Bloco das Flores: lirismo é coroado no Carnaval do Recife

O tradicional Bloco das Flores, que celebra os seus 100 anos em 2020, é, merecidamente, um dos homenageados da folia do Recife este ano

Bloco das Flores - Andrea Rego Barros/PCR/Divulgação

No famoso frevo "Evocação nº 1", de 1957, o compositor Nelson Ferreira evoca com saudosismo os blocos carnavalescos que ficaram no passado. Entre as agremiações citadas na nostálgica canção, no entanto, uma segue bem ativa na folia pernambucana. É o Bloco das Flores, que, em 2020, celebra os cem anos da sua fundação e é um dos homenageados do Carnaval do Recife.

Fundado pelo comerciante português Pedro Salgado (cujo nome também é lembrado na música de Nelson Ferreira), o primeiro bloco lírico de Pernambuco nasceu em 1920, no bairro de São José. A intenção era permitir que as "moças de família" também brincassem o Carnaval das ruas em segurança. Inicialmente batizado de Bloco das Flores Brancas, o grupo desfilou em sua estreia com cem mulheres vestidas de branco.

"Foi Guilherme de Araújo, que trabalhava para o Jornal Pequeno, que sugeriu a mudança no nome. A filha de Pedro, Olyria, também foi decisiva para que a alteração acontecesse dois anos depois da fundação do bloco", afirma Jane Emirce de Melo, pesquisadora e uma das organizadoras do Bloco das Flores.

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Os ensaios da agremiação aconteciam na casa do próprio Pedro Salgado (rua Imperial, nº 365), que chegou ao Brasil com 18 anos de idade. Embora não desfilasse, o português era o presidente e mantenedor do bloco. Sua influência na cultura pernambucana não se restringia ao Carnaval. Em 1926, ele estrelou o filme "A Filha do Advogado", considerado um marco do chamado Ciclo do Recife. Logo no primeiro desfile do Bloco das Flores, o comerciante patrocinou com recursos próprios uma orquestra com 50 músicos para acompanhar o cortejo.

Pedro Salgado, fundador do Bloco das Flores - Crédito: Bloco das Flores/Acervo



Foi Jane, acompanhada por um grupo de apoiadores como Francisco de Assis Maciel, Maria dos Prazeres Oliveira de Maria, Vilma Ferreira de Oliveira e Cícero Francisco, que retomou a agremiação. Em 1937, com os falecimentos de Pedro Salgado e Raul Moraes (compositor oficial e diretor da orquestra), o bloco parou de desfilar. Somente no dia 15 de janeiro de 2000 é que o flabelo do bloco voltou a animar os festejos.

"O retorno foi um momento muito emocionante, monumental. Começamos o cortejo na praça Sérgio Loreto, próximo do local onde nasceu o bloco, e fomos seguidos por uma multidão", relembra Jane, que, para ressuscitar o bloco, realizou uma extensa pesquisa nos anos 1990, em matérias de jornais antigos.

Apesar do hiato nas atividades do bloco, suas tradições são preservadas com esmero pelos integrantes do grupo. Além de só permitir que a orquestra toque frevos de bloco, os organizadores preservam nas apresentações elementos como as flores naturais entregues ao público pelas mulheres, os lampiões, o perfume borrifado pelos homens e o jetone (um bombom que, nos ano 1920, era usado para demonstrar interesse amoroso em alguém).

"O bloco lírico, que é um costume próprio do Recife, surgiu muito ligado ao pastoril. As pastoras foram as primeiras a participarem desses. Por isso, os instrumentos também lembram o do folguedo: o saxofone, o clarinete, o pandeiro", diz. Hoje em dia, os foliões são acompanhados por uma orquestra de 15 músicos comandados pelo Maestro Macaíba. Zenaide Araújo, de 78 anos, é a atual presidente do bloco.

Bloco das Flores foi retomado em 2000 - Crédito: Bloco das Flores/Acervo



Mais de 70 foliões fazem parte da agremiação atualmente. Segundo Jane, o quadro de participantes está em constante renovação, com novos integrantes inscritos todos os anos. "Há quem pense que o Bloco das Flores é formado apenas por idosos, mas nós temos pessoas de todas as idades, inclusive muitas crianças", conta. No ano do seu centenário, o grupo desfilará com o tema "O Bloco das Flores, no seu centenário de glória, homenageia o jardim das flores encantadas".

Sem um patrocinador, o bloco sobrevive apenas do esforço de seus participantes e dos cachês das apresentações carnavalescas. A verba, no entanto, não é o suficiente para tirar do papel todos os planos da agremiação. Um dos desejos dos organizadores é gravar um disco em celebração ao centenário, com algumas das várias músicas que saúdam o bloco em suas letras.

A agremiação também não possui uma sede própria e mantém seu rico acervo de adereços, fantasias e registros históricos exposto em um salão improvisado, no bairro de Casa Amarela. "Tentamos realizar muitas coisas em 2019, mas não conseguimos por falta de dinheiro. Agora, com essa visibilidade da homenagem do Carnaval do Recife, temos a esperança que as coisas melhorem", torce.