Samba de Paulinho da Viola 'amadurece' em álbum de Zé Renato

Com produção de Lula Queiroga, 'O Amor é um Segredo - Zé Renato canta Paulinho da Viola' enaltece sambas de Paulinho em voz e violão

Disco de Zé Renato está disponível nas plataformas digitais e em CD - Divulgação

Ela se chama Maria do Carmo da Silva, ele Paulo Antônio da Silva. Ela tem 61 e ele 60 anos de idade. Em comum aos dois, o amor, daquele que é avesso aos contos de fadas e, portanto, palpável, possível e real, sem deixar de ser entregue a delicadezas. Talvez seja esse o segredo do casal de Nazaré da Mata que estampa a capa do recente "O Amor é um Segredo - Zé Renato canta Paulinho da Viola", álbum que traz à tona raridades do repertório do sambista carioca, cuidadosamente compilados por Zé, músico capixaba que reside no Rio mas que já convive e bem com os ares pernambucanos, e faz tempo.

Não à toa que foi pelas bandas de cá, em um único dia, que o disco foi gravado. "Foi a coisa mais simples e tranquila. Ele acompanhado do seu violão, deixou pronta as nove canções", conta o recifense Lula Queiroga, que abriu seu estúdio Luni, em setembro do ano passado, para receber o amigo e parceiro de longas datas, desde o tempo do "Baque Solto" e de suas andanças no Rio de Janeiro ao lado de Lenine. "A primeira coisa que fiz quando cheguei lá foi ir ao show do Boca Livre, eu nem conhecia o Zé", contou ele em conversa com a Folha de Pernambuco.

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Laços fincados e talentos somados, fatalmente bons frutos renderiam para a nossa música. Com as canções escolhidas, faltava "a capa" para o álbum, condizente com os versos de Paulinho melodiados por Zé Renato que, com propriedade, enalteceu sentimentos e reverenciou o samba em sua essência de tristezas, melancolias e desilusões.

"Eu até tinha feito um ensaio de fotos no Rio, em um bar. Seria a ideia inicial para ser usada, mas ele (Lula) me disse que não era nada daquilo e que tinha pensado em um casal maduro, negro, dando um beijo amoroso, apaixonado. Abstraí em segundos a mensagem e ele tinha toda razão. A capa ficou maravilhosa, e isso é o Lula Queiroga", vangloria-se Zé. "A leitura dele foi perfeita. Combinou totalmente com o que estávamos querendo dizer com o disco e com as canções, além de toda a simbologia de um casal que, em um momento tão complicado como o que vivemos, passa o recado", completa.

Autoexplicável, a capa abre a sequência de sutilezas que vem a seguir, com cada uma das músicas do disco. Desde a primeira delas "Caso Perdido", passando por "Sofrer", "Lua", "Só o Tempo", "Cidade Submersa", "Foi Demais", "Vida", "Para um Amor no Recife" e "Minhas Madrugadas", a maioria delas com percussão de Tostão Queiroga, irmão de Lula. O álbum também teve a participação de Fabinho Costa e Spok. "Fiz uma playlist do Paulinho e percebi que algumas de suas canções tinham sido pouco ouvidas por aí. Ainda tinham histórias a ser contadas, e isso fazia sentido, dedicar um trabalho a ele que pudesse soar como novidade", contou Zé que aliado ao violão, redescobriu caminhos peculiares para o samba.

"O violão aproxima as canções de minha própria história, porque é o meu jeito de tocar, traça meu cantar e me entrega harmonias", complementa. "Paulinho toca com muita nota, quando grava com cavaquinho, bandolim, pandeiro, baixo. Zé Renato com o violão, trouxe notas mais esparsas, a voz dele apareceu muito mais, o disco não tirou o melódco das músicas e as letras permaneceram carregadas, como um amor maduro", reforça Queiroga.




Lançado nas plataformas digitais e em CD, "Amor é um Segredo - Zé Renato canta Paulinho da Viola" retoma o lado intérprete do cantor e compositor, que segue a todo vapor em carreira solo, em paralelo ao que constrói com linearidade junto ao quarteto vocal do Boca Livre.

Embebido pelos desalentos típicos ao gênero, que como diria Caetano Veloso "A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim", Zé Renato fica à vontade ao emprestar em voz, violão e assovios sua interpretação aos ditos de um dos nomes de peso da música brasileira. Da grata surpresa de uma capa que fala por si só até a escolha do repertório, o disco, tomado por parcerias irrepreensíveis, escapa ao comum, embeleza os (bons) ouvidos e toma lugar cativo no acervo de nosso cancioneiro.

"Essa história da capa pensada pelo Lula, o disco em si, enfim, acaba sendo quase que um manifesto de delicadezas, como resposta a tanta rudeza e brutalidade. O horizonte é difícil, estamos sendo postos à prova, a cultura tem soado como inimiga mas nesse momento o artista tem papel importante", conclui o músico capixaba que neste trabalho nos abraça com muitas pernambucanidades.