Em crise, Bolsonaro ensaia reaproximação com militares na cúpula do governo

Na tentativa de afastar a pecha de que é tutelado no cargo, Bolsonaro se distanciou da cúpula militar e diminuiu a influência dos generais

Presidente Jair Bolsonaro - Alan Santos/PR

Após jantar com o presidente Jair Bolsonaro, na última terça-feira (20), quatro ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) deixaram o Palácio da Alvorada com uma dúvida: "Como chama aquele general da articulação política?", questionaram, em conversa com a Folha de S.Paulo.

Um deles arriscou um palpite: "Santos, né?", referindo-se ao general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido em junho pelo presidente. A resposta certa era Luiz Eduardo Ramos, que chefia a Secretaria de Governo.

Em governos anteriores, os articuladores políticos do governo costumavam ser rostos conhecidos, mas não depois de mudança instituída pelo presidente na correlação de forças do Palácio do Planalto.

Na tentativa de afastar a pecha de que é tutelado no cargo, Bolsonaro se distanciou da cúpula militar e diminuiu a influência dos generais palacianos em decisões do governo.

Antes com forte ascendência sobre o chefe do Poder Executivo, o núcleo fardado passou a ser menos ouvido pelo presidente, perder quedas de braço com o grupo ideológico e ser atravessado em decisões administrativas.

Na última quinta-feira (22), com a eclosão da crise ambiental, o presidente alterou a postura e, agora, ensaia uma reaproximação, na tentativa de ganhar respaldo contra a pressão internacional pela série de incêndios na floresta amazônica.

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Ao evocar o princípio da soberania nacional, que é caro ao núcleo militar, ele entrou em contato com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e costurou decreto que permitiu o emprego das Forças Armadas na Amazônia Legal.

Nas redes sociais, em mais um aceno de mudança, compartilhou entrevista do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e considerado um decano entre os militares, na qual ele se posicionou contra a interferência de nações estrangeiras nas discussões sobre preservação ambiental no Brasil.

Apesar da utilização do contingente militar para o combate ao crime ser um tema controverso entre membros do comando, a reaproximação do presidente foi bem-vista por integrantes do núcleo fardado. Eles ponderam, contudo, que ainda é necessário aguardar para ver se o movimento não é apenas de ocasião.

Desde o início do mandato, o grupo militar vinha exercendo um papel moderador no Palácio do Planalto. Incomodado com a fama de ser influenciado, no entanto, o presidente passou a ignorá-lo e radicalizou o discurso em uma tentativa de demonstrar independência.

Com a a adoção de uma retórica de que quem manda é ele, Bolsonaro tem repetido que não quer passar para a história como um "banana". Em conversas reservadas, tem dito que não quer repetir o erro da ex-presidente Dilma Rousseff, que passou o mandato à sombra de seu padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva.

"Não sou e não serei um Dilmo de calças. Eu tenho minhas opiniões", disse a auxiliares presidenciais que relataram o diálogo à Folha. A nova postura foi adotada em três episódios recentes, nos quais o presidente encampou posições contrárias às defendidas pelos militares palacianos: a privatização de empresas públicas, como a Petrobras, a classificação da organização libanesa Hizbullah como terrorista, e o confronto com o candidato oposicionista na Argentina, Alberto Fernández.

No último deles, ocorrido na semana retrasada, horas antes de Bolsonaro desferir ataques ao vencedor das primárias argentinas, o general e vice-presidente Hamilton Mourão havia afirmado que o presidente Mauricio Macri sofreu uma derrota "meio contundente" e que o governo brasileiro deve dialogar com o oposicionista caso ele vença a eleição presidencial.

"Não, o que é isso? Está doido?", respondeu Mourão à Folha de S.Paulo na última quinta-feira (22) quando perguntado se Bolsonaro era tutelado pelas forças militares. "O presidente foi eleito e ele é tutelado pelo povo que o elegeu. São esses os tutores dele", acrescentou.

No início do governo, o general e ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, era chamado de "sombra" do presidente e considerado o homem forte da nova gestão. Recentemente, porém, desapareceu das lives semanais de Bolsonaro em redes sociais, nas quais era presença constante no começo da administração.

Além disso, o presidente fez questão de nomear uma escolha pessoal para o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), principal estrutura subordinada à pasta do general. O designado foi o delegado federal Alexandre Ramagem, que coordenou a sua segurança durante a campanha eleitoral e se tornou amigo de sua família.

Em uma interferência também de Bolsonaro, a Secretaria de Comunicação Social ( Secom), subordinada à Secretaria de Governo, teve de demitir o secretário de imprensa do Palácio do Planalto Paulo Fona, cuja contratação havia sido chancelada pelo general Ramos.

A decisão, tomada após o presidente descobrir que o jornalista já havia sido filiado ao PT, causou constrangimento ao militar, que, antes da exoneração, distribuía elogios ao profissional.

A mudança do presidente também afetou a função do porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, que teve o papel de fazer os anúncios oficiais ofuscado pelo próprio Bolsonaro. O presidente passou a ser ele próprio o mensageiro das iniciativas do governo, em entrevistas diárias na entrada do Palácio do Alvorada.

"Neste governo, general tem que bater continência para o capitão. Quem não entender isso, tem que cair fora. E não adianta bater continência na frente e falar mal por trás que a gente descobre", defende o deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP), um dos principais aliados de Bolsonaro na Câmara.

O distanciamento do presidente da cúpula fardada ocorreu em paralelo a um flerte dos militares de menor patente com ele, o que tem preocupado integrantes do comando das Forças Armadas. No último dia 16, por exemplo, Bolsonaro recebeu no gabinete presidencial, em audiências reservadas, dois coronéis, um da ativa e outro da reserva.

Na última quinta-feira (22), suboficiais das Forças Armadas protestaram em frente ao Ministério da Defesa contra projeto de lei que reorganiza a carreira das Forças Armadas, proposta apresentada pelo próprio presidente.

"Nós estamos aqui em respeito ao presidente, não contra ele. Não queremos que ele seja enganado", disse o suboficial reformado Rivelino da Silva de Souza, para quem Bolsonaro foi influenciado pelos generais do governo para enviar a iniciativa ao Poder Legislativo.

Na campanha eleitoral, integrantes das Forças Armadas pediram à equipe do hoje presidente que evitasse fazer contato direto com militares de baixa patente, priorizando a interlocução com a alta cúpula. O objetivo era, assim, não haver risco de subverter a disciplina e a hierarquia militar.

"As Forças Armadas não estão no governo, inclusive os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica têm aparecido menos na mídia do que os dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer", avaliou o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva. "É um engano crer que elas estejam participando efetivamente do governo", acrescentou.