A origem das uvas (2)

A variedade das uvas viníferas é praticamente incontável

As uvas viníferas e sua etimologia - Divulgação

Dando continuidade ao artigo anterior, quando dei partida ao tema sobre etimologia das castas de uva, começo lhes falando do provocador de tudo isso: um texto da Gazeta que me foi encaminhado pelo futuro enófilo, Zé Paulinho. Sobre a Chardonnay. Que sempre se acreditou ter sua origem na Borgonha, onde reina absoluta e totalitária, acima de todas, no mundo do vinho branco.

Segundo a citada matéria, recentes pesquisas históricas mostram que ela de fato se originou nas colinas de Jerusalém, onde o solo é rico em calcário e argila. Obviamente seu nome viria do hebraico e não do francês. Essa uva foi levada à França pelos cruzados, após a conquista da Palestina.

Que em francês é “Porte de Dieu” (Porta de Deus), ou “Sha’har-adonay”, em hebraico. Cuja pronúncia nos remete à Chardonnay. Fato ou “fake”? Taí, leitor, diferente de tantas coisas que povoam as mídias atuais, pouco importa, não é? O que vale é o resultado maravilhoso do vinho branco e do champanhe, feitos com esta casta.

Mas se essa versão for real, nos reitera uma lição: a verdade histórica muitas vezes demora, mas chega. Como a de amanhã, 55 anos atrás... Deixa prá lá, amigo! Mas fique à espera da versão final, isenta.

Como aquela dos estudos genéticos das atuais uvas viníferas da França, indicando serem praticamente todas fruto de aprimoramentos biológicos e agrícolas, ocorridos nos últimos 2.500 anos, em contraponto às do tipo selvagem. Algo assim como um transgênico...

Cala-te boca de novo, Murilo! Deixa o futuro pro futuro. Por enquanto, falemos da origem de outras uvas. Voltando ao termo selvagem, “sauvage” em francês, chegamos a origem da mais popular uva tinta do mundo, a Cabernet sauvignon.

Por muito tempo considerada uma versão mais moderna da casta Biturica - plantada pelos romanos para elaborar seus vinhos - após pesquisas genéticas na década de 90, revelou-se fruto de um cruzamento (ao acaso?) entre a Sauvignon blanc e a Cabernet franc, de cada um dos ascendentes herdando um nome.

Tal qual nós, humanos. Perguntaria então você: e de onde vem os pais? Está querendo me transformar em genealogista, né? Vamos tentar. A Sauvignon blanc, que tem berço em Bordeaux, possivelmente descende da velha Savagnin (corruptela de “sauvage”), uva que ainda hoje compõe o vinho amarelo (Jaune) do Jura.

Já a Cabernet franc, outrora conhecida como Bouchet, foi trazida pelo cardeal Richelieu, no século 17, do Vale do Loire para Bordeaux, onde se celebrizou. Bordeaux que nos remonta a outra casta tinta, a Merlot. Cujo nome deriva do pássaro Merle - de muito bom gosto, por sinal - que adora comer essa uva.

Ih, acho que você não aguenta mais esse tema! E eu também não tenho mais espaço. Então vou concluir com a Syrah (ou Shiraz). Cuja análise genética revelou ser a “filha” de dois ancestrais obscuros do sudeste da França, a Dureza e a Mondeuse blanche. Amigo, estou com raiva da tal da genética.

Acaba com todo romantismo da origem das uvas. Sabia que até hoje muita gente acredita que ela tem berço em Siracusa, na Sicília, ou na antiga Pérsia? Mais, muito mais. Que teria sido dela o vinho da última ceia? É, que jeito! Há que se ater à verdade. Sobretudo fruto de legítima análise histórica. A ela, a verdade, sempre, tim, tim, brinde à vida.

*É médico e enólogo e escreve quinzenalmente neste espaço