É chavismo, diz Joice sobre trocas no comando da PF e no Ministério da Justiça

A deputada afirma que a atitude de Bolsonaro tem como objetivo proteger seus filhos

Joice Hasselmann (PSL-SP) - José Cruz/Agência Brasil

Ex-aliada de Jair Bolsonaro, a líder do PSL, Joice Hasselmann (SP), avalia que o presidente tenta interferir na Polícia Federal ao colocar um amigo da família para chefiá-la. "Por isso, antes que o Brasil caia num chavismo de verdade com o sinal trocado, eu propus o processo de impeachment", diz.

A deputada afirma que a atitude de Bolsonaro tem como objetivo proteger seus filhos, inclusive o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), apontado pela Polícia Federal como coordenador de um esquema de disparos de fake news.

A participação dele e do irmão Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi alvo de depoimentos da parlamentar na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga o tema no Congresso, e também é apurada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

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Ao Supremo, ela diz ter entregue dados que mostram como o chamado "gabinete do ódio" opera nos estados e provas de que os articuladores dessa rede operam com "calendários de ataques", escolhendo vítimas de determinados períodos. "No caso, o Moro vai ser vítima, como eu fui, por meses", diz.

Hasselmann foi líder do governo no Congresso até outubro de 2019, quando foi tirada do cargo por atritos com o presidente dentro do partido.

Na semana passada, o ministro Sergio Moro pediu demissão, apresentou acusações contra o presidente e, no mesmo dia, a sra. apresentou um pedido de impeachment na Câmara por obstrução de Justiça.
JH - Obstrução de justiça, intervenção na Polícia Federal e falsidade ideológica.

A sra. acha que há provas suficientes para levar essa acusação adiante?
JH - A tentativa de intervenção na Policia Federal já é uma prova contundente. Nós sabemos e a imprensa repercutiu amplamente que há meses o presidente tenta fazer intervenção na Polícia Federal, colocando um amigo próximo de seu filho, um amigo de casa, de balada, de festa, para comandar a polícia que investiga, inclusive, esquema criminoso dos filhos dele.

O que o ministro estava fazendo ali era impedir que o presidente fizesse tal negociata para proteger seus filhos. O que o presidente está tentando fazer é transformar PF e o Ministério da Justiça numa coisa só e comandado pela mesma pessoa, que é ninguém mais ninguém menos que o próprio presidente da República.

Isso não é democracia, é chavismo, é autoritarismo, passa longe de ser um processo democrático. Por isso, antes que o Brasil caia num chavismo de verdade com o sinal trocado, eu propus o processo de impeachment. Ainda que eu ache que o melhor caminho é a renúncia, mais rápido e menos doloroso.

Então, quando a sra. ainda estava como líder do governo no Congresso, o presidente já falava em trocar o chefe da PF...
JH - E eu sempre fui contra, publicamente.

Mas a sra. já conversou sobre isso dentro do governo? Porque a sua saída do governo não se deu em razão dessa interferência, mas por outros motivos...
JH - Ela se deu por outras interferências. É hábito do presidente da República interferir em todos os lugares, inclusive onde ele não deveria ter a menor ingerência. Da mesma forma como ele interfere na Polícia Federal, esse órgão que tem ser tão cuidado e protegido em sua dignidade, ele interferiu numa liderança de partido no Congresso, fazendo o que ele não deveria.

Ele interferiu em que naquele momento?

JH - Interferiu no momento em que chamou um grupo de parlamentares para lotear uma parte do governo para retirar um líder da época, que não era nem eu, para colocar o filho dele [o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)]. Na época era o líder Waldir (PSL-GO). Imagina o presidente da República descer nesse nível para interferir numa liderança de partido, chega a ser chulo um negócio desse.

Uma das motivações do presidente, segundo a conversa que ele teve com o Sergio Moro [apresentada pelo ex-ministro] para trocar a PF, é o inquérito aberto no STF para investigar a organização de atos pró-intervenção militar. Também existe outra investigação que é sobre o disparo de fake news. A PF identificou o Carlos como um dos coordenadores do esquema.
JH - Eu já sabia disso há 500 anos. O meu depoimento na CPMI das fake news é exatamente o que a polícia está dizendo agora e que o próprio ministro Moro disse.

A sra. deu esse depoimento na CPMI das fake news e também prestou depoimento ao ministro Alexandre de Moraes. A sra. repetiu o conteúdo?
JH - Eu trouxe mais informações no Supremo. Até porque o depoimento ali é sigiloso. No STF, além de levar outras documentações, dei o caminho das pedras de como o esquema do gabinete do ódio se ramifica nos estados. Porque, na CPI, onde falei por praticamente 10 horas, eu consegui abranger o esquema nacional, dentro do Palácio do Planalto e parte do esquema que acontece na própria Câmara dentro do gabinete desses bolsonaristas.

Também mostrei um esquema em São Paulo, mas isso se repete no Nordeste, no Rio Grande do Sul. Aí ao STF eu levei dados do Ceará, onde tem uma grande célula do gabinete do ódio, no Rio de Grande do Sul e de outros estados brasileiros.

Em todos os estados o esquema está conectado?

JH - [O esquema] Funciona em esquema de células, uma célula central, que fica dentro do Palácio do Planalto cria a informação, a fake news, o perfil falso, os ataques, as hashtags. Essa célula central passa para grupos de Instagram e de WhatApp, para outros coordenadores. Esses coordenadores passam para células em seus estados.

A sra. apresentou provas do envolvimento do Carlos? Porque a sra. diz que o gabinete do ódio está dentro do Palácio do Planalto e tem o Carlos e o Eduardo como partes importantes.
JH - Eu apresentei provas do envolvimento direto de um dos assessores do Eduardo no grupo do gabinete do ódio, inclusive como ele estava fazendo as orientações e conversas. Apresentei os áudios dele orientando como os grupos deveriam agir, apresentei o calendário de ataques, quem deveria ser atacado e qual dia.
Eles formatam [os ataques] em calendários, pegam o mês inteiro e escolhem a vítima daquela semana, por exemplo. A vítima da semana é o Moro. No caso, o Moro vai ser vítima, como eu fui, por meses. Eles pegam os grupos todos, páginas de internet compradas, as páginas ditas de ultradireita, e fazem um rodízio.

A cada dia, o ataque tem que partir de uma página e todas as outras replicam. É assim que funciona. Nós mostramos que o assessor do Eduardo estava dentro do gabinete. E quem montou esse grupo comandado pelo Filipe Martins e o Tércio [que trabalham no Planalto] foi o Carlos, todo mundo sabe disso. Foi assim na campanha, na pré-campanha e tem sido assim agora.

A sra. diz que desde a pré-campanha era assim. A sra. não tinha conhecimento que eles faziam esses disparos?
JH - Eu não tinha conhecimento. Essas notícias que diziam que existia disparo em massa de robô, achei que era tudo fake, que era invenção da oposição e nunca fiz parte desse núcleo porque o Carlos nunca permitiu. Essa parte do gabinete específico, eu só tive a certeza [que existia] quando eu virei alvo disso e resolvi investigar.

Nesse caso então, a sra. não acha que foi conivente?

JH - Imagina. Para ser conivente eu tinha que saber.

Embora tenha apresentado o pedido de impeachment, a sra. vê espaço para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), levá-lo adiante? Porque o deputado disse que o foco é a pandemia.
JH - Sem dúvida, precisamos ter o foco na pandemia, mas não podemos deixar o Brasil à deriva, porque o governo acabou.

A sra. defende que ele vá para frente agora?

JH - Eu defendo que nós possamos fazer um processo que não seja no afogadilho, defendo a criação da CPI. O impeachment está na gaveta do presidente da Câmara. Cabe a ele tirar. Conforme as informações sejam reveladas, haverá apoio da população para acontecer. O Brasil precisa de paz e tranquilidade. O foco é combater a pandemia, mas não podemos cruzar os braços para o que está acontecendo na Presidência da República e seus puxadinhos.

Se o processo for para frente, não haverá paz...

JH - Por isso que eu defendo primeiro a renúncia. Se o presidente tivesse juízo ele renunciaria. Não podemos deixar o Brasil sendo tocado por um chavista, que quer instituir um golpe militar no Brasil e fingir que nada está acontecendo. É papel do Parlamento impedir esse golpe. Não podemos fechar os olhos para a política porque senão a Câmara estará sendo omissa, prevaricando.

O presidente intensificou as conversas nas últimas semanas com partidos de centro e hoje ele negocia cargos. Como vê essa aproximação?

JH - O Bolsonaro cedeu ao pior que tem na política. O discurso que foi feito cai por terra, é mentira. Discurso de corrupção, de lealdade ao povo brasileiro, de não roubar, tudo é mentira.