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Última Eurocopa que saiu do roteiro foi vencida por seleção intrusa

Em 92, a Uefa expulsou a Iugoslávia por questões políticas, e a convidada Dinamarca acabou se sagrando campeã

Troféu da EurocopaTroféu da Eurocopa - Foto: ANDREI PUNGOVSCHI / AFP

A Uefa anunciou no último dia 17 uma decisão que seria inevitável. A Eurocopa de 2020, que celebraria os 60 anos da competição, precisou ser adiada para 2021 em razão da pandemia do coronavírus que paralisou não só o futebol, mas todo o esporte mundial.

Com o adiamento, o torneio europeu de seleções sofreu uma interrupção inédita em sua estável trajetória construída desde a primeira edição, em 1960.

Apesar de adiada pela primeira vez em sua história, a Eurocopa já precisou passar por uma intervenção da Uefa em razão de fatores externos que mexeram com o curso natural da competição.

Em 1992, a entidade que comanda o futebol europeu expulsou por questões políticas uma seleção que estava classificada, a antiga Iugoslávia, e convidou outra que estava fora. Segunda colocada nas eliminatórias no grupo vencido pelos iugoslavos, a Dinamarca entrou de supetão na disputa e terminou como campeã.

No início da década de 1990, as declarações de independência de Croácia e Bósnia-Herzegovina implodiram o bloco iugoslavo, que tinha o poder estava concentrado em Belgrado, na Sérvia. A partir dos movimentos separatistas, os sérvios entraram em conflito com os vizinhos. A guerra com os bósnios durou de 1992 a 1995.

A ONU (Organização das Nações Unidas), por meio de seu Conselho de Segurança, começou a impor sanções comerciais à Iugoslávia, a essa altura reduzida basicamente a Sérvia e Montenegro.

Faltando uma semana para o início da competição, a entidade decidiu excluir a Iugoslávia da Euro. Os jogadores e a comissão técnica da seleção balcânica já se encontravam na Suécia, onde aconteceria o torneio.

"Eu estava a ponto de reformar a minha cozinha quando nos chamaram para jogar na Suécia", afirmou o técnico da Dinamarca, Richard Møller-Nielsen, ao jornalista Simon Kuper no livro "Football Against The Enemy" (Futebol Contra o Inimigo).

A verdade é que Møller-Nielsen, mesmo com questões domiciliares pendentes, já contava com a possibilidade da expulsão da Iugoslávia e seguiu observando jogos de possíveis adversários.

Sem ter conseguido a vaga nas eliminatórias, o treinador estava com o cargo ameaçado. Entre outras coisas, por causa das críticas da imprensa e do público pela forma como a equipe atuava, praticando um jogo pragmático e defensivo.

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Essa abordagem de Møller-Nielsen teve como consequência a recusa do craque Michael Laudrup em ser convocado. Ele voltaria ao time em 1993.

Na estreia contra a Inglaterra, empate sem gols. O confronto seguinte, diante da Suécia, que chegaria à semifinal do Mundial em 1994, terminou com vitória dos anfitriões por 1x0.

As campanhas vacilantes de França e da Inglaterra no grupo deixaram os dinamarqueses com chance de classificação na última rodada. Precisariam vencer os franceses e torcer por tropeço britânico diante da Suécia.

Para o duelo contra a França treinada por Michel Platini, o técnico Richard Møller-Nielsen não pôde contar com o meio-campista Kim Vilfort. Considerado o melhor jogador dinamarquês em 1991, Vilfort tinha uma filha, Line, lutando contra a leucemia, e por isso ele voltara à Dinamarca para visitá-la no hospital.

No retorno de ônibus para o hotel após a derrota para os suecos, alguns atletas avistaram campo de minigolfe. Um deles sugeriu a Møller-Nielsen que parassem para se divertir um pouco. O técnico, pensando que a brincadeira pudesse recuperar a moral, deixou.

"Pela primeira vez como técnico, pensei, 'Que se dane, vamos tentar algo diferente'", disse o pragmático treinador.

Sem Vilfort, que estava com sua filha, a Dinamarca venceu a França por 2x1 e, com a derrota da Inglaterra para a Suécia, se classificou à semifinal.

Dois dias antes de enfrentar a Holanda, atual campeã da Euro, o ônibus dinamarquês voltava do treino quando o atacante Lars Elstrup avistou uma lanchonete do Burger King. Mais uma vez, perguntaram a Møller-Nielsen se poderiam parar. O técnico, que já havia cedido uma vez, voltou a atender aos desejos do elenco.

Em Gotemburgo, a favorita Holanda foi mais uma das grandes seleções a sucumbir diante da relaxada Dinamarca.

Após o empate em 2x2 no tempo normal com boa atuação de Kim Vilfort, que viajou a pedido de sua esposa e sua filha Line, o goleiro Peter Schmeichel brilhou nas cobranças por pênaltis, defendeu a penalidade de Marco Van Basten -herói do título holandês em 1988- e ajudou a equipe nórdica a alcançar a inédita decisão europeia.

Depois do minigolfe e da parada no Burger King para alguns hambúrgueres e batatas fritas, Richard Møller-Nielsen abriu sua última concessão em favor dos atletas. Como ninguém esperava que a Dinamarca fosse à final, os jogadores não levaram suas esposas e filhos. Às vésperas da decisão, os hotéis já estavam todos lotados.

O jeito foi pedir ao treinador que as famílias pudessem compartilhar os quartos com os atletas. O que Møller-Nielsen, em nome da tradição formada de acatar pedidos inusitados, aceitou novamente, pedindo a eles que se poupassem fisicamente para a decisão.

Na final contra a Alemanha, campeã mundial, os dinamarqueses abriram o placar aos 18 minutos, com John Jensen. O goleiro Peter Schmeichel teve uma das melhores atuações de sua carreira naquele 26 de junho, mostrando por que seria considerado um dos melhores da posição ao longo de toda a década.

Aos 33 da etapa final, com a Dinamarca de Møller-Nielsen conseguindo segurar os alemães, Kim Vilfort dominou uma bola fora da área (aparentemente com a mão), ajeitou para a perna esquerda e chutou. A bola passou por Bodo Illgner e ainda bateu na trave antes de entrar para decretar o triunfo dinamarquês e a coroação de uma epopeia surpreendente.

A história, cheia de elementos bizarros, virou até filme. "O Verão de 1992", que inclui o drama familiar vivido por Vilfort, foi lançado em 2015 e está disponível na Netflix.

Poucas semanas depois do título europeu, Line, filha do meia-atacante que virou herói do conto de fadas nórdico, não resistiu à leucemia e morreu aos 7 anos de idade.

O técnico Møller-Nielsen, terminado o torneio, conseguiu terminar a reforma de sua cozinha.

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