Quarentena gera ansiedade e agressividade em crianças com autismo

Mesmo com o acompanhamento de profissionais à distância e o esforço para manter atividades diárias, a interrupção de terapias e o isolamento social já causam consequências físicas e psicológicas

Criança autista brincando - Unicep/ONU

Theo, 3, está mais hiperativo. Rafael, 13, mais irritado. Lucas, 18, mais recluso. Cada um reagiu de um jeito, mas todos tiveram dificuldade em aceitar a mudança na rotina com o início da quarentena na casa de Liliane Senhorini, 42. A mãe dos três, todos diagnosticados com autismo, tem passado os dias preocupada desde que as medidas para conter a pandemia do coronavírus foram impostas, assim como muitas outras famílias com crianças e adolescentes com transtornos ou deficiências intelectuais.

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Mesmo com o acompanhamento de profissionais à distância e o esforço para manter atividades diárias, a interrupção de terapias e o isolamento social já causam consequências físicas e psicológicas a esses jovens. Alguns, inclusive, dão sinais de regressão. "As atividades, os horários e o cronograma para pessoas com autismo são muito importantes. É a forma como estabelecemos um cotidiano saudável com eles. Uma quebra, ainda mais de forma abrupta e sem planejamento, é muito danosa", diz Liliane.

Lucas, seu mais velho, já tinha dificuldade de socialização, mas agora está mais quieto até com a família. Ele entrou na faculdade neste ano para cursar design gráfico e, segundo a mãe, o afastamento o deixa ansioso, com receio de perder os poucos laços que criou. Com o pequeno, Theo, o temor é de que ele perca os avanços recentes que tinha conquistado no desenvolvimento da fala. A maior dificuldade, no entanto, tem sido com Rafael, o do meio, que tem um grau mais severo de autismo.

O adolescente tem tido episódios de agressividade por não poder ir à natação e à academia. "Ele cresceu muito rápido, tem 1,80 metros e pesa 70 quilos. Tem muita energia e não sabe para onde canalizar", afirma Liliane. Com maior sensibilidade ao som, Rafael também fica agressivo ao ouvir o choro do irmão mais novo. Uma alternativa foi permitir que ele usasse mais os fones de ouvido. "Não é o ideal, porque ele acaba se isolando ainda mais no próprio mundo, mas nessa situação é a melhor opção para todos."

A psicóloga Kelly Freitas, do Instituto Jô Clemente -que é referência na inclusão de pessoas com transtornos, síndromes e deficiências intelectuais-, diz que as mudanças de comportamento ocorrem porque esses jovens têm dificuldade de entender o que está acontecendo. "Muitos pais contam que os filhos não estão dormindo bem, que estão agitados, comem muito ou não querem se alimentar", diz ela, que é supervisora do serviço de estimulação e habilitação. O instituto tem orientado as famílias à distância e preparou uma cartilha com dicas e atividades que podem ser feitas em casa.

É o mesmo relato da mãe de Vitor Piconi, 7, que também tem autismo. "Todo dia ele diz que quer ir à aula ver os amigos. Como ele não entende o que está acontecendo, fica irritado por achar que somos nós que não queremos levá-lo", afirma Dayane Piconi, 36. "Ele está sem paciência e foco para fazer as lições de casa que a escola passou e está muito esquecido." Após três semanas sem atividades fora de casa, o menino voltou a ter problemas na fala e a apresentar estereotipias (ações repetitivas), como brincar com os dedos. Ela teme que os avanços que ele conquistou no último ano, após ser diagnosticado e começar as terapias, sejam comprometidos.

Outra preocupação dos pais é com a continuidade dos medicamentos. Sem as consultas, as famílias temem não conseguir os remédios, que só podem ser comprados com prescrição médica. Rafael, filho de Liliane, está há três dias sem tomar risperidona, que o ajuda a dormir. O Transtorno do Espectro Autista (TEA), no caso, não é fator de risco para o novo coronavírus, mas algumas deficiências intelectuais são, então a atenção das famílias têm sido redobrada.

Na casa de Murilo Ripari, 17, que tem paralisia cerebral leve, só a mãe e o pai têm tido contato com ele. Eles estão saindo o mínimo possível, a diarista foi dispensada (e continua sendo paga) e as encomendas ficam isoladas em um quarto por dias antes de serem usadas. A equoterapia (com cavalos) foi substituída por vídeos dos animais e a hidroginástica teve que parar. "Mas pelo menos agora estou tendo mais tempo com ele. Dou banho, faço as terapias, faço coisas que ele gosta. Ele quer que eu participe mais", diz o bancário Ronaldo Ripari, 48.

Para Heitor Carvalho, 9, que tem síndrome de Down e portanto é imunossuprimido, a diversão tem sido subir e descer os 21 andares do prédio em família quase todos os dias, vendo as luzes se acenderem e apagarem. Gincanas e alongamentos, sempre todos juntos, e um passeio de carro diário também fazem o menino ver os dias de outra forma. "Está sendo bacana e ao mesmo tempo desafiador. É uma oportunidade de estreitar vínculos, mas o contato também é muito intensificado", diz o pai, Douglas Carvalho, 47, que é presidente da Apabb (associação para pais e pessoas com deficiência do Banco do Brasil).

Criar uma nova rotina e priorizar atividades que envolvam toda a família são algumas das recomendações do psicólogo Caio Affonso. Ele faz parte da equipe da Secretaria de Estado de Vitimados do RJ, que tem atendido pedidos de auxílio psicológico por grupos de risco da Covid-19.

"É sempre bom fazer atividades que proporcionem lazer para crianças e para os pais, como jogo de tabuleiro, quebra-cabeça, caça ao tesouro. E diálogo também é fundamental, sempre conversar para tentar explicar o porquê de ter que ficar em casa."

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