Como a França revolucionou a gastronomia

No dia em que os franceses celebram a Queda da Bastilha, em 14 de julho, o mundo revive as influências gastronômicas que surgiram em meados do século 18

Filé mignon e purê clássico do restaurante Ponte Nova - Ed Machado/Folha de Pernambuco

A liberdade que encabeça um dos lemas conhecidos da Revolução Francesa é também o mote que melhor define sua cozinha em meados do século 18. Época de mudança política, econômica e social, que marcou o fim da monarquia absolutista acostumada com os privilégios do regime daquela época. Inclusive gastronômicos. Período de divisão de classes e restrições por todos os lados, provocando o que os livros de história contam na chamada Queda da Bastilha, celebrada pela população francesa em 14 de julho.

Nas etapas de conflito rumo à proclamação da Primeira República Francesa, em 1792, a luta, que envolvia os mais pobres, incluindo camponeses, contestava não só a pressão dos altos impostos e a desigualdade de direitos, mas também reivindicava a garantia de acesso básico à comida. Ingrediente e sabor estavam restritos ao clero e à nobreza.

O típico banquete
Livros e filmes que mostram a rotina da realeza no período da Idade Média expressam o momento dos grandes banquetes oferecidos ao rei de maneira teatral. A cena se repete nessas publicações por ter o contexto padrão de mesa farta, na intenção de expressar poder. O menu era o mais exótico possível, com ingredientes de safra em quantidades exageradas, preparados por chefs responsáveis para atender o rei. Formato tão relacionado à força, que os pesquisadores André Boccato e Francisco Lellis explicam no livro “Os banquetes do imperador”, da editora Senac, que este foi um modelo também utilizado pela monarquia brasileira, no século 20, para manter as aparências.

Sabores da França - Crédito: Arte/Folha de Pernambuco


Técnica e refinamento
Segundo o cronista da vida da corte Saint-Simon, o rei Luís XIV foi quem estimulou o serviço à francesa. Inclui as regras para uso de talheres, guardanapo no colo, a postura à mesa, entre outros usos em vigor na época. Pouco antes da Revolução, surge uma das características que o chef dos restaurantes recifenses Villa Bistrô, Ponte Nova e Bercy Village, Joca Pontes, define como essencial. “Eles conseguiram desenvolver e catalogar técnicas que servem de base para cozinhas do mundo todo”, diz, com a expertise de quem é formado pela Escola Superior de Cozinha Francesa, em Paris. Não à toa, o que se vê hoje, ainda segundo Joca, é o domínio de ingredientes típicos de outros países, como a batata, comum no Peru, para originar receitas como purê, aligot e batata frita.

Origem dos bistrôs
Passada a Revolução Francesa, os livros contam que os chefs ficaram sem emprego, sendo levados a sobreviver com um modelo de negócio que resultou no bistrô dos dias de hoje - pequenos espaços gourmet voltados para a rua. Narrativa romanceada, segundo o pesquisador e gastrônomo Frederico Toscano. Ele defende que essa é uma corrente dramática para o real surgimento dos restaurantes. “Esse conceito não existia antes da Revolução, então é difícil pular de uma coisa para outra”, aponta, com base na pesquisa que resultou no livro "À francesa - A belle époque do comer e beber no Recife. “A origem desses estabelecimentos começou ainda no final do século 18 com os restauranteurs preocupados com a saúde do comensal, oferecendo a ele um caldo de fácil digestão à base de carne. A partir disso, começa um serviço individualizado e com cardápio", reforça.



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Ingredientes típicos
Para o chef Joca Pontes, a cozinha francesa é pautada no produto e na região. “Usa muito ingrediente por época, principalmente a parte de legumes e frutas. Tem o período de caça, quando pode aparecer a lagosta. Mas alguns itens são ícones, como a manteiga, o creme de leite, a mostarda de Dijon e a trufa”, lista. Fácil lembrar a variedade de queijos e vinhos. Este último, a região de Bordeaux é quem se destaca na produção de uvas. Enquanto a região de Champagne exporta o conceito do espumante mais elegante de todos.

Símbolos culinários
Não é preciso frequentar restaurantes típicos para reconhecer alguns pratos. O croissant é pão amanteigado, criado no século 20. Quiche lorraine, feito com bacon, surgiu no Nordeste francês. Já o famoso crepe suzette é uma panqueca recheada com fartura. O cassoulet, primo gringo da dobradinha, leva feijão branco e carne de porco. Na lista doce, o creme brûlée tem creme de leite, ovos e fava de baunilha.

Premiação e status
Em meio a tantas produções gastronômicas, o guia Michelin se tornou a publicação mais cobiçada e reconhecida pelos cozinheiros. Lançada em 1900 por um industrial francês funciona como um guia de hotéis e restaurantes classificados por estrelas. Receber ou manter uma delas chega ser missão de vida para alguns. A lista já incluiu nomes como o papa da gastronomia francesa, Paul Bocuse.

Dicionário francês

Brunoise - vegetais finamente picados e lentamente refogados em manteiga
Concassé - técnica de cortar tomate em cubinhos tomates
Magret - palavra que designa filé de peito de pato
Rôti - termo para assado
Sauté - alimentos dourados na manteiga ou óleo, antes do cozimento