Solidariedade mantém população unida em meio à pandemia
Medo de contágio e isolamento social criam oportunidade para exercitar a empatia. Ações voluntárias se multiplicam para proteger quem vive em situação de vulnerabilidade.
Como tem se visto nas últimas semanas, a pandemia causada pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2, põe toda a sociedade em um cenário de apreensão e dúvidas sobre o futuro. Enquanto a população começa a sentir os efeitos da crise sanitária, médicos e cientistas do País e do mundo mantêm a recomendação pelo isolamento domiciliar para reduzir a velocidade de propagação do vírus e, assim, evitar que o alto grau de contaminação da doença gere um colapso no sistema de saúde. Um colapso que também seria catastrófico para a economia.
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A situação é preocupante, especialmente, para as famílias de baixa renda que vivem nas periferias. Uma pesquisa divulgada na última terça-feira (24) pelos institutos Locomotiva e Data Favela revela que, em uma semana de confinamento, 72% de 1.140 moradores de comunidades de todos os estados brasileiros sofreram uma diminuição no padrão de vida. Um reflexo do fechamento de setores como comércio e serviços, que atinge também quem trabalha na informalidade.
Apesar disso, as medidas restritivas visam impedir o contágio em massa nas áreas mais pobres, que apresentam um elevado adensamento populacional e uma infraestrutura deficitária. Em Pernambuco, são 240 mil pessoas em situação de pobreza que não recebem o benefício do Bolsa Família.
Em meio a todo esse cenário, enquanto se definem as políticas públicas para impedir o agravamento de uma crise humanitária nos próximos meses, nascem histórias de solidariedade, um valor humano que mantém a sociedade unida pelo senso de colaboração. No terceiro fim de semana desde a chegada da Covid-19 ao Estado, o Zoom narra como esse modo de agir que faz alguém se colocar no lugar do outro pode contribuir para a conservação de uma mínima qualidade de vida em meio à paralisação de quase toda a cadeia produtiva. O momento é de unir esforços, sem deixar de lado os cuidados com a saúde por meio de práticas de distanciamento social e higiene. Não é trivial. É assim que a humanidade sairá melhor da quarentena.
Como lembra o psicanalista e microbiologista Bruno Severo, professor da disciplina de Felicidade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fazer o bem melhora a saúde mental. “Particularmente, neste momento do coronavírus, nós temos o isolamento, e as pessoas pararam um pouco de olhar mais para si, olhando também para o outro. Quando eu ajudo o outro, não estou só fazendo o bem para ele, mas também estou promovendo organicamente em mim a liberação de diversas substâncias que vão promover o bom humor, o sentimento de bem-estar e a felicidade”, considera.
Serviço e gentileza
Os primeiros atos solidários que ganharam destaque pelo País logo no início do período de isolamento domiciliar vieram das vizinhanças. Casos de gente como a fonoaudióloga Emannuely Rolim, de 36 anos, que se dispõe a fazer compras em supermercados e farmácias no lugar de idosos, que se encontram entre os grupos de maior risco.
Ela mora em um prédio no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife, e, desde que começaram as medidas de restrição à circulação de pessoas, posta no grupo de WhatsApp do condomínio uma mensagem em que se coloca à disposição para ajudar. “Até disse que não precisava ser vizinho. Se alguém soubesse de algum parente de outro lugar que precise, eu vou lá e deixo”, conta. “Eu tive essa ideia, mas todo mundo contribui com um pouquinho. Tem álcool gel nos elevadores, os próprios moradores limpam os halls e as maçanetas das portas.”
A fonoaudióloga, que também tem trabalhos como escritora, decidiu disponibilizar as obras que escreveu na internet, de forma gratuita, para ajudar quem está de quarentena a passar o tempo em casa. Ao tomar esse tipo de atitude, Manu, como é conhecida, diz que se sente melhor consigo mesma. “Faz bem para mim imaginar que estou tentando proteger outra pessoa. Tem idosos que moram sós e não têm ninguém para ir. É o que eu gostaria que fizessem pela minha família e por mim quando chegar a essa idade. É o momento de ver, reparar e se unir, cada um na sua casa”, afirma.
Não só quem trabalha com artes e literatura tem utilizado a tecnologia para se expressar e combater os efeitos do isolamento e da preocupação com o futuro. Nas redes sociais, psicólogos, como Bruna Lima Alves, 26, oferecem seus serviços para quem não pode pagar. Para ela, os atendimentos on-line começaram na última terça-feira. “As pessoas estão em contato pelo Instagram e eu solicito o número do WhatsApp para a gente fazer”, diz. “É um pico de crise emocional que as pessoas estão vivendo. A proposta é fazer um plantão psicológico, que é pontual, na demanda de ansiedade devido a este momento. Os transtornos de ansiedade podem evoluir para outros quadros mais graves e, por isso, é importante esse atendimento on-line.”
Voluntariado
A situação delicada que vivem os moradores de periferia em meio à pandemia também mobiliza o voluntariado. Entre os grupos que se organizam, está a Livroteca Brincante do Pina, que mantém há 25 anos uma biblioteca comunitária no Bode, Zona Sul do Recife. Em resposta à crise sanitária do coronavírus, o coletivo deu início à campanha “Corona nas Periferias”, que distribui alimentos, água, máscaras, álcool 70% e itens de higiene como sabão e detergente neutro.
A iniciativa contempla, ao todo, 200 famílias da comunidade e outras 600 que vivem em palafitas. “A situação está mais difícil para essas pessoas, que estão na vulnerabilidade, pela dificuldade de saneamento, alimentação e emprego. Também entregamos panfletos informando sobre como se prevenir e, no megafone, foram repassadas informações de como se cuidar desse vírus”, explica a educadora e comunicadora popular do projeto, Magda Alves. As doações são armazenadas na biblioteca, mas, segundo a voluntária, o grupo toma as precauções para não ter aglomeração. “O foco são os grupos de risco, os idosos, e a gente está indo nas casas e usando máscaras”, afirma.
O impulso de ajudar também é o que move Marlon Felipe Presotto. Idealizador do Projetos Vivência, ele recebe doações para entregar a moradores de rua na orla de Boa Viagem. “Eu não consigo ver ninguém perto de casa com fome. Eu postei na internet, e começaram a doar. R$ 50, R$ 10, R$ 2. Aceito doação de R$ 1. Compro comida, água e itens de higiene pessoal, escova de dentes”, detalha. Para evitar contaminação, ele diz que esteriliza todos os produtos que distribui. “Lavamos tudo com álcool, água sanitária, sabão. Minha mãe cozinha e fazemos as marmitas, esterilizamos, não repetimos as coisas, tudo com luva”, conta.
Tecnologia para informar
A informação, essencial para superar a pandemia, também é o mote do grupo Fale com a Parteira. Formado por 38 voluntárias, entre enfermeiras obstetras e estudantes de enfermagem, o projeto fornece orientações, pelo WhatsApp, a grávidas que têm dúvidas sobre procedimentos e cuidados no período de isolamento domiciliar. “A recomendação é que essas mulheres cheguem o mais tardiamente à maternidade para que sejam menos expostas ao vírus. O intuito é segurá-las para elas não irem ao hospital desnecessariamente. Outra coisa é identificar se a bolsa rompeu, a cor do líquido amniótico, os riscos, o intervalo das contrações”, explica a idealizadora Tatianne Frank.
Para executar o projeto, as voluntárias criaram um protocolo com base em recomendações do Royal College Obstetricians and Ginaecologists, instituição de ensino superior voltada para as áreas de obstetrícia e ginecologia sediada em Londres. “O texto foi revisado por uma médica da Secretaria de Saúde para a gente alinhar para ver se tudo o que tinha sido colocado estava em consonância com Pernambuco”, informa Frank.
O serviço, disponível desde o domingo passado (22), funciona 24 horas e pode ser acessado por meio de um link, em que a gestante é encaminhada em um grupo de WhatsApp e escreve “Preciso de informação”. A partir daí, uma enfermeira fala com ela no chat privado. Segundo Tatianne Frank, em seis dias, 550 mulheres foram atendidas, mais de 90% delas moradoras da Região Metropolitana do Recife. A proposta inspirou outras mulheres de Salvador, que vão replicar a ideia na capital baiana. “O projeto é executado por cada enfermeira em sua casa, em todos os turnos. Está muito bacana. São profissionais que trabalham no Hospital da Mulher, Cisam, Imip, e estão lá na ponta. Eu chego a ficar emocionada”, declara.
Empresas e instituições
Ao longo da semana, instituições públicas e privadas se uniram em campanhas solidárias. Na última quarta-feira (25), o Governo do Estado anunciou uma parceria com o Porto Social para aquisição de insumos para a rede pública de saúde e para a população de baixa renda. As doações devem ser feitas por depósito bancário e não têm um valor mínimo. A iniciativa faz parte da ação Pernambuco Solidário, que recebe donativos como alimentos, água mineral e produtos de higiene e limpeza.
Outro convênio criado esta semana se deu entre a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e a ONG Novo Jeito. As instituições pretendem doar 500 mil cestas básicas à população em situação vulnerabilidade social. O depósito, no valor de R$ 48, deve ser feito à organização não governamental, que fará as entregas dos kits. Na iniciativa privada, o Grupo Moura se comprometeu a doar 100 mil máscaras de proteção. Segundo a companhia, a distribuição começará de acordo com a fabricação dos produtos.
Também há quem use o conhecimento científico para ajudar na produção de bens que combatem a circulação do vírus. Na UFPE, professores e técnicos da Farmácia Escola Carlos Drummond de Andrade se juntam para produzir álcool 70% a partir de materiais doados por empresas e usinas.
Como demonstram todas essas histórias, a colaboração não tem limite nem forma definida. Sempre há espaço para contribuir. “Tem pessoas que dizem: ‘Ah, mas eu não tenho como ajudar’. Aí eu digo: ‘Só o fato de estar em casa é um gesto de solidariedade’. Muita gente não entende, mas, ao ficar em casa, você está sendo solidário com as pessoas que não podem ficar em casa: os vários profissionais de saúde, da segurança, da limpeza urbana e da imprensa”, reflete o professor Bruno Severo.
Saiba como ajudar ou participar
Livroteca Brincante do Pina – Campanha Corona nas Periferias
Site: www.livrotecabrincantedopina.siteo.one/coronanasperiferias
Instagram: @livrotecabrincantedopina
Contato: (81) 98318.2510
Grupo Fale com a Parteira
Instagram: @falecomaparteira
WhatsApp: https://chat.whatsapp.com/Fa9j0pjyR0k6LiFdRy6cZV (ao entrar, escrever “Preciso de informação”)
Projetos Vivência
Instagram: @projetosvivencia
Campanha Pernambuco Solidário
Contato: 0800 081 4421 ou (81) 3183-3055
WhatsApp: (81) 98494-1969
ONG Novo Jeito
Depósito de R$ 48 para compra de cestas básicas
Conta: 130011107
Agência: 4048
Banco Santander
CNPJ: 16.843.830/0001-10
E-mail para envio do comprovante: contato@novojeito.com
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