Yasmim Soares: dos "corres" na infância até o Mundial de rugby sevens
Nascida na Cidade de Deus, Yasmim vendeu bala e foi 'descoberta' no atletismo para virar um dos pilares da seleção
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Somente agora, na fase adulta, Yasmim Soares, de 25 anos, atleta da seleção brasileira de rugby sevens, entendeu o recado de José, seu professor de Educação Física, na Escola Municipal Alphonsus de Guimarães, na Cidade de Deus. Quando pequena, nas aulas de corrida, as meninas não queriam brincar com ela. Yasmim passou a treinar com os meninos. Mas também não deu certo:
"Comecei a ganhar dos meninos, e aí foram eles que não queriam mais correr comigo. No lugar de ficar feliz, ficava triste. Na inocência, achava que ninguém queria brincar comigo. Meu professor me chamou e disse: 'Yasmim, isso não é ruim, pelo contrário. É muito bom! Um dia você vai entender o que estou falando'", contou a jogadora, que defenderá a seleção no Circuito Mundial da modalidade, a partir do dia 30, em Dubai, Emirados Árabes Unidos.
Yasmim não largou as aulas de Educação Física, apenas passou a ter dinâmicas diferentes. "Ele chamou a minha avó Aurileia e disse para ela me colocar no esporte porque eu ia me dar muito bem. Mesmo com todas as dificuldades, comecei no handebol". Yasmim ainda passou pelo atletismo até chegar ao rugby, há cerca de cinco anos. Como a modalidade exige velocidade das praticantes, as equipes costumam garimpar possíveis talentos no atletismo. Em pouco tempo ela estava no Vasco e, depois, na seleção brasileira. Hoje, já é medalhista de bronze nos Jogos Pan-americanos Santiago-2023 e disputou os Jogos Olímpicos de Paris-2024, em que o Brasil ficou em décimo.
Foram justamente a velocidade e a capacidade aeróbica de Yasmim que mais chamaram a atenção da nova treinadora da seleção brasileira de rugby, a neozelandesa Crystal Kaua. As Yaras, como a seleção feminina é conhecida, já começaram a trabalhar para o ciclo Los Angeles-2028.
"Yasmim tem um potencial incrível. Sua velocidade e capacidade aeróbica estão no nível das melhores jogadoras do mundo. Ela tem uma motivação incansável para melhorar, refletindo constantemente sobre si e buscando maneiras de evoluir. Essa mentalidade, combinada com suas habilidades físicas, será um grande trunfo para nossa equipe — elogiou a treinadora, que assumiu o cargo em outubro.
Vivendo hoje em São Paulo, sede da seleção permanente, Yasmim nasceu na Cidade de Deus, comunidade da Zona Oeste do Rio. Entre os treinos de handebol, no Colégio Pedro Aleixo, e depois do atletismo, no Colégio Silveira Sampaio, vendeu bala na rua até conseguir um emprego formal. Trabalhou como operadora viária no VLT. Apesar da carga horária puxada, de 12h às 22h, diz que gostou da experiência e que o salário ajudava nas despesas da família.
Desafios na infância
Yasmim morava com a avó Aurileia, o avô Ruberval, a irmã mais velha Kaciana e o tio adotivo Aluizio. Ela tem quatro irmãos: além de Kaciana, autônoma de 28 anos, os estudantes Ysak (12 anos) e Ysabella (10), irmãos por parte de pai, e Adilson (que já faleceu), por parte de mãe. A família continua na Cidade de Deus.
"Minha mãe tinha a vida dela, as coisas dela para fazer. Aí deixou minha irmã mais velha e eu com minha avó para que ela cuidasse da gente da melhor maneira. E os meus avós sempre tiraram de onde não tinham para me ajudar. A gente tinha uma dinâmica que era vender doces para poder viajar de ônibus. Então minha avó fazia o maior esforço e comprava a maioria dos meus doces. Mas chegou uma hora que ela não aguentava mais comprar. Dava para ver que estava me empurrando, com a melhor das intenções. Então, tudo o que sou, tudo o que aprendi, foi graças à criação da minha avó", diz Yasmim.
"Tenho lembranças muito felizes da Cidade de Deus, de brincar nas ruas e nas pracinhas. Ter sido criança é o que me deixa feliz. Mas é claro que um dia ou outro tinham confrontos policiais, como em outras comunidades. Essa é a parte que ninguém quer olhar".
Há apenas cinco anos e por meio do atletismo, ela foi “descoberta” pelo rugby. Ao se destacar no Colégio Silveira Sampaio, em Curicica, foi para o Vasco, que treinava com o projeto social da Vila Olímpica Mato Alto. Lá, competia nos 100m e 200m e também no heptatlo, salto em distância, e provas com barreira.
No início de 2020, começou, efetivamente, no rugby, no clube Guanabara, que chegou a encerrar as atividades esportivas por questões financeiras e hoje se chama El Shaddaie. De lá, migrou para o Melina Rugby, do Mato Grosso. Foi quando estreou no Campeonato Brasileiro e no Super Sevens.
"Lembro de uma viagem que fiz no início da minha carreira, ainda com o Guanabara Rugby, para um torneio na França. Visitamos a Biblioteca Nacional de Paris e, ao lado do meu treinador Felipe França, vi a logomarca de Paris 2024. Ele me perguntou: 'Você acredita (que pode estar lá)?'" conta a jogadora, sobre a primeira viagem internacional.
Yasmim conseguiu: foi a Paris-2024 e agora, após a troca de treinadores na seleção, é apontada como um dos principais pilares da equipe para o novo ciclo. Depois da medalha de prata no Sul-americano, em Lima, no Peru, em outubro (o Brasil nunca havia perdido o título), a seleção fará estreia no Circuito Mundial da modalidade, no dia 30, em Dubai, contra a Nova Zelândia, ouro em Paris. Na sequência, enfrentará o Canadá, medalhista de prata, e o Japão, que as brasileiras enfrentaram na disputa do nono lugar olímpico.
"O time é rápido, resiliente e cheio de criatividade. Elas são apaixonadas e trazem energia e alegria para cada treinamento, o que reflete o espírito brasileiro. O que mais me surpreendeu sobre esse grupo é a fome de crescer. Elas não estão aqui apenas para participar", elogia Crystal, que tem meta ambiciosa: "É ambiciosa, mas alcançável: pretendemos nos estabelecer firmemente como um time de primeira linha no mundo do rugby sevens até 2028".