Mais mulheres na cozinha

Nova geração de profissionais mulheres faz da gastronomia espaço de empoderamento

Manu Galvão é quem comanda a cozinha na Garrido Galeria, em Casa Forte - Leo Malafaia/Folha de Pernambuco

Cá entre nós, qualquer ti­po de generalização é, no mínimo, perigosa. Es­tereótipos são usados para limitar pessoas com base nos comportamentos e características que muitas vezes não condizem com a realidade. Um exemplo clássico é aquele que diz que cozinheiras seriam aquelas senhoras com avental amarrado na cintura e que cozinham super bem. Não negamos a existência de­las, claro. Em alguns casos, a tal senhorinha pode ser a alma de grandes restaurantes tradicionais mundo afora, mas muita coisa mudou desde a década de 1970, época em que esse clichê era mais comum.

No âmbito profissional, as figuras masculinas se espalharam pela cozinha e tomaram espaço em restaurantes e premiações, enquanto as mulheres - incluindo as tradicio­nais senhoras - ficaram amuadas no canto da cozinha, muitas vezes com funções sem destaque, descascando ou cortando frutas e verduras, enquanto os homens eram vistos como chefes do lugar e como única fonte de criatividade na hora de elaborar e montar um prato.

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Felizmente, a mudança continua acontecendo e, hoje, novas líderes gastronômicas voltam a ganhar força. No Recife, a procura por cursos na área é predominantemente feminina. Segundo Luciana Sultanum, chef e coordenadora do curso de Gastronomia da Faculdade Senac Pernambuco, 62,7% da procura vem das mulheres.

Amor pela cozinha

O carinho e o amor pelos alimentos como forma de refúgio é o que une esse grupo de jovens mulheres que arregaçaram as mangas em busca da sua própria voz no mercado gastronômico. Desde que tinha sete anos, Manuela Galvão já perguntava para a avó os ingredientes necessários para se fazer um bolo. Com 17 anos passou aproximadamente três semanas em um café chamado Aujourd’hui, na Zona Norte do Recife, lavando prato, descascando batata e cortando cebola, até ser convidada para ministrar um evento sobre hambúrguer no local. Foi a primeira oportunidade de comandar uma cozinha e receber amigos e família.

Para a cozinheira, agora com 23 anos, a nova geração de jovens es­tá vindo mostrar que existe lugar para quem está no início. “O merca­do é muito complicado para quem está começando e, principal­mente, para as mulheres, a experiência vem das oportunidades, mas é difícil você conseguir se as pessoas não te respeitam”, constata.

Manu chegou a fazer um período de Arquitetura e outro de Direito antes de enveredar pela cozinha. “Só fui entender que queria trabalhar com comida quando tive depressão. Depois disso, resolvi fazer o que eu gosto: cozinhar”, diz Manu. “Não sei se foi a cozinha que me salvou ou se me encontrei na vida, mas foi quando tudo começou a ficar bem”, conta.

Tendo passado por auxiliar no Oma Bistrô e de ter trabalhado no Cobra Restaurante, atualmente, Manu é responsável pela cozinha da Garrido Galeria, criando o menu da cafeteria do local. E não acaba por aí. A jovem chef também reserva dias especiais para o projeto “Manu Convida”, na própria galeria, quando dá total liberdade para que chefs e cozinheiros convidados executem seus pratos. “A ideia é fugir do padrão, convidar profissionais e unir as pessoas, dando voz a todo mundo, e misturando a arte da comida com a da exposição”, finaliza.

Desafios

Montar um negócio do zero não é nada fácil, principalmente se você é mulher e o mercado de trabalho não favorece. Mas isso não diminuiu a vontade de Lilian Holanda de se destacar em sua carreira. Depois de quase concluir Engenharia Química na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ela percebeu que não estava feliz. Decidiu correr atrás dos seus sonhos quando entendeu que era na cozinha onde encontrava paz. “Por ser baiana, e ter vindo morar no Recife em 2012, me apeguei à comida quando me vi tendo que cozinhar para mim e meu irmão”, conta.

“A carreira na cozinha é um desafio em vários aspectos, cansaço físico, abdicar momentos com quem você gosta, datas comemorativas, fins de semana, geralmente são os dias mais importantes no trabalho”, comenta Lilian.

Em parceria com suas duas colegas de turma, July Bias e Kaoana Iannuzzi, todas com 25 anos, criaram o Salsa Cozinha Afetiva. Três jovens mulheres sem experiência e com pouco investimento, mas com muita vontade de fazer acontecer - uma das principais características da nova geração de chefs mulheres.

“Eu entrei tendo plena consciência de que é um trabalho quase que tomado pelos homens, dificilmente ouvia falar de uma mulher comandando uma cozinha. Sempre trabalhei para homens e recebi ordem deles. Mas depois tive a oportunidade de conhecer grandes mulheres cozinheiras que me abriram os olhos para outros caminhos”, diz Kaoana.

No meio do caminho

As mulheres estão comandando muitas cozinhas por aí. Claro que o patriarcado ainda está bastante presente e enraizado, mas o movimento de mudança está em curso. “Hoje em dia, só trabalho com mulheres e vejo o quão capazes, fortes e dedicadas nós somos. Já presenciei momentos em que não fui levada a sério por ser mulher e muito jovem, mas estamos mudando isso. Também podemos ficar 10 horas em pé na cozinha, levando cortes e queimaduras, temos tanta força quanto os homens”, defende Lilian.

Martina Cavalcante, 22, é sub-chef no restaurante Cá-Já e também ressalta a jornada de trabalho nos finais de semana e a maneira com que mulheres devem encarar as problemáticas do dia a dia. “A realidade é que trabalhamos no seu horário de lazer, me orgulho muito das mulheres que peitam esse sistema machista. Para as futuras chefs de cozinha desejo muito sucesso e que consigam administrar um ambiente menos tóxico e competitivo, buscando também equidade de gênero para sua brigada”, comenta.

Já Monize Guimarães, 30, cozinheira e sócia do Cobra Restaurante, no Parnamirim, afirma que, como mulher, já se deparou com machismo dentro e fora da profissão e que isso determinou como elas (Monize e Nina Wicks, sua sócia) se firmaram no mercado. “Foi com essa consciência que quando idealizamos o Cobra decidimos que a equipe seria formada apenas por mulheres, e que a gente pudesse proporcionar um ambiente de trabalho seguro e acolhedor para elas”, diz ela.

Um café, por favor

O universo da bebida também tem seus percalços. Carolina Xavier, 25, sempre contou com o apoio da família, mas precisou renunciar de momentos da sua vida pessoal. “Trabalhar como barista é uma realização pra mim, mas para isso eu abdico um pouco do tempo que eu teria com a minha família”, conta.

Atualmente, ela trabalha no Kaffe Torrefação e Treinamento, em Boa Viagem, adquirindo conhecimento e aprendizado. “Comecei a estudar, pesquisar e fazer cursos para me especializar e me inserir melhor no mundo do café. Já passei por três cafeterias, ganhei experiência, fiz amigos, conheci muitas pessoas do ramo e sigo com vontade de aprender e melhorar cada vez mais enquanto profissional”, diz Carolina.

“As mulheres estão cada vez mais independentes, dispostas e focadas. Sem medo de arriscar ou se aventurar no novo. Essa determinação faz com que as mulheres se destaquem cada vez mais no mercado de trabalho”, finaliza Carol.

Serviço:

Garrido Galeria
Endereço: rua Samuel de Farias, 245, Casa Forte
Informações no Instagram: @garridogaleria

Salsa Comida Afetiva
Fica no Cordeiro, abre com datas marcadas e endereço sob consulta
Informações no Instagram: @salsacozinhaafetiva

Cobra Restaurante
Endereço: rua Engenheiro Clóvis de Castro, 62, Parnamirim
Informações: 3204.7967

Kaffe Torrefação e Treinamento
Endereço: av. Conselheiro Aguiar, 2178, loja 01, Boa Viagem
Informações: 3132.2522

Cá-Já
Endereço: rua Carneiro Vilela, 648, Aflitos
Informações: 3126.0648