Cantora Rhaíssa Bittar traz boas novas à MPB

Cantora paulista explora, em arranjos e voz, sua identidade musical

Rhaíssa Bittar, cantora - Reprodução/Instagram

De quando em vez a Música Popular Brasileira (MPB) prega peças em quem a consome, apresentando texturas desalinhadas com o comum que se tem de vozes, arranjos e interpretações. Talvez para relembrar que há espaço para as boas novas de artistas que ousam ser eles mesmos, sem a necessidade de se apresentar à imagem e semelhança de uma maioria que não ultrapassa a máxima do “mais do mesmo”.

A cantora paulista Rhaíssa Bittar é um bom exemplo disso tudo, desde o primeiro trabalho “Voilà “(2010), passando por “Matéria Estelar “(2014) e chegando em “João “(2019), álbum que reflete o amadurecimento de uma década de carreira - aos 16 anos lá estava ela participando de montagens musicais e festivais estudantis de teatro, linguagem que lhe dá identidade artística na música, nitidamente percebida em canções que soam como narrativas poéticas.

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“João é o homem velho que descobri em mim e resolvi desmascarar junto com algumas frustrações, desamores e a amargura que vem com a velhice. Um disco denso e cheio de tapas na cara, socos nos estômago”, define Bittar, em conversa com a Folha de Pernambuco. E de fato, ao longo das dez faixas que compõem o trabalho há musicalidades e poesias, mas há também muitas falas e contundências assinadas por nomes como Paulo Leminski, Vitor Ramil, além das pernambucanidades de Juliano Holanda, Isabela Moraes, Siba e Zé Manoel.

Mas é com “Alento” (Paulo César Pinheiro), uma das canções do disco recentemente lançada em clipe, que Rhaíssa se contrapõe às vestes de “João” e abraça a literalidade da letra, cujo arranjo também é do pernambucano Raul Misturada junto ao paulista Antônio Loureiro. “Ao ouvir essa música pela primeira vez, senti como se fosse o conselho de alguém experiente, afinal, a velhice traz calma e paz consigo. Ela fala sobre as dores como algo passageiro, dos prazeres como uma ilusão, afinal ‘tudo passa’ é o conselho de alguém experiente”, explica.

Paulista, mas pernambucana também

Apesar de paulista, de Santos, Rhaíssa Bittar integra o rol de artistas “naturalizadas” pernambucanas, ora pela admiração que guarda da música local, ora pelas parcerias e relações trocadas com cantores e compositores “da terra”. Em “João” - envolvido pelo “barulhinho bom” dos instrumentos N’goni, zig’zum, piano de brinquedo, vibrafone e bandolim, entre outros - o sotaque de Pernambuco se faz presente desde a produção do disco (Raul Misturada) e nas faixas “Toda Vez que eu Dou um Passo, o Mundo Sai do Lugar” (Siba) e “Made in Produto/Bem no Fundo”, que tem Isabela Moraes dividindo a assinatura com Paulo Leminsky e em “Maior Ambição” tem a dose dupla de Juliano Holanda e Zé Manoel.


“Amo quando me confundem e acham que sou pernambucana. Eu me sinto uma paulista mais legal quando dizem que sou do Recife (risos). E foi essa cidade quem primeiro me abriu as portas depois de SP. Me surpreendi com o papel da cultura em Pernambuco, responsabilidade assumida lindamente por seus artistas”, conta ela. 



Antes de “João”, Bittar já havia trocado sons com Maestro Spok em apresentação do seu “Matéria Estelar”. No palco do Recbeat e do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), ela também já mostrou que se sente em casa quando está pelas bandas de cá. “Logo na segunda vez que pisei em Recife na vida, fui cantar no palco multicultural em pleno carnaval, Recbeat. Foi o nó mais gostoso que deram na minha cabeça e no meu coração”, confessa.

Um amor à primeira, segunda e outras tantas vistas por Pernambuco e pelo Nordeste que permanece ativo nesta quarentena de Bittar. De sua casa ela "está em companhia", por exemplo, da caruaruense Gabi da Pele Preta e da paraibana Savana Aires. “ Comecei a me divertir criando arranjos para músicas do meu álbum e outras novas que fiz com Gabi e com a canção que me fisgou da Savanna”.

Apesar da estrada já percorrida, Rhaíssa permanece atenta a aprendizados, alternando entre ruídos e silêncios, e seguindo os dizeres de Juliano Holanda e Zé Manoel em uma das canções do disco “Eu acho que eu tenho tanto chão pra correr ainda. Assim como eles falam na música que regravei e que deu início ao meu álbum 'João', ‘a maior ambição da canção é ser silêncio’. É desse jeitinho contraditório, complexo e paradoxal e incrível, que eu também quero ser silêncio".