Noite de samba bebe nas raízes do ritmo e protagonismo feminino

Tributos a Jackson do Pandeiro, Beth Carvalho e Dominguinhos reforçaram o papel do samba como forma de resistência

Alcione foi a grande estrela da noite do samba no Festival de Inverno de Garanhuns 2019 - Fundarpe

A noite do samba da 29ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) foi um verdadeiro encontro de gigantes. O calor do ritmo não impediu que o público enfrentasse a chuva e o clima gelado do Agreste pernambucano para prestigiar o espetáculo. Com 80% das atrações sendo mulheres, o nono dia do festival foi marcado por militância feminista, uma ode a origem do samba e por reverências às obras da saudosa rainha Beth Carvalho, ao homenageado da edição, Jackson do Pandeiro e a Dominguinhos, que dá nome ao espaço principal do evento. Subiram no palco Belo Xis, Gerlane Lops, Karynna Spinelli, Carla Rios e Alcione, cujo show atingiu completa lotação do espaço.

Belo Xis, compositor e intérprete da Escola Gigantes do Samba abriu o show dizendo que “a noite é de homenagens.” Pela quarta vez subindo no palco Dominguinhos, o sambista cantou o repertório autoral de seus mais de 40 anos de samba e prestou homenagens a grandes vozes do Brasil. “Que Nem Jiló”, do sanfoneiro Luiz Gonzaga, foi um dos tributos do pernambucano ao compositor, a quem descreveu como “o maior cancioneiro do mundo”. Belo Xis chamou também sua irmã Ana Moraes para uma participação especial, quando cantaram juntos “Chega de Saudade”, do cantor João Gilberto, que partiu este ano deixando saudade no coração do povo nordestino. O show de Belo Xis contou também com participação de Pérola do Samba, que saudou Jackson do Pandeiro em uma calorosa apresentação da canção “Chiclete Com Banana”.

Após quatro meses longe dos palcos, a pernambucana Karynna Spinelli fez um retorno e tanto. A segunda atração da noite dedicou seu show a Mayara Estefanny, vítima de feminicídio na última quinta-feira (25) em Limoeiro, Agreste pernambucano. Com um tom de militância e resistência, a cantora resgatou a força do samba como “música de terreiro” de forte presença feminina. “O samba dá voz a manifestação cultural e política. Isso provoca uma necessidade da gente se colocar em cima do palco", declarou. Karynna celebrou a show como um espaço de representatividade para aquelas que levam o samba na veia, comemorando seus 40 anos de vida e 14 de carreira. Em sua apresentação, homenageou um rol de mulheres do meio musical de todo país, cantando nomes como Lia de Itamaracá, Ivone Lara e Jovelina Pérola Negra, além de canções autorais.

Saudando a cultura nordestina, a pernambucana Carla Rio trouxe um show em homenagem à madrinha do samba e de vários artistas renomados, Beth Carvalho. Artista estreante no festival, Carla teve em mente a excelência da sambista para prestar o tributo. “Ela é um sinônimo de resistência. É a mensagem que eu passo sobretudo para as mulheres. Sigam em frente, a gente pode ser tudo que quiser."

A sambista olindense Gerlane Lops veio em seguida com um sorriso estampado no rosto e uma energia contagiante. Homenageada no carnaval pernambucano de 2019, Gerlane marcou sua oitava participação no FIG e celebrou 2019 como um ano de bons frutos. Seu repertório também tocou na questão do feminicídio e aproveitou a notoriedade do show para pedir que se escute mais mulheres “A gente não está diminuindo o lado masculino, estamos todos juntos. As mulheres precisam de atenção, a violência é muito forte. Se a gente tem uma voz aqui, é importante que use."

Uma das mais esperadas atrações da noite foi o show da sambista Alcione. Tão esperado que atingiu lotação completa de público no Palco Dominguinhos. A terceira participação da Marrom assumiu um tom de militância e um apelo pelo fim de comportamentos violentos contra as mulheres. "Quero dizer que esse país tem que tomar um jeito, porque mulher tá morrendo igual a mosca", protestou.

A chuva que caiu durante o show junto ao repertório de músicas sobre intensas paixões e decepções românticas envolveu o público e arrancou calorosas manifestações de carinho. Músicas como a autoral “Estranha Loucura” e “Juízo Final”, de Beth de Carvalho fizeram parte da seleção da sambista maranhense. Não poderia, no entanto, deixar de fora a clássica “Você Me Vira a Cabeça” e o fechamento com chave de ouro com “Não Deixa o Samba Morrer.”

A novidade da noite foi o anúncio de que, por unanimidade, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou a concessão do título de cidadã pernambucana à Marrom, projeto de autoria do presidente da Alepe, Eriberto Medeiros, pela influência da cantora nos morros e comunidades recifenses.

Na décima e última noite no Palco Dominguinhos, se apresentarão no festival a veterana Andrea Amorim, Maciel Salu, Mundo Livre, Mariene de Castro e Maria Rita, que retorna ao festival após 10 anos com o projeto "Samba da Maria", uma compilação afetiva de canções.