Governo estuda fatiar tarefas da Receita, sob pressão
O tema está sob estudo no Ministério da Economia, que avalia transformar o órgão em uma autarquia e separar a área de arrecadação da que elabora as políticas tributárias
Sob ataque de representantes dos três poderes, a Receita Federal deverá ganhar uma blindagem institucional e pode ter atribuições fatiadas. O tema está sob estudo no Ministério da Economia, que avalia transformar o órgão em uma autarquia e separar a área de arrecadação da que elabora as políticas tributárias.
Comandado por Marcos Cintra, o órgão vive uma crise institucional, com reclamações vindas das cúpulas do Judiciário, Executivo, Congresso e TCU (Tribunal de Contas da União). Uma das possibilidades em estudo é a transformação da Receita em uma autarquia que ficaria responsável pela arrecadação, a fiscalização e o acompanhamento tributário.
A mudança deixaria a cargo do Ministério da Economia a elaboração das políticas tributárias. Atualmente, uma das funções da Receita é participar da formulação dessas políticas.
Em linha com a equipe de Guedes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nesta quarta que a Receita tem superpoderes e defendeu que o órgão seja reorganizado. "A parte de regulação certamente poderia estar num outro órgão do Ministério da Economia. A Receita deveria ficar com a fiscalização e, claro, com a arrecadação. E as outras partes... que se construísse outros modelos que não fossem tão contrários ao interesse do pagador de imposto", disse.
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Hoje, o órgão é vinculado ao Ministério da Economia e, portanto, subordinado ao ministro Paulo Guedes. A pasta faz um estudo para levantar os formatos adotados em outros países. A reestruturação deve criar limites internos para impedir o que interlocutores de Guedes chamam de abusos, como quando servidores da Receita tentaram acessar dados do presidente Jair Bolsonaro sem autorização.
O ministério vive hoje um bombardeio direcionado a dois de seus órgãos: a Receita e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Incomodou a classe política e integrantes do Judiciário o fechamento de cerco feito recentemente a autoridades pelos dois órgãos.
Soma-se a isso o plano de Cintra de criar um imposto semelhante à CPMF, medida impopular e que sofre resistência no Congresso. As ações de Cintra têm desagradado em especial ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), com quem já teve ao menos quatro desavenças desde o início do ano.
O caso mais latente é a discussão sobre a criação do imposto sobre pagamentos, uma espécie de CPMF. Enquanto Cintra fala abertamente sobre o tributo, o presidente diz que seu governo não recriará a contribuição.
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro dizem que as reclamações em torno da CPMF são apenas a cereja do bolo de uma série de queixas. Ele tem reclamado de ações da Receita e do Coaf que tiveram sua família como alvo. Seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é alvo de apuração que teve como base relatórios do Coaf e dados fiscais. Na visão do presidente, as investigações têm como objetivo atingi-lo indiretamente.
Em um desdobramento da crise, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, suspendeu investigações criminais que usem dados de órgãos como Receita e Coaf sem autorização judicial. Em outra frente, o ministro do STF Alexandre de Moraes barrou procedimentos instaurados na Receita que atingiram ministros da corte e outras autoridades.
Na semana passada, Bolsonaro já reconheceu, por exemplo, que pretende retirar o Coaf do Ministério da Economia e colocá-lo sob o guarda-chuva do Banco Central. A justificativa seria para tirar o órgão do "jogo político". Nesse mesmo contexto, passou-se a promover uma caça às bruxas na Receita.
Desde a última semana, Guedes vem discutindo com a área técnica possíveis soluções para o Coaf e a Receita. Ele reconhece que há uma crise institucional gerada por questionamentos nos três poderes. Se transformar a Receita em uma autarquia, o governo pode ter maior liberdade para fazer a ocupação de cargos. Nos moldes das agências reguladoras, por exemplo, a nomeação é feita pelo presidente, com exigência de aprovação do Senado.
Hoje, apenas o secretário da Receita e ocupantes de seu gabinete são de livre escolha. Todos os outros cargos comissionados, como subsecretários, chefes de departamento, coordenadores e gerentes, devem ser ocupados por servidores do órgão.
A possibilidade de abrir o órgão para nomeações de não-servidores preocupa presidente do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita). "Seria uma abertura para a influência política. Não é transformando em autarquia que vai oferecer maior ou menor resistência a pressões", disse.
Internamente, o Ministério da Economia mantém o apoio a Cintra, mas passou a reconhecer a necessidade de reestruturar o órgão. Já o desentendimento entre o chefe do Executivo e Cintra vem desde o quarto dia de governo. Em 4 de janeiro, o secretário disse que Bolsonaro se confundiu ao afirmar, horas antes, que havia assinado um decreto autorizando o aumento do IOF.
Pessoas próximas ao assunto disseram à reportagem que o presidente chegou a assinar o documento, mas voltou atrás após orientações do Ministério da Economia, contrário ao aumento de impostos. Outra desavença se deu em maio, quando Cintra disse ao jornal Folha de S.Paulo que a reforma tributária resultaria no pagamento de impostos até sobre o dízimo para igrejas.
Eleito com forte apoio dos evangélicos, Bolsonaro logo gravou um vídeo para desmentir a fala do secretário.