Justiça bloqueia indenização milionária paga a Marcelo Odebrecht por empresa da família

Em dezembro do ano passado, dias antes do Natal, a Odebrecht demitiu Marcelo por justa causa e contratou um escritório de advocacia

Marcelo Odebrecht - Cicero Rodrigues / World Economic Forum

A Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 143,5 milhões que a Odebrecht pagou a seu acionista e herdeiro Marcelo Odebrecht nos últimos anos para garantir sua colaboração com investigações da Operação Lava Jato e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Em dezembro do ano passado, dias antes do Natal, a Odebrecht demitiu Marcelo por justa causa e contratou um escritório de advocacia para realizar uma investigação interna e examinar as circunstâncias em que a antiga diretoria da empresa negociou o acordo que garantiu a ele esses pagamentos.

Em novembro de 2016, na reta final das negociações da delação da Odebrecht, a empresa assinou com Marcelo um acordo comprometendo-se a pagar os R$ 143,5 milhões ao acionista e a seus familiares, a título de indenização por danos causados a seu patrimônio pela cooperação com a Justiça.

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Em meio à crise que levou à demissão de Marcelo no fim do ano, a Odebrecht afirmou que o acordo foi resultado de chantagens que ele fez à empresa numa etapa crucial das negociações com os procuradores da Lava Jato, quando a cooperação de Marcelo era essencial para a delação da empresa.

A Odebrecht anexou à ação em que pediu o bloqueio do dinheiro mensagens que afirma ter recebido de Marcelo na época, em que ele teria ameaçado incriminar executivos que ainda não estavam na mira dos investigadores se a empresa não concordasse com a indenização.

"Acabarei detonando a todos", escreveu Marcelo numa das mensagens, segundo o despacho do juiz Eduardo Palma Pellegrinelli que determinou o bloqueio dos recursos nesta terça-feira (3). Na época das negociações, Marcelo estava preso em Curitiba e se comunicava com a empresa por meio de bilhetes manuscritos encaminhados por seus advogados.

"Realmente, tal contexto indica que as transferências realizadas pela autora [a Odebrecht] aos réus [Marcelo e sua família] foi consequência de mera liberalidade, possivelmente provocada por ameaças realizadas por Marcelo, em razão da existência de grave risco à companhia e aos seus executivos", afirmou o juiz.

O bloqueio dos recursos pagos a Marcelo foi determinado por medida cautelar do juiz, ou seja, em caráter provisório, sem que Marcelo fosse ouvido. O objetivo é evitar que o dinheiro desapareça enquanto a empresa e seu acionista discutem o assunto, que deverá ser examinado em processo de arbitragem privada, sob sigilo.

O acordo de indenização assinado pela Odebrecht em 2016 garantiu contribuições de R$ 70,1 milhões para planos de previdência privada em nome da mulher e das filhas de Marcelo, mais o depósito de R$ 73,4 milhões na conta de uma delas para garantir o pagamento da multa estabelecida pelo acordo de colaboração de Marcelo.

Pouco depois de efetuar os pagamentos, a Odebrecht assinou um aditamento ao acordo, assumindo a obrigação de pagar a multa de Marcelo diretamente à Justiça e permitindo que ele ficasse com os valores adiantados, para cobertura de outros prejuízos que ainda poderiam ocorrer.

Marcelo usou parte desse dinheiro para pagar Imposto de Renda em 2019, depois que a Receita Federal o informou que a indenização recebida da Odebrecht não era isenta como se fosse uma doação e deveria ser tributada como o salário que ele continuou recebendo da empresa até a demissão.

A Odebrecht entrou em recuperação judicial em junho do ano passado, quando buscou proteção na Justiça para renegociar dívidas que somam R$ 98,5 bilhões. O grupo empresarial afundou numa crise profunda após ser atingido pela Lava Jato, vendo-se obrigado a se desfazer de vários negócios e sem condições de recuperar o crédito na praça.

Ao optar pela colaboração com a Lava Jato e as autoridades americanas, a Odebrecht reconheceu ter pago US$ 788 milhões em propina no Brasil e em outros 11 países, e concordou em pagar multa de R$ 3,8 bilhões para voltar a fazer negócios com o setor público e se livrar de ações judiciais.

Participaram do acordo 77 executivos, ntre eles Marcelo, que presidiu o grupo de 2008 até 2015, quando foi preso pela Lava Jato. Ele saiu da cadeia em 2017 para cumprir pena em regime de prisão domiciliar e passou para o regime semiaberto no ano passado, ficando livre para andar na rua durante o dia.

Desde que deixou a prisão, Marcelo fez várias acusações a executivos dirigiam a empresa quando ele estava preso e não se tornaram colaboradores da Lava Jato como ele, o que levou vários a se afastar da empresa. Um deles, o ex-diretor jurídico Maurício Ferro, cunhado de Marcelo, tornou-se réu na Justiça.

No fim do ano passado, Marcelo chegou a apontar o próprio pai, o empresário Emílio Odebrecht, como responsável pela derrocada do grupo empresarial. Os dois romperam relações durante as negociações da delação e não se falam desde 2016.