Pátios do Centro são testemunhas da história do Recife

Espaços criados para o convívio social foram sendo descaracterizados ao longo das épocas

Pátios do Centro do Recife, herança da época colonia. Na foto: Pátio de Santa Cruz - Arthur de Souza / Folha de Pernambuco

Verdadeiras heranças da época colonial, os pátios do Centro do Recife têm na essência de suas criações uma função agregadora e de promoção do convívio social. Espiradouros em meio às ruas tumultuadas dos bairros de São José, Santo Antônio e Boa Vista, eles testemunharam a evolução histórica e urbana da Capital pernambucana. Contudo, inseguros e distantes dos que se propunham, atualmente esses espaços afastam mais do que atraem recifenses e turistas.

Apesar de a importância histórica e até mesmo da atualidade, esses locais acabam passando despercebidos por muitas pessoas. Quem circula por eles quer vê-los recuperados. Há também quem aponte falta de zelo por parte da própria população. Enquanto alguns ainda mantêm a proposta religiosa original, outros foram descaracterizados pelo comércio intenso e transformados em estacionamento.

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Confundido por muitos como uma ampla calçada, o Pátio do Carmo, em frente à Basílica de Nossa Senhora do Carmo, é um dos mais importantes espaços religiosos do Recife. O local é um dos poucos que ainda é palco de grandes acontecimentos sacros, como os que acontecem na época de celebrar a padroeira da Cidade. Também costuma receber comícios e manifestações políticas, como o recente Festival Lula Livre, em celebração à saída do ex-presidente da prisão. Lá, ainda são instalados estandes para campanhas de saúde e outros serviços.

Devido a sua importância, tanto a basílica quanto o convento, junto com o largo, foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1938. Segundo o Iphan, o pátio está incluso no projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas de restauração do Conjunto do Carmo e entorno. Formado por pedras portuguesas, os buracos se fazem presentes no Pátio do Carmo, apesar de recentemente a Emlurb ter feito a reposição de pedras portuguesas mineiras (que possuem maior aderência) no piso do pátio.

Há poucos metros dali, o dono do restaurante Buraco do Sargento, no Pátio de São Pedro, há 35 anos, Paulo Roberto Nascimento, conta que sente saudade da época em que o local era mais movimentado. "Além da falta de eventos que possam atrair as pessoas, falta segurança. É absurdo um centro turístico tão importante como esse estar abandonado. Já cheguei a ter 16 funcionários no meu estabelecimento. Hoje, são apenas três, por conta da falta de demanda", disse.

Tombado pelo Iphan em 1983, o pátio é datado de 1.700 e nasceu junto com a Igreja de São Pedro dos Clérigos. As casas de estilo barroco que o rodeiam e o calçamento de grandes pedras irregulares dão um charme diferenciado ao local. Apesar de seu nascimento religioso, atualmente o espaço está mais ligado às manifestações culturais, abrigando os memoriais Luiz Gonzaga e Chico Science. É lá também que acontece, às terças-feiras, o evento "Terça Negra", que engloba apresentações artísticas associadas à cultura africana e regional.

Poucos lembrados, mas não menos importantes, os pátios de São Gonçalo e do Terço, onde acontece a Noite dos Tambores Silenciosos, no Carnaval, foram tomados pelos carros. O comércio desenfreado foi um dos grandes responsáveis pela descaracterização desses locais. "Praticamente não tem mais espaço para pedestres. Já quase fui atropelado", lembra o vendedor de picolé Juarez Luiz França, 43, que há mais de dez anos comercializa próximo a Igreja de Nossa Senhora do Terço.

Ponto de referência para um dos locais mais agitados do comércio do Centro, o Pátio do Livramento é cercado por lojas e restaurantes instalados em casarios com estilo barroco. Localizado em uma área altamente comercial, o local não recebe mais procissões ou celebra suas festas como outrora. Apesar disto, ainda há missas regulares na igreja nos finais de semana. No local, há bancos de madeira e algumas poucas árvores plantadas que dão um ar de antigamente ao espaço.

Há cerca de sete anos, o cozinheiro José Gerônimo Vicente, 49, trabalhar em um restaurante no local. Para ele um dos principais problemas é a falta de segurança. "Constantemente presenciamos ou ouvimos relatos de assaltos. Deveria haver mais câmeras de segurança da SDS (Secretaria de Defesa Social) e policiamento para inibir os bandidos", disse enquanto aproveitava a sombra da Igreja do Livramento (ou do Bom Parto), datada do século 18.

Eventos

Segundo a professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Rita Sá Carneiro, é sempre importante haver uma programação multicultural nesses locais pois eles ficam muito ligados às edificações religiosas. "Para poder valorizar mais esses espaços históricos, pois eles têm uma importância muito grande para visitação e reconhecimento da cidade como pontos turísticos. São espaços de contemplação e relevantes para a questão da paisagem urbana. No pátio você pode admirar a igreja e o casario no entorno."

A pesquisadora acredita que é justamente a falta de eventos que fazem os pátios passarem despercebidos pela população. "Espaços de uma presença e referência histórica tão importante, mas de repente, por causa dessa dinâmica urbana que agora é outra, faz com que sejam esquecidos", comentou. O coordenador do curso de história da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Flávio Cabral, corrobora esta opinião. Ele afirma que é preciso pensar ações para retomar o convívio nos pátios.

"Precisamos viver a cidade, ter tempo para olhar os casarios antigos, mas falta uma política de conservação desses espaços e de educação patrimonial. Com a descaracterização destes locais perdemos muito histórica e urbanisticamente falando. Isso chama atenção de quem vem de fora, seja turista externo ou interno. As pessoas querem ver o que há de diferente de uma cidade para outra, não têm interesse em ver tudo igual", comentou Cabral.

Mesmo com essa falta de incentivo apontada por estudiosos e recifenses, ainda é possível encontrar quem pare para contemplar as belezas destes locais. Como é o caso da dona de casa Bleanne Torres, 28 anos. Moradora do bairro de Afogados, na Zona Norte da capital, ela conta que costuma circular pelos pátios do Carmo e Livramento quando vai ao Centro. "Gosto de observar as construções antigas, ver o movimento, imaginar as histórias que já foram vividas nestes locais", disse.

Ocupação criativa

Visando criar mecanismos de participação popular e de construção colaborativa de políticas públicas para assegurar uma ocupação mais criativa e efetiva do Pátio de São Pedro, a Prefeitura do Recife está tocando o projeto Pátio Criativo. Criado pelas secretarias de Cultura e de Turismo, Esportes e Lazer e pela Fundação de Cultura da Cidade, o projeto prevê a complementação do atual calendário cultural do pátio com uma série de outras programações e intervenções.

"A iniciativa se relaciona com esse posicionamento da prefeitura de buscar projetos democráticos, populares, inovadores, que atendam as demandas da população e sejam co-construídos junto a sociedade civil, empresários, ativadores culturais, empreendedores que trabalham no pátio e no entorno", disse a secretária de Turismo, Ana Paula Vilaça. Segundo a gestora, se este projeto piloto der certo, a intenção é levar para os demais pátios da cidade.

Uma das exigências da gestão pública é que os imóveis sejam ocupados de forma colaborativa e criativa, agregando vários empreendedores em um mesmo espaço e ofertando serviços e produtos diversos. Outra demanda determinante é que as propostas valorizem a identidade pernambucana e a cultura afro, e que dialoguem com o Pátio de São Pedro e adjacências do bairro de Santo Antônio.

Do ponto de vista do usufruto e ocupação desses pátios, a administração pública municipal oferece ações e as mais diversas programações culturais, de acordo com a Secretaria de Cultura. O Pátio de São Pedro, por exemplo, sediou mais de 15 dias de programação oficial do Carnaval, neste ano, recebendo desde concursos e ensaios às quatro edições momescas da Terça Negra. Uma vez por mês acontece a Terça Negra, cujas datas e atrações são definidas pelo Movimento Negro Unificado, assegurando o usufruto do espaço durante o ano inteiro.

Por meio de nota, a Emlurb informou que irá fazer um levantamento e consultar junto ao Iphan as ações adequadas para o restauro da iluminação do Pátio de São Pedro. A partir desse levantamento a autarquia poderá desenvolver um novo projeto para a iluminação do local. Já a Polícia Militar informou que diariamente dispõe motopatrulheiros, Ciclo Patrulhas, guarnições táticas, e policiamento na modalidade a pé para realizar a segurança nos pátios citados.

Os locais contam ainda, a partir desta semana, com o reforço da Operação Papai Noel, além das operações Cerne e de combate aos homicídios e crimes contra o patrimônio, que executam rondas com abordagens nos locais com objetivo de inibir ações criminosas. O Núcleo de Inteligência da corporação está fazendo o levantamento da área, a fim de serem repassadas as informações para o policiamento ostensivo com o intuito prender suspeitos no caso da prática de delitos.