Órgão dado ao centrão por Bolsonaro tem histórico de corrupção

Dnocs é apontado pelo TCU como um dos órgãos do governo federal mais suscetíveis ao risco de fraude e corrupção

Presidente Jair Bolsonaro - Marcos Corrêa/PR

Símbolo da aproximação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o chamado centrão, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) é apontado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como um dos órgãos do governo federal mais suscetíveis ao risco de fraude e corrupção.

A avaliação foi feita em auditoria do TCU de 2018, divulgada no mês seguinte à eleição de Bolsonaro à Presidência. As conclusões do trabalho foram encaminhadas ao Planalto e à equipe de transição.

Com um orçamento de cerca de R$ 1 bilhão para o ano de 2020, o órgão teve apontadas fragilidades "muito altas" em todos os quesitos apurados: na prevenção de fraudes e corrupção, na gestão de ética e integridade, na transparência, no controle e também na designação de seus dirigentes.

Leia também:
Governo Bolsonaro entrega ao STF vídeo de reunião ministerial citada por Moro à PF
Em dia de recorde de mortes por coronavírus, Bolsonaro ironiza e fala em 3 mil em churrasco no Alvorada


"Espera-se que esse trabalho sirva para a implementação de melhorias nos mecanismos de controle das instituições do Poder Executivo Federal, em especial nas práticas preventivas e detectivas de fraude e corrupção", disse o TCU, em nota, na época.

Questionado pela reportagem, por meio da assessoria do Ministério de Desenvolvimento Regional –ao qual o Dnocs é vinculado–, se houve alguma mudança nesses mecanismos de 2019 até agora, o órgão não se manifestou até a conclusão desta edição.

Na última quarta-feira (6), o ex-diretor do Procon em Pernambuco Fernando Marcondes de Araújo Leão foi nomeado diretor-geral do Dnocs, uma marca da aproximação de Bolsonaro com partidos como PP, PL e Republicanos.

Ele foi indicado pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão na Câmara.

Esse, no entanto, foi só o último episódio de uma série de polêmicas que envolveu o órgão desde os anos 1990.

O Dnocs tem sido loteado por partidos como o PFL (atual DEM), PMDB (atual MDB) e pelo próprio PP durante os governos Itamar Franco (MDB), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

O órgão é centenário e foi criado em 1909 sob o nome de Iocs (Inspetoria de Obras Contra as Secas), e virou o atual Dnocs em 1945.

Em 1993, foi revelado que o ex-presidente da Câmara Inocêncio de Oliveira (PE), do então PFL, usou o Dnocs para instalar dois poços a preços subsidiados em suas propriedades em Serra Talhada, no sertão de Pernambuco.

Após o assunto tornar-se público, Inocêncio pagou a diferença referente ao subsídio.

Em 1999, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso uma medida provisória que previa a extinção do Dnocs.

"Chegamos para trabalhar e havia a notícia da extinção. Foi uma surpresa desagradável", disse ao jornal Folha de S.Paulo Guilherme Evelin, diretor-interino do departamento à época. Sob protestos de parlamentares do Nordeste, a diretoria foi mantida.

Durante o governo Lula, o Ministério Público Federal chegou a investigar suspeitas de superfaturamentos para fins eleitorais em obras do Dnocs no Ceará.

Em 2012, já na gestão Dilma Rousseff, o então diretor-geral do órgão Elias Fernandes, apadrinhado pelo ex-deputado Henrique Eduardo Alves (MDB-RN), deixou o cargo após relatório da Controladoria-Geral da União apontar irregularidades em sua gestão. O órgão do próprio governo apontava supostos desvios de R$ 192 milhões em obras.

Quando o MDB decidiu desembarcar do governo Dilma às vésperas do impeachment, em abril de 2016, a presidente indicou um apadrinhado pelo PP. Ao assumir interinamente, Temer trocou o diretor.

Após a tentativa de Fernando Henrique de extinguir o órgão, o Dnocs perdeu força, de acordo com Roberto Malvezzi, assessor da Comissão Pastoral da Terra em Juazeiro (BA) e ex-coordenador nacional da entidade.

"Nos últimos anos, o Dnocs tem pouca expressão. Não tem um impacto sobre o semiárido e não tem um projeto. Eles ainda gerenciam algumas barragens e açudes, mas os investimentos vêm em sua maioria dos governos estaduais", diz Malvezzi, afirmando que a própria lógica de "combate às secas" é antiquada e que se lida hoje com a ideia de "convivência com o semiárido".

Ele avalia que, embora não tenha grande expressividade, o órgão sirva mais como um cabide político –a cifra de R$ 1 bilhão de orçamento, ressalta, não é alta dentro da estrutura do governo federal.

Malvezzi exemplifica que a própria transposição do rio São Francisco, megaobra que pretendia levar água para parte do sertão, não foi tocada por meio do Dnocs nem por outros órgãos federais associados a indicações políticas, como a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste).

O próprio Dnocs, em histórico postado no seu site e atualizado em 2016, reclama da perda da própria relevância e critica a prática de "içarem os cargos de chefia" a "pessoal despreparado para o desempenho de suas missões".

O centrão, bloco recriado na Câmara a partir de 2015 sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso em decorrência da Lava Jato, era demonizado até pouco tempo por Bolsonaro e aliados, sendo tratado como "a pior coisa que há na política", nas palavras do próprio presidente.

Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), chegou a ensaiar em 2018 uma cantoria pejorativa contra o grupo durante convenção do PSL, partido pelo qual o presidente foi eleito.

"Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou Heleno, em cena filmada e postada nas redes sociais, comparando os parlamentares da legenda a ladrões.

No protesto com pautas antidemocráticas de domingo (3), prestigiado por Bolsonaro, o centrão, que é um dos principais implicados no escândalo da Lava Jato, continuava como alvo dos apoiadores do presidente.

Bolsonaro passou a buscar o apoio do grupo com o objetivo, segundo aliados, de criar pela primeira vez uma base mínima de sustentação no Congresso que evite o prosseguimento de um possível processo de impeachment.

Após os encontros com Bolsonaro, líderes dos partidos, que contam com cerca de 200 dos 513 parlamentares, se colocaram publicamente contrários ao impeachment.

Para que seja deflagrada a tramitação de um pedido de impedimento, é preciso autorização do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje adversário de Bolsonaro, mas que tem resistido a dar o aval.