Poetas e escritores usam as redes sociais para criar laços de afeto com leitores
Com a pandemia do novo coronavírus, a literatura foi transformada e novas formas de conexão foram criadas
A tecnologia sempre foi colocada como um lugar de distanciamento por possibilitar experiências que não estão atreladas ao contato físico entre sujeitos. Em meio à pandemia do novo coronavírus, ela se tornou o suporte de interação entre as pessoas e deu um novo contorno a artes que ainda estavam ligadas ao analógico - a exemplo da literatura. Escritores, poetas e atores estão transformando o contato com o público das redes sociais e aplicativos de chamadas em novas possibilidades de experiências literárias durante o período de isolamento social em Pernambuco.
Através da escuta, que já ocorria nas ruas antes da pandemia, a poetisa Luna Vitrolira (@luna_vitrolira) tem criado um espaço em que transforma dores e histórias do público em poemas que são publicados nas redes sociais. “Fiquei pensando que esse é um momento único em nosso País, em que tem intensificado a instabilidade emocional e essa sensação de solidão. Vivemos uma corrida louca que tem subtraído as dores das pessoas. Então, pensei em criar um canal de acolher essa escuta afetiva das pessoas, de histórias, de como estão se sentindo em meio a tudo isso”, explica a artista.
O público pode entrar em contato com Luna através de uma carta por e-mail. A partir desse processo, a pessoa escolhe qual o melhor meio para que o atendimento seja agendado. Depois da escuta, a comunicação é transformada em poema e devolvido para o atendido, com publicação nas redes - com ou sem identificação do dono da narrativa. “Não é uma ação para me manter enquanto artista. Decidi por ter a sensação de inércia quanto ao que vivemos. Penso, posteriormente, em transformar esses poemas em livro, como um registro da memória pelo que passamos, com a permissão das pessoas envolvidas”, enfatiza a autora.
VIAGEM A DOIS
Já o escritor, dramaturgo e ator Cleyton Cabral decidiu levar a experiência lítero-afetiva, “Fibra Ótica”, ao público como uma forma de aproximação da arte. Através de aplicativos de videochamadas, ela leva a pessoa a uma narrativa baseada em literatura e música. “O processo é quase como uma performance e é muito aberto também. A cada experiência, é um novo processo. Quando a pessoa entra em contato comigo, escolhe um dos discos que eu tenho, três palavras soltas e títulos dos diários que eu tenho escrito durante a quarentena. Para que haja esse contato, eu falo através do Whatsapp e a gente agenda a experiência”, afirma Cleyton.
Com o horário marcado, o dramaturgo, que também trabalha com cursos de escrita literária, oferece uma imersão durante a chamada de vídeo no seu espaço. “Eu vou passeando com a câmera por esse espaço e a pessoa pode escolher um dos livros que eu tenho - pode ser um lacrado ou um que eu tenha lido -, e pode ser uma surpresa até para mim. A gente lê três parágrafos e depois a gente tem uma conversa sobre o que foi feito. Depois disso, coloco a música do disco e as três palavras escolhidas anteriormente pela pessoa podem se transformar em poesia, desenho ou conto inspirado naquele momento também”, complementa o escritor. Os valores ficam a critério de quem adquire o serviço e pode ser pago em transferência, boleto ou depósito.
Para a cantora e escritora Ana Areias, a pandemia surgiu como uma surpresa e interrompeu seus planos de lançar um novo livro, “Avesso da Saudade”, fisicamente. Contudo, ela viu no momento a possibilidade de criar uma rede de afetos com seus leitores. “As pessoas que têm lido enviam vídeos recitando poemas que mais se identificaram e eu publico nas redes sociais. Foi um momento difícil, mas que a gente vem percebendo uma identificação das pessoas com o que o livro passa - que é sobre os caminhos que nós percorremos. É o meu primeiro livro e as redes têm sido a ponte de interação com o público.”, explica a autora.