Artistas negros usam arte para valorizar a ancestralidade e combate ao racismo

Seja na ficção, nas telas ou na música, as artes têm se transformado em ferramenta de combate ao preconceito racial.

Anti Ribeiro trabalha com pesquisa e desenvolve oficina de afroficção - aluizafotografia/divulgação

Quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888, havia a perspectiva de libertação dos corpos negros no País. Já se vão 132 anos desde então e o racismo ainda habita o cotidiano da população afro-brasileira em múltiplas áreas. Em decorrência disso, repensar a representação, a cultura e a luta histórica dos antepassados tem sido a força de artistas negros para apagar uma história de subalternidade e sub-representação dos corpos racializados nas artes. Seja na ficção, nas telas ou na música, as artes têm se transformado em ferramenta de combate ao preconceito racial.

Mulher, negra, nordestina e artista, a cantora Gabi da Pele Preta é uma das representantes potentes da música em Pernambuco. Carregando a ancestralidade em seus trabalhos, ela acredita que mostrar suas raízes e sua negritude no palco serve como inspiração para uma população invisibilizada. “Eu acho que é importante para inspirar as pessoas negras no contexto de um País que tem um racismo estrutural. Então, quando subimos no palco mostrando a nossa beleza e ancestralidade podemos dizer a pessoas negras e periféricas que podemos ocupar nossos espaços”, conta a cantora.

Para ela, a música é uma ferramenta política de combate ao preconceito. Como a história da sociedade negra foi apagada, a oralidade e as canções mantiveram suas tradições vivas. “O próprio saber histórico da população negra, que não havia possibilidade de documentar, foi passado de geração em geração de forma falada, por que não dizer de forma cantada, né? Então os idiomas foram preservados, a estratégias de luta foram preservadas através das canções. A ancestralidade de modo geral foi mantida dessa forma”, explica Gabi da Pele Preta.

NEGRITUDE NAS TELAS


Como um processo natural de brincar e imaginar ilustrações a partir dos brinquedos na infância, o artista visual e estudante de Design Gabriel Souza, de 22 anos, foi se descobrindo no universo das artes. Assinando os trabalhos como Furmiga, ele transporta para as telas um processo de auto-análise enquanto negro. “São corpos que vêm de mim, de pessoas que eu vejo. Também são sentimentos e memória de representações que eu acho válida. Quando falo de corpos, são corpos que falam de sexo, sem passar por uma hiperssexualização, e questões de gênero e sexualidade que são racializadas (que passam por uma perspectiva de raça)”, explica o artista.

Morador do bairro do Bongi, na Zona Oeste do Recife, ele coloca em sua arte uma perspectiva que passa pelas lembranças do passado, do cotidiano do presente e uma expectativa do futuro do negro em suas ilustrações. “E eu acredito que a importância da construção desses personagens e dessas figuras é de justamente para curar um trauma que é colonial, que por muito tempo trouxe uma rigidez imagética de que esse corpo (negro) é hiperssexualizado, tem as medidas exatas de um corpo de trabalho braçal. Essas representações negavam toda a nossa riqueza, a nossa ancestralidade e a nossa cognição”, diz Gabriel, que revisita o passado para contar novas histórias.

NA FICÇÃO

A mesma percepção da sexualização das pessoas racializadas também está presente na ficção. Por isso, a sergipana e estudante de Cinema Anti Ribeiro, 25, oferece uma oficina de afroficção a partir de narrativas que passam pela memória, presente e futuro da população afrodescendente. “Participar de processos de curadoria em Cinema, principalmente no âmbito da prática curtametragista, me fez notar padrões que vão sendo reproduzidos por realizadores negros e negras de obra para obra: o revide à estrutura racista, a frequente produção de filmes-denúncia ou discursos que têm, nos últimos anos, estado pautados primeiramente na raça, deixando as outras questões narrativas intrínsecas para um segundo plano”, frisa a pesquisadora.