Quais hábitos alimentares já são do passado?

Cresce a lista dos alimentos esquecidos ou reprimidos socialmente. Acompanhe a relação dos itens mais saudosos em linha reta na gastronomia

Pastelzinho de festa não sai da nossa memória afetiva - Ed Machado/Folha de Pernambuco

Não precisa ter mais de 60 anos para lembrar com saudosismo de certos hábitos alimentares. O mundo anda depressa demais. Você nem deve ter notado, mas itens tão rotineiros num balcão de padaria ou no cardápio de restaurante estão abrindo espaço para outras produções contarem novas histórias. É justo com o tempo, mas ingrato com o paladar de quem procura referências de um período ameno e igualmente saboroso.

Comer vai além do processo orgânico de deglutição. Quer uma prova? Imagine que o prato russo mais brasileiro de todos, o estrogonofe, era símbolo de elegância e complexidade gastronômica no período anterior aos anos 2000. Não tinha convidado de casamento que resistisse ao picado de carne ou frango misturado à uma base rosa de creme de leite, mostarda e catchup, servido aos montes com arroz branco e batata palha. Receita que ganhou popularidade e, mesmo bem feita, hoje soa como uma música brega que muita gente adora ouvir, mas tem vergonha de cantar em voz alta.

A chef Rafa Suassuna, à frente do bufê Porto Fino, lembra que há 20 anos não podia faltar uma versão desse estrogonofe no cardápio de pratos quentes nas festas do Recife. “Todo evento tinha o frango frito cortado em cubos, servido com creme aos quatro queijos, arroz e batata. Era o máximo. Mas, hoje, se você colocar algo assim, as pessoas lhe matam”, brinca. Na lista de preteridos, ela lembra o antigo coquetel de frutas, à base de creme de leite, onipresente em qualquer estação de drinques. Isso, sem falar na democrática delícia de abacaxi. Essa famosa torta gelada, preparada com a fruta cítrica, também foi considerada a sobremesa dos sonhos no domingo em família.

O medo do julgamento social é apenas um dos motivos para certos hábitos caírem em desuso. Segundo o psicólogo e mestre em Saúde Mental, Gabriel Medeiros, grande parte da psicologia compreende que, hoje, os comportamentos são menos duráveis por vários motivos. “A rapidez com que a informação circula enfraquece o nosso entendimento antigo sobre cultura, que em muitos pontos existe como marco histórico. Mas, como reprodução de comportamentos, isso muda com uma velocidade assustadoramente maior”, opina.

Memória afetiva
Por conta da rotina atribulada, muitos hábitos ficaram pelo caminho. Como na época em que existia tempo de ir à padaria no fim de tarde e encontrar a prateleira repleta de doces, chamando para a hora do lanche. Nunca houve pensamento difícil em cima de um simples bolinho de bacia servido com café ou de um pão doce melado de coco. O sonho de padaria, recheado com creme de confeiteiro ou goiabada, segue resistente, mas muita gente ainda pondera na quantidade.

Bolinho de bacia da padaria Engenho Casa Forte é clássico para acompanhar o café - Crédito: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Segundo o proprietário da padaria Engenho Casa Forte, Alexandre Chaves, a saída desses produtos segue na preferência principalmente nos fins de semana. “A gente trabalha com esses itens de fabricação própria desde o início da loja, há 14 anos, e eles têm um público muito cativo”, comenta. Na lista, estão clássicos como o doce tradicional de inspiração portuguesa, o quindim, feito com gema de ovo, açúcar e coco ralado, além de bolachas e o tradicional biscoito champanhe. Esse sempre foi um ingrediente elegante o ano inteiro. Culpa da adaptação ao biscoito da cidade de Reims, na França, levando a mesma base com farinha de trigo, aqui acrescida de açúcar refinado por cima. Chiquesa agora restrita ao final de ano ou quando aquela tia mais apegada não abre mão de fazer um pavê de sobremesa.

São lembranças que, para a chef Sofia Mota, do Nosso Bistrô, remetem aos momentos em família. “Suflê de milho era uma mania que até hoje se faz na minha casa. Só que não leva ovo em neve. Ele é um molho branco com milho de lata, gratinado com queijo ralado de saquinho e que mainha chamava de suflê. Eu amo e, quando era pequena, chegava uma funcionária nova e eu perguntava: ‘mãe, ela sabe fazer suflê de milho?’”, recorda. No restaurante, a chef fez questão de ter no cardápio aquele pastelzinho de festa que mescla doce com salgado.

“Também fazíamos em casa o bife à rolê com ovo dentro, e que até hoje coloco no bufê da padaria (Parla Deli) por conta da pegada caseira. Outra pedida é o rocambole de batata com carne moída e molho de tomate. Ai, Deus, como amamos”, solta. Quando o assunto é prato salgado, o adulto de hoje certamente provou na infância a farinha umedecida com caldo de feijão, enrolada na forma de bolota. Um hábito nordestino, cada vez mais restrito no ambiente urbano.

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Hábitos x saúde
A mesa de domingo também não é mais a mesma desde que informações nutricionais passaram a correr solta nas rodas de conversa. Número de calorias, quantidade de sódio e conservantes industriais colocaram na berlinda refrigerantes, doces e até a fartura de açúcar refinado colocado à mesa para adoçar o bom e velho cafezinho da tarde. As pessoas andam mais comedidas e elas têm suas razões embasadas pelos índices mundiais de sobrepeso e obesidade.

O limite, no entanto, está na restrição em nome do corpo perfeito. “A gente sabe que nem tudo é saudável. Mas a própria nutrição diz que esses alimentos, apesar de restritos ao consumo elevado, não precisam ser excluídos em casos gerais. Porém, passa a ser feio ser consumido, porque eles não podem se encaixar numa dieta que vai além do nutricional e cai no campo do socialmente aceito”, pondera o psicólogo Gabriel Medeiros. Ele ainda lembra que alimentação é uma co-protagonista, junto com o exercício físico, na busca pela estética. “A forma como eu me enxergo e como o outro me enxerga está intimamente ligada à maneira como eu me alimento, desassociando o ato de lazer e da própria nutrição ao caráter social e cultural”, finaliza.