Marielle Franco

Marielle Franco: os detalhes das produções da Globoplay sobre o assassinato da vereadora

A morte brutal da vereadora do Rio de Janeiro, em 14 de março de 2018, e o seu legado para o Brasil orientam duas séries produzidas pela Globo, uma documental e outra de ficção

Morte da vereadora completaria dois anos neste sábado - Divulgação

Quem mandou matar Marielle?


Dentre tantos questionamentos, este é o mais recorrente e, talvez, o mais importante na busca de resposta para o assassinato da vereadora Marielle Franco, na noite de 14 de março de 2018, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Cria do Complexo de favelas da Maré, a socióloga teve suas lutas pelos direitos humanos, denúncias contra a polícia e a intervenção federal interrompidas por tiros de uma submetralhadora, que também atingiu seu motorista, Anderson Gomes.

Dois anos após o ato criminoso, há mais certeza da sua importância e o legado em vida do que para a própria morte. É neste caminho que o jornalismo da Rede Globo lançou, na última quinta-feira (12), “Marielle - O documentário”, a primeira série documental para a Globoplay, plataforma de streaming da emissora. O conglomerado de mídia carioca também anunciou uma versão de ficção para a história de Marielle, que tem a assinatura da escritora e roteirista Antonia Pellegrino na produção e deve ser lançada em oito episódios em 2021.


O documentário mergulha na vida, na atuação política e nas relações pessoais de Marielle em seis episódios. “É um caso ainda sem respostas, com algumas reviravoltas ao longo desses dois anos. Isso é o que basicamente guia a produção. Existem duas cronologias que correm paralelamente. A história de vida da Marielle e a do 14 de março até os dias de hoje, desde a investigação até a repercussão do caso, o impacto nas famílias e o surgimento das fake news. Essas duas narrativas acabam acontecendo de forma paralela, pois, ao mesmo tempo em que avançamos numa determinada linha de investigação, mostramos algum detalhe da vida dela que o público ainda não sabe”, explica o diretor e roteirista da produção, Caio Cavechini.

Cena do documentário - Crédito: Divulgação

Um dos argumentos narrativos da série documental é a delicadeza com a história de Marielle. Para adentrar nas relações pessoais da vereadora, a produção traz registros audiovisuais inéditos, além de áudios e conversas com a família e pessoas próximas. Esses momentos são perceptíveis quando o documentário mostra uma relação sólida familiar da vereadora, além de detalhes minuciosos, a exemplo da sua festa de aniversário de 15 anos e a relação com a assessora, Fernanda, que também estava durante o crime. Já a vida do motorista Anderson Gomes é mostrada nas relações familiares com a esposa, na descoberta da paternidade e na busca de resposta do casal para uma síndrome genética do filho.

Para a roteirista e editora de “Marielle - O documentário”, Eliane Scardovelli, a delicadeza do produto final se deu pelo respeito e aproximação com as famílias durante o processo de apuração. “Tivemos um acesso muito bom à família durante cinco meses. Podemos fazer um mergulho nesse cotidiano familiar, da mãe, do pai, da irmã e da filha luyara. Tivemos alguns encontros e uma relação de muita confiança com eles. Durante esse processo, percebi que muitas coisas que Marielle pregava vinham de uma família muito sólida, muito unida e muito amorosa. O resultado esperado vem do nosso compromisso com a memória de Marielle”, ressalta a jornalista.

Ricardo Villela, Eliane Scarvodelli e Caio Cavechini - Crédito: Reginaldo Teixeira/Rede Globo


O documentário tem direção e roteiro de Caio Cavechini; edição e roteiro de Eliane Scardovelli; e edição de Rafael Armbrust e Felippe Ferreira. A reportagem conta com Leslie Leitão, Arthur Guimarães, Felipe Freire, Sara Pavani e Tyndaro Menezes. A equipe ainda tem Maria Morganti e Camila Azevedo Souza na pesquisa; Mariane Rodrigues, Pedro Henrique Machado e Douglas Lopes na pesquisa; e produção executiva de Ali Kamel, Erick Brêtas e Ricardo Villela.

Série de ficção

Paralelamente ao documentário, a plataforma de streaming vai lançar uma série de ficção sobre a vida e morte de Marielle. A produção audiovisual nasceu do argumento da autora Antonia Pellegrino, amiga da vereadora, que também assina a criação e a produção executiva. Dividida em duas temporadas, a série vai ser gravada nos Estúdios Globo, com previsão de lançamento para 2021. José Padilha será o responsável pela criação, direção e produção executiva do projeto.

 

Autora Antonia Pellegrino - Crédito: Reginaldo Teixeira/Rede Globo

 

Na primeira temporada, a série deve abordar Marielle em vida e a repercussão mundial do crime; enquanto na segunda, o foco vai ser o processo de investigação, as motivações do crime e os possíveis autores - se houver a condenação durante esse tempo. "Sabemos que a memória de Marielle vive e não precisa de nós. Nós, que estamos vivos, é que precisamos da história dela - pra nos lembrar nossa própria humanidade. Marielle foi além em tudo o que fez, e em sua morte não foi diferente. O assassinato de Marielle Franco não é o único no Rio de Janeiro, cidade marcada pelo crime, mas é o único capaz de fazer o esgoto da cidade vir à tona", conta Antonia Pellegrino.

Para o roteiro da série, a Globo deve selecionar um time de colabores, ainda a ser escolhido. Quem comandará a sala dos roteiristas será o autor pernambucano George Moura, conhecido por trabalhos como a Cidade dos Homens, O Rebu e Amores Roubados. “A ficção, mesmo quando baseada em fatos reais, nos dá uma liberdade de investigar mais as motivações subjetivas que movem os personagens. É como se no documentário e na reportagem a realidade sempre fosse a última instância. Já na ficção, o desejo e o sonho podem falar mais alto. É uma honra e uma alegria fazer parte de um time que quer contar a história de uma heroína contemporânea brasileira como a Marielle Franco, neste momento do Brasil”, comenta o autor, explicando as diferenças entre as produções documental e de ficção.

Repercussão

Desde o anúncio da série, na semana passada, sua produção tem gerado repercussão negativa por causa da escalação do cineasta José Padilha. A primeira veio por parte dos movimentos sociais e articuladores de causas raciais, que consideraram a escolha controversa pelos posicionamentos anteriores de Padilha e apontaram a ausência de negros e negras no projeto. Em entrevista ao UOL, Pellegrino deu a entender que pensou em cineastas negros, mas que não chegou a um perfil que procurava: “Se tivesse um Spike Lee, uma Ava DuVernay…”, declarou ao colunista Maurício Stycer.

Na quarta-feira (11), a autora pediu desculpas em nota publicada nas redes sociais e afirmou a iniciativa de incluir negros e mulheres na produção. “Hoje, vejo que a resposta é simples: como muitas pessoas brancas progressistas e antirracistas, tive a certeza de que minhas intenções eram tão boas que jamais seriam questionadas neste âmbito. Novamente, peço perdão pela desastrosa declaração. Em seguida, gostaria de agradecer a todas as pessoas negras, do cinema ou não, coletivos, blogs, movimentos e sites que apontaram meu erro e me fizeram enxergar o que a branquitude não o fez.”, diz um dos trechos da resposta.


Audiovisual na memória

Mauricio Lissovsky explica a relação de imagem e memória pública - Crédito: Foto: Ivson Miranda/Divulgação

Ficção, documentário, no cinema ou na televisão: o audiovisual - como as séries de Marielle - cumprem um papel na construção da memória pública. O historiador e professor visitante do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, Mauricio Lissovsky, explica que essas produções biográficas têm alçado uma força entre o público. “O biográfico têm ganho uma força muito maior e está caindo no gosto do público. Passa a ser um modelo replicado por empresas como a Amazon, HBO, que começaram a fazer e atrai por ser justamente curioso”, ressalta.

Em decorrência da descredibilização e o crescente discurso de autoverdade entre os movimentos de extremamente direita, ele acredita que há dois resultados possíveis com a produção de ficção da globo: “A primeira é a fixação no público como uma memória pública e a figura de Marielle como uma heroína; e a segunda é a confusão com a fabulação narrativa quando você transforma uma figura como ela em personagem”, completa Maurico Lissovksy.

Segundo o historiador, o que está em jogo na produção não é apenas uma curiosidade ou oportunidade de mercado. "De algum modo, é um posicionamento da constituição da memória contemporânea. A história contemporânea é objeto de disputa para as mídias de massa, assim como foi o cinema no passado. Neste caso, não duvido que a versão de ficção não seja lançada agora, não apenas por uma questão de custo de produção maior, mas também por estar esperando certos resultados, de ter conclusões nesse caso. Na ficção, há um jeito de acabar as histórias que não há em documentários por exemplo", conclui o professor. 

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