Conheça a coquetelaria além da caipirosca

A criatividade que habita nos bartenders garante a produção de drinques autorais e releituras, que conquistam uma preferência fora da rota de consumo

Drinques do Cobra valorizam insumos brasileiros - Ed Machado/Folha de Pernambuco

O papo no balcão já não é o mesmo de tempos atrás. No cenário de hoje, a bebida é entregue sem a menor intenção de ser mera coadjuvante. Tem sabor e estilo complexos, que fazem a conversa entre cliente e bartender fluir acerca de ingredientes, criação e até a história daquele drinque. Elementos de consumo cosmopolita, atento à infinidade de opções que a coquetelaria tem para oferecer.

Tudo bem que o Brasil não possui a cultura dos coquetéis semelhante à Inglaterra ou os Estados Unidos. Menos ainda se o recorte se voltar para o Nordeste, onde o paladar conserva o gosto pela cachaça pura e pelo uísque com gelo. Misturá-los com ingredientes fora da rotina sempre soou arriscado. Terre­no em que capirinhas e capiroscas dominaram com folga, apoiados pelo marketing incisivo de grandes marcas. O espaço só começou a ampliar com a via de mão dupla criada entre a demanda dos novos clientes e o poder de oferta dos bartenders.

“Hoje, quando o dono de estabelecimento percebe que o concorrente tem uma carta de drinques e ele não, já corre para ter algo na casa. Tem sido assim em lugares que antes nunca tratariam a coquetelaria como foco”, adianta o mixologista e bartender Luciano Melo, que, ao lado do sócio Bruno Amisterdan, comanda o Pina Coktails, na Zona Sul do Recife. Além do trabalho diário na casa, a dupla presta consultoria para bares, restaurantes e até rede de hotéis atentos no boom do consumo.


“Levamos em conta a estrutura para o trabalho no dia a dia, a presença de uma mão de obra correta e, finalmente, uma carta coerente com o público”, diz Luciano. Nessa concepção, as receitas autorais se encaixam melhor em relação às clássicas, como negroni, moscow mule, daiquiri e outros em que a expectativa do resultado é maior. “Ter um ou outro não é problema. Gin tônica bem feito é essencial”, completa, ao apontar para a pedida que mais tem movimentado o balcão.

Não à toa, o destilado à base de cereais é considerado a mola propulsora desse mercado atualmente, graças ao investimento de empresas que trouxeram grandes marcas para o Brasil e de uma onda estimulada pelo life style europeu. No Recife, o Em Cima, localizado na Zona Sul, é endereço com mais de 40 rótulos de gin, com preço médio de R$ 22 a dose de uma garrafa importada. “Apesar de ter um cardápio com todas as bebidas destiladas, além de vinhos e cervejas, 75% do que vendemos é relacionado ao gin”, garante o proprietário Emerson Pires. Para ele, cada geração tem a bebida da sua época . “Sua versatilidade e variedade tem atraído cada vez mais admiradores, sejam os adeptos de um drinque mais complexo ou dos que apreciam a sua fórmula pura, tentando descobrir as especiarias utilizadas em seu processo de fabricação”, acrescenta.

Para comer e beber

No contexto de bares e restaurantes, bebida e comida andam de mãos dadas. Quando um enaltece o outro, a experiência é completa. Mas como estabelecer esse diálogo, diferentemente do vinho? Para a sócia do projeto pop up Cobra, Nina Wicks, é pensar num discurso único. “A concepção da nossa carta de drinques era que acompanhasse a proposta de trabalhar a cozinha brasileira revisitada, utilizando insumos e especiarias brasileiras, de forma criativa, acompanhando o cardápio de comida”, resume.

Na prática, é se deparar com insumos nativos, tanto no prato quanto no copo. Foi assim nas duas últimas temporadas do Cobra, e segue na nova edição, que começa neste fim de semana, no bairro do Parnamirim. Em meio às novidades gastrôs, a produção etílica, assinada pelo chef Lucas Muniz, segue firme e forte. “Tem o Martini de umbu e jambu, com misto de cachaça de amburana (R$ 18). O curumin, que é um gin infusionado de urucum, mais citrus mix, xarope de limão siciliano e água de flores (R$ 18), além do jiboia, feito com caju, hortelã e vodca, finalizado com espuma de frutas vermelhas (R$ 20)”, aponta Nina. O resultado é um consumo de drinques maior do que todas as outras ofertas alcoólicas, como cerveja, vinho e espumante.

Já no restaurante Le chef, na Zona Sul do Recife, a chef Taciana Teti diz que, embora feitos separadamente, os cardápios de comida e bebida seguem a linguagem clássica. Vale para as receitas feitas com gin, vodca e rum, que formam parte da base alcoólica do novo cardápio com pedidas tradicionais e de assinatura. No momento, 70% das vendas vai para caipifrutas e moscow mule - vodka, gengibre, sumo de limão e espuma cítrica. Já no Reteteu - Comida Honesta, na Encruzilhada, um bar dá conta das produções autorais que circulam pela casa. No restaurante Cá-Já, os coquetéis, que começaram de maneira discreta, terão um espaço para chamar de seu em breve. Além de drinque da casa, gin tônica, Aperol e outros, uma carta feita pela Pernod Ricard promete movimentar uma nova área de produção de bebidas.

Preferência do público

Segundo o chef Lucas Muniz, antigamente as pessoas iam para os restaurantes e tomavam vinho e cerveja, mas não se arriscavam tanto na coquetelaria. No entanto, ele conseguiu um feito curioso no seu Ursa Bar, também na Zona Norte: fazer as pessoas saírem de casa já pensando em consumir esse tipo de bebida. “É um projeto do começo de 2017, com carta quase toda autoral minha e alguns clássicos”, emenda.

Por ser graduado em Gastronomia, o lado bartender leva em conta a sua formação. “Eu sempre penso no drinque montado com outras nuances de sabor. Gosto de utilizar as matérias-primas que eu mesmo produzo, e isso já é diferente. No mais, levo em conta o público e o clima daqui, que se aproximam do paladar cítrico e levemente doce. Não à toa, a tendência para 2020 são opções mais refrescantes e com frutas”, detalha