alegação dele foi a de que os preços dos ingressos são diferenciados nos dois setores.

Aos 22 minutos do primeiro tempo, após escanteio cobrado pelo atacante brasileiro Mateus (ex-Bahia), o zagueiro e capitão Yuichi Maruyama, do Nagoya Grampus, pulou mais alto que seus marcadores e anotou, de cabeça, o único gol da partida.

Até onde minha vista alcançou, o que vi foi uma torcida estritamente obediente: nenhum grito, nenhuma comemoração mais efusiva. Não fossem os aplausos dos torcedores -todos sentados-, pareceria que o gol fora marcado pelo time visitante.

O protocolo determina que o público deve torcer sem gritar, apenas com acenos, aplausos e, no máximo, batucadas das torcidas organizadas –sem cânticos nem gritos de guerra.

Cheguei a me lembrar de um show de James Brown a que assisti em Nagoya, em 2006, em que também era proibido ficar em pé. Na ocasião, entre centenas de japoneses estáticos, fui o único a desobedecer à regra, porque considerava impossível ouvir "I got you (I feel good)" sem poder dançar.

Mas no futebol, antes da pandemia, pelo menos os gritos eram comuns, segundo o atacante Mateus.

"É um pouco estranho ver a torcida apenas aplaudindo, sem cantar nem gritar os nossos nomes, mas entendemos que é algo necessário neste momento", ele disse nesta quinta. "Só espero que as coisas voltem ao normal o quanto antes. Principalmente pela saúde das pessoas, mas também pela festa do futebol, que perde muito do seu colorido com essas restrições."

Pelos corredores do estádio, a cada 10 ou 15 metros, havia cartazes que especificam todas as regras preventivas. Passei o segundo tempo a circular pelas arquibancadas e nenhum estafe me interpelou.

Nessas andanças, vi cinco ou seis torcedores sem máscara, ou com o nariz para fora dela, e eles também não foram advertidos. Essa, talvez, tenha sido a única falha que vi durante toda a noite.

O Nagoya Grampus segue vice-líder da J-League e ainda invicto, com oito vitórias e dois empates.

REGRAS ANTI-COVID

Quando o surto da Covid-19 eclodiu no mundo, a J-League ficou interrompida por quatro meses, a partir de março do ano passado. Os jogos foram retomados no dia 4 de julho, mas ainda sem público, o que durou apenas duas rodadas. A partir de então, a volta do torcedor foi autorizada, mas com uma série de medidas preventivas.

Uma delas limita o público a 50% da capacidade nos estádios que comportam até 17 mil torcedores; e, para estádios maiores, como o de Toyota, o limite é de 30%.

Os ingressos só são vendidos pela internet. Torcedores devem assistir aos jogos sentados, nos assentos numerados -distribuídos de forma a manter distanciamento mínimo de um metro entre uma pessoa e outra. Na entrada e na saída do estádio, bem como nos pontos de venda de alimentos e nos sanitários em seu interior, os clubes são obrigados a criar esquemas que evitem aglomeração.

Para adentrar o estádio, os torcedores são submetidos a medição de temperatura e devem ficar de máscara em seu interior, além de respeitar o distanciamento. E não gritar.

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