BNDES desenha modelo de saneamento com estados que divide responsabilidade por água e esgoto
Segundo o presidente do banco, Gustavo Montezano, o modelo deve tornar as empresas mais atraentes para os investidores
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está estruturando um modelo para as empresas de saneamento, com governos estaduais, que desvincularia a distribuição de água da coleta de esgoto, à espera da aprovação no Congresso de um novo marco legal que estimule investimento privado no setor.
Segundo o presidente do banco, Gustavo Montezano, o modelo deve tornar as empresas mais atraentes para os investidores e, ao mesmo tempo, manter a distribuição de água na mão do Estado.
O objetivo, afirmou em conversa durante a reunião do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, é permitir que o governo administre eventuais problemas de consumo, como o que ocorre no Rio de Janeiro, onde a água distribuída pela Cedae tem alterações de cor, gosto e cheiro alterados, preocupando a população. "Água tem que ficar com o Estado."
Leia também:
BNDES vai focar gás, saneamento e meio ambiente em nova fase, diz Montezano
Bolsonaro diz haver erro em auditoria do BNDES e chama Montezano de garoto
BNDES anuncia venda de ações da Petrobras
Montezano disse ter sido indagado por investidores durante o Fórum, que ocorreu no final de janeiro, a respeito da reforma do saneamento -a aprovação do novo marco legal que travou no Congresso no final do ano.
O novo modelo pode ser uma forma de destravá-la. No momento, disse o presidente do BNDES, trabalha-se com três estados: Amapá, Acre e Alagoas. Conforme houver progresso, disse, o Rio de Janeiro entraria na lista.
O Brasil ainda tem 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, e 35 milhões sem acesso a água tratada. Doenças decorrentes da falta de saneamento no SUS custaram R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos.
Os maiores déficits estão nos estados do Norte e do Nordeste. A mudança nas regras seria também uma forma de desatar esse nó e aumentar a cobertura, atraindo investimento privado com uma margem atraente de retorno para um setor onde falta empenho de gestão e dinheiro público.
A reportagem procurou os governos do estados citados por Montezano para verificar o andamento dos processos. Alagoas e Acre traçaram um planejamento para concessão dos serviços de saneamento ainda neste ano. O governo do Amapá não respondeu aos contatos da reportagem até sua conclusão desta reportagem.
Em Alagoas, a concessão será feita em três diferentes lotes. Com valor estimado em R$ 2,5 bilhões, o primeiro deles engloba a região metropolitana de Maceió, que concentra 53% da população do estado.
Na modelagem definida pelo governo do estado, a Casal, estatal de água e saneamento de Alagoas, vai permanecer com as etapas de captação e tratamento da água bruta.
Já a distribuição da água, coleta e tratamento de esgoto ficará sob responsabilidade da concessionária. "É como se a padaria fosse do setor privado, mas o trigo tivesse que ser comprado do ente público", explicou o secretário de Infraestrutura de Alagoas, Maurício Quintela, usando uma analogia similar à evocada por Montezano. Ele afirma que a concessão permitirá ao estado obter os recursos para universalizar o acesso à água tratada em Alagoas em até seis anos.
A expectativa do governo de Alagoas é publicar o edital da concessão do lote Grande Maceió nas próximas semanas e realizar o leilão em abril deste ano. Os outros dois lotes, que englobam a região do agreste e a região sul do estado, devem ser licitados em um segundo momento.
No Acre, a modelagem definida pelo governo do estado prevê a licitação dos serviços de água e esgoto, mas não foram revelados detalhes. A expectativa é captar R$ 1,3 bilhão em recursos privados, dinheiro que será investido na ampliação e melhoria da qualidade do sistema. O abastecimento de água no Acre cobre 92% das famílias, mas a cobertura de coleta de esgoto atinge só 34%.
A ineficiência do sistema, contudo, é o principal gargalo a ser enfrentado. Hoje, cerca de 60% da água tratada que é distribuída se perde, entre perdas físicas por vazamentos e perdas comerciais, com a inadimplência. "Tivemos um investimento relativamente alto nas últimas duas décadas, mas os resultados são pífios. O nível de perdas do nosso sistema é muito elevado", afirma o secretário adjunto de Planejamento Jarbas Anute.
O estado planeja licitar a concessão ainda em 2020. Para isso, corre para obter a autorização das Câmaras Municipais dos 22 municípios do estado atendidos pela estatal de água e saneamento. Até o momento, a legislação que autoriza a concessão foi aprovada em oito cidades.
Na semana passada, durante evento do banco Credit Suisse em São Paulo, Montezano citou o saneamento entre os três setores que considera a nova fronteira para o banco ampliar sua participação.