Ação da PGR contra Witzel tem erro e lacunas
As principais lacunas se referem ao suposto vínculo do governador com fraudes identificadas na contratação de organização social para montar e gerir hospitais de campanha
A representação da Procuradoria-Geral da República que motivou a Operação Placebo, contra o governador Wilson Witzel (PSC-RJ), contém erro e fragilidades em parte das suspeitas levantadas contra o investigado. As principais lacunas se referem ao suposto vínculo do governador com fraudes identificadas na contratação de organização social para montar e gerir hospitais de campanha.
O inquérito durou apenas uma semana até a PGR solicitar as buscas e apreensões realizadas na semana passada. Além dos hospitais, pesam contra Witzel suspeitas sobre sua relação e de seu entorno com o empresário Mário Peixoto, preso duas semanas antes na Operação Favorito.
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Segundo a reportagem ouviu de integrantes da investigação, novas provas -ainda em sigilo- foram encontradas durante a operação. Para apontar a atuação de Witzel nas fraudes dos hospitais, a PGR indica como principal evidência uma série de publicações na conta do Twitter do governador e reportagens em que ele declara a intenção de construir as unidades. "As imagens e matérias acima demonstram que Wilson Witzel assumiu o protagonismo, tomou a frente, comandava as contratações e toda a política pública alusiva ao combate a pandemia da Covid-19, em típica situação de domínio do fato", escreveu a subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo.
A PGR apresenta ainda um organograma de cargos do estado e da Secretaria de Saúde para mostrar que o governador "mantinha o comando das ações". "Essa hierarquia garantia a cadeia de comando e, teoricamente, 'blindava' o governador", escreveu Lindôra. O inquérito foi aberto em 13 de maio, após o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), bolsonarista rompido com o governador, protocolar série de reportagens com suspeitas sobre contratações emergenciais para o combate à pandemia. Na data, o único indício contra o governador eram as publicações nas redes sociais, conforme descreve a PGR na representação. Foi o suficiente para o inquérito ser aberto, com autorização do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça.
Na semana seguinte, novos elementos chegaram à PGR –como o depoimento de Gabriell Neves, ex-subsecretário de Saúde preso o início de maio sob suspeita de fraudes nas compras emergenciais. Ele afirmou a promotores do Ministério Público do Rio de que nunca havia se encontrado com Witzel para discutir detalhes das contratações. Neves atribuiu ao ex-secretário Edmar Santos as ordens e orientações sobre como atuar para adquirir os equipamentos e leitos necessários.
O documento foi enviado à PGR e é usado por Lindôra para apontar o envolvimento de Edmar nas supostas fraudes.
A PGR recebeu escutas telefônicas autorizadas ao longo da investigação da Operação Favorito que mostram supostos operadores do empresário Mário Peixoto mencionando Witzel. A apuração também apontou que o governador contrariou pareceres do próprio governo ao revogar a desqualificação da organização social Unir Saúde, ligada ao empresário de acordo com a Procuradoria.
As buscas da Operação Favorito encontraram um contrato de serviços advocatícios firmado entre o escritório da primeira-dama com a DPAD Serviços Diagnósticos.
Investigadores apontam indícios de que a empresa faz parte da rede de CNPJs controlados por Peixoto. Há a suspeita de que o pagamento seja uma mesada ao governador. A PGR afirma que a DPAD é parte de um consórcio chamado Mais Saúde Legal I, que teria contratos com o estado.
Esse consórcio, contudo, não tem nenhum acordo firmado com o Executivo fluminense. Outra empresa chamada Consórcio Saúde Legal I, da qual a DPAD faz parte, atua só na Prefeitura de Petrópolis. A informação de que a DPAD faz parte de consórcio contratado pelo estado –apresentado em diagrama que vincula visualmente Witzel ao pagamento à primeira-dama– foi juntada aos autos pela primeira vez pela Polícia Federal no Rio de Janeiro na Operação Favorito. Foi replicada pelo Ministério Público Federal local e reproduzida pela PGR.
O contrato da primeira-dama com a empresa vinculada a Peixoto e os comprovantes dos pagamentos chegaram à PGR no dia 20, uma semana após a abertura do inquérito. No mesmo dia, a subprocuradora-geral solicitou as buscas e apreensões contra Witzel. Gonçalves, do STJ, deferiu as medidas no dia seguinte. Witzel nega irregularidades e atribui a operação à perseguição política do presidente Jair Bolsonaro. Outros sete governadores são alvo de investigações na PGR.
A PGR afirmou, em nota, que as publicações em redes sociais "correspondem a apenas um dos inúmeros elementos que corroboram a linha investigativa de que a referida autoridade tinha ciência e comando dos procedimentos". "Em uma das postagens, por exemplo, há a imagem da assinatura de um contrato com uma empresa. Os vários indícios levaram à convicção da necessidade de aprofundamento das investigações", afirmou.
A Procuradoria diz que o inquérito levou uma semana até o pedido de buscas porque as provas vieram do Rio de Janeiro "praticamente prontas". "Nessas instâncias, a apuração teve um longo tempo de amadurecimento e de coleta de provas", afirmou. Sobre a informação errada de que a DPAD faz parte do Consórcio Mais Saúde Legal I, que teria contrato com o estado, a PGR disse que não pode entrar em detalhes sobre por se tratar de tema sob sigilo.