Locutor que transformou rodeio em show, Asa Branca morre aos 57

Nos últimos meses, Asa Branca passou a dar entrevistas criticando os rodeios e afirmando que a prática gera maus-tratos aos animais

Ex-locutor Asa Branca - Reprodução

Morreu nesta terça-feira (4), aos 57, o ex-locutor de rodeio Asa Branca, no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), onde estava internado desde o dia 14 de janeiro. Ele deixou a mulher, Sandra, com quem era casado havia 11 anos, e filhos. Ainda não há informações sobre o local do velório ou do sepultamento.

Há dois anos, o locutor recebeu diagnóstico de câncer na garganta. O tumor chegou a regredir, mas a doença voltou neste ano, atingindo também a base da boca e dificultando cada vez mais a fala.

Nos últimos meses, Asa Branca passou a dar entrevistas criticando os rodeios e afirmando que a prática gera maus-tratos aos animais. Via como uma tentativa de se redimir.

Já tinha afirmado, em anos anteriores, que há festas de peão amadoras, em que touros eram vítimas de tachinhas ou pregos para que pulassem mais, mas recentemente passou a atacar a prática como um todo, o que foi refutado por grandes eventos.

Dizia que a maioria dos médicos veterinários é contra os rodeios e que, se fosse para ser um animal, não queria ser um usado nas montarias. "Todo dia, antes de dormir, eu peço perdão para Deus se eu incentivei a maltratar os animais", disse.

Outros dois arrependimentos do passado que afirmava ter são os do uso de cocaína e o gasto desmedido de dinheiro. "Das baladas e da mulherada eu não me arrependo."

Histórico
O auge aconteceu nos anos 1990, quando ele chegava a eventos como a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos em helicópteros, saltando de paraquedas ou em tirolesas.

Já narrou montarias dentro de camionetes em movimento e até mesmo em cima de cavalos, o que foi possível por Waldemar Ruy dos Santos, o Asa Branca, ter inovado o estilo de narrar ao descer do palco e ficar dentro das arenas de rodeios.

Até então, locutores lendários como Zé do Prato (1948-1992) não se aventuravam a descer na pista de montarias e ficar perto dos animais que chegam a pesar mais de uma tonelada.

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Tudo foi possível por Asa Branca - apelido recebido por ter hábito de aprisionar pássaros - ter "descoberto" na década anterior o microfone sem fio, quando limpava cocheiras no Texas (EUA). "Era coisa de outro mundo", disse ele –que desistiu de ser peão após ser pisoteado por um touro em 1984– certa vez a este jornalista.

Com a fama e o dinheiro chegaram também os símbolos de autodestruição que vez ou outra atingem artistas: noitadas e abuso de bebidas, drogas e sexo.

Conseguia amealhar até R$ 1 milhão em cachês em um único mês, mas gastava com fretamentos de aviões e helicópteros, prostitutas, muitas garrafas de uísque e cocaína.

Se fora das arenas os excessos consumiam o patrimônio - chegou a dizer ter perdido R$ 10 milhões com farras -, dentro Asa Branca era o principal símbolo da mudança pelas quais os rodeios passavam e que resultaram na profissionalização da prática no país.

Era a época da internacionalização do rodeio de Barretos (1993), do real valorizado (1994), de peão brasileiro sendo campeão mundial (Adriano Moraes, em 1994) e da entrada de country, rock e disco como trilha sonora nas festas de peão. Saía de cena o caipira, entrava em ação o caubói.

Asa Branca soube montar nesse cavalo que passava arreado como ninguém: propagou versos de rodeios e refrões nas arenas, gravou CDs, era figura fácil em programas de TV, namorou famosas e fez aparições em novelas.

Essa nova identidade de comunicação sertaneja implantada pelo locutor fez escola, o que acabou por impulsionar o próprio nome de Asa Branca como o líder de um segmento e alvo de reverência de peões e público.

Saúde
A vida desregrada do locutor, que a essa altura da carreira já chegava a faltar a compromissos assumidos, teve novo capítulo em 1999, ano apontado por ele como o em que contraiu aids de uma ex-namorada. Mas este não foi o único problema de saúde que afetaria o locutor nos anos seguintes.

Oficialmente, a doença só foi descoberta em 2007, ao passar mal quando narrava um rodeio em Unaí (MG). No mesmo ano, foi internado numa clínica de reabilitação para tratar a dependência da cocaína.

Já em 2013, uma neurocriptococose - doença do pombo - fez com que perdesse muito peso, ficasse internado cerca de três meses, passasse por seis cirurgias e quase morresse. Depois vieram meningite e hidrocefalia.

Ainda tentou voltar ao mundo das festas de peão em pequenos eventos, que em nada se assemelhavam aos glamurosos rodeios que distribuem premiação próxima a R$ 1 milhão.

Mas a voz já não era a mesma de antes –grave e forte–, tampouco o fôlego. Quase não conseguiu chegar ao final.

Veto
Mesmo longe das arenas dos principais eventos, era figura constante nas ruas do Parque do Peão de Barretos, onde era parado por fãs em busca de selfies e ouvia as lembranças que cada um tinha dos anos em que ele dominava as narrações.

Uma das histórias que gostava de contar sobre a principal festa do gênero no país é a de quando, em 1994, apresentou Fernando Henrique Cardoso como "futuro presidente do Brasil" ao público presente no estádio de rodeios, sem conhecimento da organização, a menos de dois meses da eleição presidencial.

A direção de Os Independentes, que promove o evento de Barretos, disse à época que Asa Branca traiu a confiança recebida e estaria fora da locução da final do rodeio internacional "por ter transformado a festa em propaganda política". "Se eu for punido, será com prazer porque o FHC merece", disse, então, o locutor.

Em 2001, o ex-presidente sancionou lei que transformou o peão de rodeio em atleta, com garantia de seguro de saúde e previdência social e, no ano seguinte, assinou lei que regulamentou rodeios e estabeleceu normas sanitárias para proteger os animais.