Frevo está cada vez mais vivo aos 113 anos

Dia do Frevo será comemorado com lançamento de livros e apresentações em vários lugares do Recife

Atrás das máscaras, membros da TCM Mexe com Tudo perdem a vergonha de frevar em público - Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

E lá se vão 113 anos desde que a palavra 'frevo' foi registrada pela primeira vez, no extinto Jornal Pequeno. De 1907 para cá, muita coisa mudou na dança ou no ritmo, que continuam fazendo a gente 'ferver' e transformam todo dia 09 de fevereiro em motivo de celebração.

O frevo se tornou um verdadeiro sistema cultural que vem sendo reinventado a cada dia, acompanhando as alterações nos corpos e no jeito de cada folião de estar no mundo, enquanto ao mesmo tempo se preservam as raízes daquela miscelânea criada por capoeiristas, operários e outros integrantes das classes menos favorecidas, na virada do século XX. Neste fim de semana em que se comemora o Dia do Frevo, resolvemos ouvir alguns dançarinos que vêm exercendo essa paixão de forma muito peculiar, ampliando as possibilidades do ritmo.

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Os mais puristas e conservadores poderão dizer que tais misturas são indesejáveis e que não se deve ir além dos cerca de 120 passos que já foram catalogados, os quais incluem a dobradiça, a tesoura e o parafuso. O que não dá para esquecer é que toda essa coreografia deriva de outras danças e da criatividade de quem freva.

A influência da capoeira é inegável, desde o início. Mas muitos não sabem, por exemplo, que o frevo bebeu na fonte de dançarinos "cossacos" que se apresentaram no Recife, no início do século passado. Balé, passinho, vogue, danças contemporâneas variadas têm trazido contribuições para o frevo. E assim vem sendo, desde sempre.
"Eu sinto que o frevo é um território onde eu fui identificando alguns princípios humanos e, a partir disso, trazendo para a minha vivência como artista, me permitindo criar coisas. Tanto a capoeira como o frevo foram perseguidos, então a dança nasceu como um lugar de drible para o sistema opressor vigente naquela época, como um novo paradigma para o que poderia ser um corpo negro, livre, na rua. O frevo diz muito sobre a nossa capacidade de trazer beleza, de exercer o lúdico", afirma Flaira Ferro, que é cantora e bailarina e começou a exercer sua veia artísticas nas aulas do Mestre Nascimento do Passo, um dos maiores propagadores do frevo no País, expandindo depois seu conhecimento através da dança contemporânea e outras vertentes. "O frevo vai além da ideia do passo, do código, do movimento. Ele diz respeito a um jeito de existir no mundo, e isso independe de um determinado tipo de corpo, por exemplo. É mais a questão de um olhar que se tem para a vida".



A proposta de tornar a dança ainda mais democrática é o ponto de partida do projeto Mexe com Tudo, do dançarino e professor Otávio Bastos. Além de divulgar o frevo nas redes sociais, contando com um canal que até o momento possui 90 vídeos que já foram assistidos por milhares de pessoas, Otávio dá aulas onde desmistifica a necessidade de ser jovem e atlético para poder frevar.

Ele e seus alunos formaram a Trupe Carnavalesca Mascarada (TCM) Mexe com Tudo, que no próximo dia 16 vai para o Marco Zero mostrar que a dança é para todos. "Tenho trabalhado muito em cima da vergonha. As pessoas se seguram para não dançar, e a ideia da máscara que usamos é muito mais para permitir, para revelar, do que para esconder", explica Otávio. Com a máscara, as pessoas se permitem experimentar, errar. E tudo isso é parte do frevo.
A questão, diz Otávio, é que se foi criando uma ideia sobre o que seria o frevo, e isso foi absorvido pelo Estado, tornando-se inclusive um produto a ser vendido. Sob esse ponto de vista, passista de frevo é alguém que salta e desce muito, e usa sombrinha e roupa colorida. "Na sua origem, quando as pessoas saíram das senzalas e passaram a ocupar o espaço público, quem estava lá frevando era todo mundo, qualquer corpo festejava", pontua ele, para quem o frevo traz em si várias possibilidades. O próprio Otávio, com seu corpo de 1.93m, não integra o padrão esperado dos passistas, mas isso não o impede de dançar. Em um dos vídeos de seu canal, ele experimenta junto ao também professor e dançarino Edson Vogue.



Edson começou dançando break e balé, na adolescência. Depois, apaixonou-se pelo voguing - e, na sequência, pelo frevo. Desde 2010, integra o grupo Guerreiros do Passo, que vem se dedicando a levantar a história da forma de dançar dos pernambucanos e, ao mesmo tempo, ensinar as novas gerações. Na dança de Edson, porém, as influências pelas quais passou seguem presentes. "O frevoguing é minhas pesquisa histórico-corporal sobre a pretitude urbana que dança e compartilha a mesma história de diáspora africana vivida de maneiras diferentes, seja pelo recorte geográfico, de gênero ou de identidade sexual", resume ele, que se propõe a buscar "novas maneiras estéticas, didáticas e metodológicas para o frevo".

Alisson Lima, dançarino que há dez anos está radicado em São Paulo (onde atua como professor e pesquisador do Instituto Brincante), vem se tornando referência pelo trabalho corporal, estético e coreográfico que mescla o frevo com uma de suas raízes iniciais, a capoeira. Nascido no bairro do Ibura, ele aprendeu capoeira na escola e posteriormente descobriu o frevo. "Foi paixão à primeira vista", relembra. "Comecei a me diferenciar por misturar as duas manifestações, e foquei minhas pesquisas nisso. Minha dança é genuína e diferente", ri.

O frevo de Alisson é extremamente contemporâneo, sem tirar o pé da tradição, e atrai por sua força e beleza plástica. Ele prefere dançar sem sombrinha, e usa as mãos de forma mais intensa. "Procuro dialogar com a música, me deixo embriagar por ela. O frevo é uma dança de improviso, apesar de ter tantos passos", descreve. "Eu procuro dançar a música, e não só executá-la. Não é uma coreografia pré-moldada, é um corpo aberto à experiência. E assim as pessoas se sentem mais próximas", afirma.

Lançamentos e festejos 

Neste sábado (8), véspera do Dia do Frevo, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) lança no Paço do Frevo, a partir das 15h, duas importantes obras que devem interessar não apenas aos estudiosos do gênero, mas ao público em geral. "Frevo: transformações ao longo do passo" é o quarto livro da coleção Batuque Book, que anteriormente abordou o maracatu, o cabocolinho e o forró.

Escrita por Climério Santos e por Marcos Ferreira Mendes (mais conhecido como Marcos FM), a obra levou mais de cinco anos para ficar pronta e abrange um período que vai do fim do século 19 ao início do século 21, mostrando grupos, personagens e acontecimentos ao longo de 382 páginas. Além de subsidiar didaticamente estudantes de Música e de História, o livro é acessível aos demais leitores. "Falamos dos significados do frevo, o que está por trás daquele ritmo", afirma Climério. Um farto arsenal online ajuda a quem não sabe ler partitura a ouvir e entender os exemplos citados.
Marcos FM tem outro livro sendo lançado neste sábado. "Arranjando Frevo de Bloco" encerra uma trilogia que já havia registrado o frevo de rua e o frevo-canção. Com 295 páginas, a obra traz dicas úteis para orquestras de diferentes formações e ajuda a preencher uma lacuna sentida pelos profissionais do gênero. "Existem vários livros sobre a história e os personagens do frevo, mas poucos com esse perfil técnico e educativo", destaca Marcos FM.

A festa do lançamento será animada por várias apresentações gratuitas, e no domingo o Bairro do Recife deverá ferver com o show do Maestro Spok, a partir das 14h e também no Paço do Frevo. Spok trará, em seu projeto "Roda de Frevo", os passistas do grupo "Trajetos e Trejeitos", comandados pelo dançarino Alisson Lima.
Na rua da Aurora, a partir das 15h30, haverá cortejo de 26 blocos líricos, saindo do monumento Tortura Nunca Mais até o palco montado na altura do Banco Central, onde vão se apresentar a Orquestra e Coral Evocações e o Bloco Cordas e Retalhos, entre outras atrações. Já no Pátio de São Pedro, haverá o tradicional concurso de passistas durante todo o fim de semana, nas categorias infantil, juvenil e adulto.