Crítica: 'Bacurau' é retrato de um Brasil que não se rende

O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, trabalho premiado mundo afora, ganha pré-estreia oficial amanhã, e traz às telas a força do Sertão nordestino

Cena do funeral de Carmelita, no filme 'Bacurau' - Victor Jucá/Divulgação

Quando a lista de indicados à categoria de melhor filme estrangeiro for lida na cerimônia de premiação do Oscar 2020, em Los Angeles, é bem provável que os pernambucanos ouçam um nome familiar. É que "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, está entre os 12 longas-metragens brasileiros que concorrem a uma vaga na disputa. As chances são grandes, já que a produção vem obtendo conquistas importantes, como o prêmio do júri no Festival de Cannes e Melhor Filme, Melhor Direção e Prêmio da Crítica Internacional no 23º Festival de Lima, no Peru. Mas ainda que o favoritismo não se confirme, é certo que a obra já tem seu lugar garantido na história do cinema brasileiro.

Com sessões de pré-estreia disponíveis em várias salas de cinema nesta sexta-feira (23) e no sábado (24), o filme é uma homenagem à resiliência do povo nordestino. Bacurau, vilarejo fictício cravado no Sertão pernambucano, é uma Canudos moderna, um foco de resistência em um futuro distópico. A placa na estrada de acesso saúda o possível visitante com a frase: "Se for, vá na paz". É um alerta de que o povo dessa região pode até parecer vulnerável, mas sabe muito bem como se defender.

Quando o povoado simplesmente some do mapa e uma série de assassinatos misteriosos começa a acontecer, a comunidade se une para preparar a reação. E não espere um diálogo pacifista e conciliador. A regra que impera nesta terra esquecida é matar ou morrer.

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A cidade de Parelhas, no Rio Grande do Norte, onde as cenas foram rodadas, ganhou uma exibição ao ar-livre do longa, na noite desta quinta-feira (22), com presença de parte da equipe envolvida no projeto. Também estarão na sessão de pré-estreia do filme no Cinema São Luiz, neste sábado, às 19h30. O elenco traz nomes de peso, como Sônia Braga e o alemão Udo Kier, além de Thomás Aquino, Silvero Pereira, Bárbara Colen, Wilson Rabelo, Karine Teles e uma participação especial de Lia de Itamaracá.



Ainda que Kleber Mendonça já tenha explicado em entrevistas que a intenção do filme não é mandar um recado ao atual governo, é difícil não sentir a carga política da obra. Na utópica Bacurau, as pessoas vivem despidas de preconceitos, valorizam a cultura e a educação, desprezam o discurso de políticos aproveitadores e possuem um forte senso de comunidade. Talvez por possuir essas características e por seu isolamento geográfico, a pequena cidade vira alvo de pistoleiros norte-americanos que matam apenas por prazer. A realidade do País e do mundo é exposta de maneira metafórica. A leitura fica totalmente a cargo do público.

Cena de 'Bacurau' - Crédito: Victor Jucá/Divulgação



Muito da expectativa em torno de "Bacuaru" é resultado do sucesso alcançado por "Aquarius", filme anterior de Kleber. É bom avisar que, ainda que o traço autoral do cineasta esteja lá, o novo longa é guiado por escolhas narrativas e gêneros cinematográficos muito diferentes. Distanciados da Zona Sul do Recife e adentrando o Brasil profundo, os diretores misturam faroeste, terror e ficção científica, com doses cavalares de violência, à lá Tarantino.

Também ao contrário da saga de Clara, a trama não tem como alicerce um único protagonista. É um verdadeiro desfile de personagens instigantes, que, com certeza, renderiam uma porção de histórias paralelas. Tipos como a médica Domingas (Sônia Braga) e o justiceiro Lunga (Silvero Pereira) são um retrato de uma brasilidade que insiste em não se render e, exatamente por isso, possuem um magnetismo que transborda na tela.